07 Março 2024
Na conversa entre militares alemães filtrada pela Rússia, fala-se de possíveis ataques ucranianos contra a ponte da Crimeia com mísseis Taurus, dos quais Olaf Scholz está relutante em fornecer para Kiev.
A reportagem é de Dan Sabbagh, publicada por El Diario, 05-03-2024.
Na última sexta-feira, veio à tona uma extraordinária filtragem de uma chamada via internet na qual participaram o chefe da força aérea alemã e três subordinados, discutindo sobre a possibilidade de persuadir o chanceler Olaf Scholz, que é relutante em aprovar a entrega de mísseis de longo alcance Taurus para a Ucrânia, e se a munição poderia fazer explodir a estratégica ponte de Kerch que conecta a Rússia com a Crimeia ocupada.
A propagandista do Kremlin, Margarita Simonyan, editora-chefe da cadeia internacional de televisão RT, divulgou entusiasticamente uma gravação de 38 minutos nas redes sociais na última sexta-feira. Um dia depois, ela ofereceu ajuda a Olaf Scholz para investigar a fundo a filtragem, depois que o chanceler anunciou uma investigação para descobrir como uma gravação da conversa de alto escalão, aceita por Berlim como autêntica, chegou ao domínio público.
A natureza pública da filtragem representa uma mudança em relação a operações anteriores de Moscou, onde a informação hackeada passou por intermediários não russos como o WikiLeaks ou foi vazada na internet. É significativo que isso ocorra num momento de crescente atenção à contínua recusa de Scholz em fornecer os mísseis Taurus à Ucrânia, um míssil com um alcance operacional de pouco mais de 480 quilômetros, em comparação com o míssil de longo alcance mais eficaz de Kiev, chamado "Scalp/Storm Shadow", franco-britânico, com um alcance equivalente à metade.
"Nos corredores do Bundeswehr [Exército alemão], estão sendo discutidos de forma substancial e concreta planos de ataque contra o território russo", disse na segunda-feira o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov. "Morte aos ocupantes germano-nazistas!", disse o ex-presidente Dmitri Medvedev, menos comedido.
Muito. Supõe-se que as conversas secretas entre chefes militares não devem se tornar públicas. O diálogo envolve o tenente-general Ingo Gerhartz, chefe da Luftwaffe, e três subordinados discutindo as capacidades dos Taurus antes de uma reunião de meia hora que o chefe da força aérea havia agendado com o ministro da Defesa alemão, Boris Pistorius, para "aprofundar" sobre os Taurus e talvez convencer Scholz a mudar de ideia.
No entanto, foi dito que a conversa não ocorreu através de um sistema de segurança militar, mas sim através do software comercial de videoconferência, o Webex. Um dos participantes ligou de Singapura, o que poderia ter sido o ponto fraco.
Pistorius disse na terça-feira que a conversa pode ter sido gravada por um "erro individual" de alguém que se conectou sem as precauções necessárias, ao mesmo tempo que garante que os sistemas de comunicação da Defesa "não foram nem estão comprometidos". Assim, os dados de um participante em Singapura vazaram através de uma conexão não autorizada, ou seja, aberta, seja pelo celular, seja pela conexão Wi-Fi do hotel onde ele estava.
De qualquer forma, a ligação foi interceptada e gravada, ou uma gravação foi obtida e entregue à RT, e parte da conversa foi potencialmente embaraçosa para o Reino Unido.
Gerhartz e sua equipe discutem até onde a Alemanha poderia ir em seu apoio com os Taurus, e se Berlim precisaria fornecer informações precisas sobre alvos e programação de mísseis que estaria disposta a fornecer. Eles fazem referência à França e, particularmente, ao Reino Unido, e apontam que no caso deste último parece haver soldados no terreno ajudando na recepção e aconselhamento aos ucranianos nas decisões de bombardeio.
"Quando se trata de planejar missões, eu sei como os ingleses fazem", diz o comandante alemão a seus subordinados na chamada. Além de trabalhar com assessores em seu país, os britânicos "também têm algumas pessoas no terreno, eles fazem isso, os franceses não". Tem sido muito raro falar sobre a presença de tropas do Reino Unido na Ucrânia.
O Ministério da Defesa britânico não quis confirmar especificamente se as tropas britânicas estão ajudando a Ucrânia com o uso dos mísseis Storm Shadow, embora tenha havido rumores sobre isso há algum tempo. Se for verdade, e ainda estiverem presentes após a filtragem, é provável que o número seja relativamente pequeno, embora qualquer ajuda prestada para mirar alvos seja um passo adicional para a participação no conflito.
Há uma semana, Scholz referiu-se à presença de tropas britânicas na Ucrânia ajudando com o "controle de alvos" e disse que não poderia aceitar algo semelhante para a Alemanha, dentro ou fora do país, porque considerava que isso corria o risco de tornar Berlim um "participante na guerra". É provável que a Rússia já estivesse ciente da presença britânica, tanto pelas declarações e vazamentos da Grã-Bretanha quanto por seus próprios serviços de inteligência, e ainda não tenha provocado uma escalada significativa por parte de Moscou.
Uma leitura atenta das declarações parlamentares mostra que o Reino Unido reabriu sua seção de defesa na Ucrânia em abril de 2022. Um ministro disse em julho de 2023 que a Grã-Bretanha tinha tropas no país "para apoiar a presença diplomática do Reino Unido no país e nossa oferta de treinamento às forças armadas ucranianas", enquanto os vazamentos revelaram que o Reino Unido teve até 50 forças especiais no país e que os Royal Marines apoiaram "operações discretas" lá, como o restabelecimento da embaixada britânica em Kiev.
Antigos conhecedores dizem acreditar que o Ministério da Defesa ficará irritado, mas que as filtragens são muito gerais para serem prejudiciais. Curiosamente, o principal que Downing Street fez não foi reclamar, mas pressionar novamente Scholz. "O Reino Unido foi o primeiro país a fornecer mísseis de ataque de precisão de longo alcance à Ucrânia, e encorajamos nossos aliados a fazer o mesmo", disse um porta-voz do gabinete do primeiro-ministro.
O principal benefício para Moscou é tentar explorar publicamente as filtragens contra o chanceler alemão, que continuará a enfrentar pressões ocidentais e ucranianas para doar os mísseis Taurus, entre outras coisas, porque na chamada filtrada, os especialistas alemães dizem acreditar que entre 10 e 20 deles poderiam ser capazes de explodir a ponte de Kerch.
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O que se sabe sobre a filtragem da chamada de altos funcionários alemães sobre a Ucrânia e o que pode acontecer agora? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU