“O Quarto ao Lado”: Pedro Almodóvar, a vida a morte. Artigo de Faustino Teixeira

Cena do filme "O Quarto ao Lado" | Foto: Divulgação

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23 Novembro 2024

"Tenho muita vontade de rever esse Quarto ao Lado: é tão belo e com tantas referências que passam rapidamente diante dos olhos... Como a vida: mal a gente olha, toca, degusta, cheira, beija, goza e fim, the end, acabou.", escreve Faustino Teixeira, teólogo, professor emérito da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF e colaborador do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, em artigo publicado no Facebook, 15-11-2024.

Eis o artigo.

Excelente reflexão, partilhada de Evando Nascimento

Contém spoiler.

Depois de perder um amigo que partiu por “Morte assistida”, adiei o que pude a ida ao cinema para ver o último filme de Almodóvar. Afinal, todas as resenhas que li falavam em Eutanásia.

Fui porque não assino mais nenhum canal de streaming nem tenho mais aparelho de DVD, e o filme em breve vai sair de cartaz. Achei simplesmente deslumbrante, uma obra-prima absoluta. Por tantos motivos que tenho dificuldade (e falta tempo) de explicar.

O que nenhuma resenha me disse é que é um filme Hiperpolítico.

Aborda algumas das questões mais essenciais do mundo hoje: o direito à morte com dignidade / simétrico do direito a viver com dignidade, a estupidez da guerra (há um ex-combatente do Vietnã e uma das personagens foi correspondente de guerra), o genocídio bósnio / simétrico do genocídio palestino atual, a amizade entre mulheres, o amor entre homens (a cena dos Carmelitas em plena Invasão americana do Iraque é deliciosamente bela e trágica), a crise climática e o triunfo da extrema direita (a filmagem é bem anterior à vitória trumpista...) etc. São tantos temas e nuanças entrelaçados com uma leveza que me deixaram em êxtase absoluto.

Em quatro momentos pelo menos eu ri, junto com a plateia. Num quinto gargalhei. Só Almodóvar para nos fazer rir na iminência da morte... As atrizes são excepcionais. Eu, que nunca guardo nome nenhum e confundo todo mundo, há duas décadas sou apaixonado por Juliane Moore, e ela nunca me decepciona. A outra também é espetacular, Tilda Swinton.

Mas o personagem com quem mais me identifiquei foi Damien (John Turturro), o amante das duas em momentos distintos. A fala dele próximo do final é de um realismo que eu subscrevo palavra por palavra.

Já disse: escrever um livro sobre o pensamento vegetal foi um modo de apostar na inteligência humana. Vejo agora que estou (estamos) perdendo a aposta...

Esteticamente, é Almodóvar em seu máximo esplendor. O diálogo visual com Hopper é de uma magnitude ímpar. Hopper, para mim, é o mais metafísico dos pintores, sem ser místico. O Quarto ao Lado combina o melhor do drama hollywoodiano com o dramalhão espanhol, que Almodóvar sempre praticou. Mas sem descambar para a pieguice, como em geral Hollywood faz quando se trata de doenças e coisas afins.

A história tinha tudo para me fazer chorar. Gosto do choro por ser catártico. Porém saí do cinema rindo e agradecendo à vida por causa e apesar de tudo. (Gracias a la vida!)

Um amigo meu não gostou, achou americano demais, pouco almodovariano. Gostei dos argumentos dele e acho que tem muitas razões. Mas cinema (e arte em geral) é mesmo assim: nunca produz o mesmo efeito em pessoas diferentes. Cada um é tocado ou não por motivos quase sempre inefáveis.

Uma confissão: uns quinze anos atrás, num momento tenebroso de minha vida, fui a uma locadora e vi ou revi todos os Almodóvar produzidos até então. Depois escrevi um ensaio de mais de trinta páginas, que guardei e jamais reli. Foi uma excelente terapia, que me ajudou a sair da beira do abismo. Santo Almodóvar!

Tenho muita vontade de rever esse Quarto ao Lado: é tão belo e com tantas referências que passam rapidamente diante dos olhos... Como a vida: mal a gente olha, toca, degusta, cheira, beija, goza e fim, the end, acabou.

P.S.: esse mereceu o primeiro grande prêmio recebido pelo bruxo espanhol, o Leão de Ouro em Veneza. Isso mostra bem o quanto premiações são erráticas e injustas: P.A. produziu meia dúzia de obras-primas incontestáveis, como pouquíssimos diretores, nenhuma até então ganhara a Palma de Ouro, o Oscar, nada...

P.S.2: na volta a pé para casa, no trajeto entre Botafogo e Flamengo, passo defronte ao prédio da FGV (um dos últimos que Oscar Niemeyer projetou) e vejo os avisos do G20: vocês acham que sou tolo de acreditar na boa fé dessas lideranças? Se depender desses tais a humanidade (e os demais viventes) está ferrada...

Saudações fraternas!

Evando Nascimento Camacã

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