A reportagem é de Francesco Ricci e Alver Metalli, publicada por Religión Digital, 05-11-2024.
Assim que ouvi a notícia da morte do padre Gustavo Gutiérrez, lembrei-me de uma longa entrevista que fizemos com ele. Fui com um sacerdote, o padre Francesco Ricci, à sua casa em Rimac, um bairro pobre de Lima, onde ele era vigário assistente havia cinco anos. Baixo de estatura, visivelmente marcado por uma osteomielite que padecera aos 12 anos e o confinara a uma cadeira de rodas até os 18, Gutiérrez tinha, naquele momento, 58 anos e 27 de sacerdócio, e era o teólogo latino-americano mais conhecido.
Era o começo de 1986, e é fundamental situar o diálogo que mantivemos com ele, sincero e profundo, nas coordenadas de tempo em que ocorreu. Um par de anos antes, de fato, a revista que eu dirigia, 30Giorni, havia publicado um estudo confidencial do cardeal Ratzinger sobre a Teologia da Libertação. O dossiê era de caráter acadêmico, sobre a teologia política de Moltmann, mas teve repercussão mundial e foi interpretado como uma condenação à Teologia da Libertação e aos seus principais representantes. Gutiérrez, junto com Boff, Sobrino e outros, tornou-se o centro da atenção vaticana. Dois anos depois, a Santa Sé emitiu um primeiro documento sobre essa corrente teológica, condenando fundamentalmente algumas de suas linhas, e reservando para 1986 uma intervenção de caráter mais meditado e construtivo.
Gutiérrez sabia de tudo isso e aceitou a entrevista. Disse que não havia concedido nenhuma desde a viagem de João Paulo II ao seu país em fevereiro de 1985, e que tampouco tinha intenção de concedê-la por muito tempo. Por que, então, aceitou receber – e sem dúvida não era fácil – a mesma revista que naqueles anos havia feito duras críticas à Teologia da Libertação e que o próprio Gutiérrez, por sua vez, havia criticado? "Porque a falta de diálogo", respondeu quando perguntamos, "fomenta a inimizade, e a inimizade distorce as posições". Uma resposta que não apenas honrava sua maturidade humana e de pensador, mas que ainda hoje representa o indicador de um método de grande profundidade cultural.
Reproduzimos a entrevista daquele momento nas páginas seguintes.
Entrevista-debate com o fundador da Teologia da Libertação. As origens: interesses e inquietudes de um jovem sacerdote nos anos 60. O marxismo, uma questão pendente. O que tem a ver a Teologia da Libertação com a Igreja popular da Nicarágua? Existe "restauração" na Igreja de João Paulo II? Socialismo real: "um ponto sobre o qual será necessário trabalhar". É possível fazer teologia sem antropologia? "Minha relação com Roma". À espera do segundo documento...
Você é considerado o pai da Teologia da Libertação. Sente-se como tal? É uma paternidade que repudia ou reconhece?
A primeira frase do livro "Teologia da Libertação" diz: "Esta obra tenta uma reflexão, a partir do Evangelho e das experiências de homens e mulheres comprometidos com o processo de libertação, neste subcontinente de opressão e espoliação que é a América Latina." Se há uma paternidade, é mais a desses cristãos. É certo, no entanto, que em um nível mais técnico, a paternidade corresponde a quem, na comunidade cristã, tem a função, o carisma teológico, de articular e formular tudo isso. Nesse sentido, cronologicamente a primeira pessoa que denominou essa reflexão de "Teologia da Libertação" sou eu, mas o conteúdo vem de muito mais longe.
Com tudo o que se fala da Teologia da Libertação nos últimos dois anos, já teve a reação que Marx teve quando, após ler os textos de alguns marxistas, exclamou: "Eu não sou marxista"? Já sentiu vontade de exclamar: "Não sou um teólogo da libertação!"?
Às vezes. Mas comecemos levando em conta as proporções. Francamente, acho que a Teologia da Libertação, por mais interessante que seja, não tem absolutamente as dimensões que tiveram outras correntes de pensamento na história da humanidade. Em várias ocasiões, oralmente e por escrito — mais oralmente, pois escrevo pouco —, tenho dito e repetido que estou em total desacordo com toda uma série de interpretações e formas de entender a Teologia da Libertação. Existem modos de se expressar, de interpretar a expressão Teologia da Libertação com os quais não concordo absolutamente. É inevitável. Por outro lado, essa expressão não é de minha propriedade privada e exclusiva, e qualquer um pode usá-la.
Mesmo em Tübingen, creio que no mês passado de setembro, quando lhe concederam um título honorífico, o senhor mencionou suas diferenças com outros teólogos da libertação. De quem você se sente mais distante e a quem mais próximo?
Prefiro falar daqueles de quem me sinto mais próximo. E, mesmo neste caso, isso não significa que não haja diferentes ênfases. Por outro lado, não conheço, na Igreja Católica, dois teólogos que estejam cem por cento de acordo. É normal que haja diferenças em nível teológico, e por isso me parece correto que falemos de maior ou menor proximidade. De quem me sinto mais próximo? Vocês já conhecem os nomes: Jon Sobrino, Leonardo Boff, Rolando Muñoz, Clodovis Boff, Libanio Christo, Juan Luis Segundo...
Falemos das origens de sua reflexão e, portanto, da Teologia da Libertação. Eu gostaria que recordasse a situação eclesial do fim dos anos 60. A crise das políticas do "desenvolvimentismo", a rejeição cada vez mais marcada de uma ideia de desenvolvimento como simples ajuda ao subdesenvolvimento, a implantação em cadeia de regimes militares em grande parte do continente, o aperfeiçoamento das doutrinas de segurança nacional... Como viveu esses anos? Como os jovens católicos que o senhor acompanhava os viveram?
Me parece que nos anos 60, do ponto de vista histórico, ocorreu um processo interessante na América Latina: os pobres do continente começaram a tomar mais consciência de sua situação. Sem dúvida, a pobreza não é algo recente na América Latina. O que ocorreu nesses anos foi o surgimento de uma consciência mais clara de que a pobreza e suas causas são inaceitáveis. Me parece que essa nova consciência histórica foi bem captada em Medellín.
Cada vez mais cristãos participaram do processo de transformação social que gradualmente se desenvolvia e se estendia. Este é o terreno em que surge a Teologia da Libertação. Foi a década em que ocorreram fermentações interessantes em todo o continente, em nível social, político e até eclesial: comunidades cristãs e movimentos apostólicos, tanto estudantis quanto de trabalhadores...
Tudo isso contribui para amadurecer a perspectiva teológica da Teologia da Libertação. Direi mais. Também é evidente que, sem o Vaticano II e o que ele significou, não teríamos tido Teologia da Libertação. Nesta breve descrição do contexto em que nasceu a Teologia da Libertação, não posso deixar de lembrar a importância da encíclica “Populorum Progressio”.
Esta encíclica, e mais concretamente o ponto número 21, onde se refere ao "desenvolvimento integral", foi para mim o ponto de partida para falar de "libertação total", que é a expressão exata que utilizo em "Teologia da Libertação".
A "Populorum Progressio" teve uma influência muito grande na América Latina, até mais — se quisermos fazer uma comparação — do que a Gaudium et Spes. Essa nova consciência que estava se formando na América Latina representou para os cristãos daquele momento um imponente desafio à sua identidade, uma grande provocação para buscar e criar novas formas de presença da Igreja com sua visibilidade.
"... Novas formas de presença da Igreja com sua visibilidade". Sobre este ponto, você fez um discurso no CELAM em novembro de 1972, durante um encontro sobre os leigos na América Latina, do qual cito dois breves trechos. O primeiro: "Se esta comunidade que anuncia a salvação não se vê, não existe o sujeito do anúncio. A visibilidade é a base da institucionalidade da Igreja". O segundo, onde parece atacar aqueles cristãos que "diante das dificuldades que apresenta a Igreja institucional perdem de vista a razão teológica da visibilidade e jogam o bebê fora com a água do banho, e então, querendo eliminar estruturas caducas, acabam eliminando a visibilidade". Se essa era sua preocupação há 14 anos, não acha que cresceu na Igreja um certo "anti-institucionalismo"?
Pessoalmente, continuo fiel a essas expressões e as repetiria palavra por palavra. Quanto à América Latina — (a situação seria diferente para a Europa) — não posso dizer que não haja anti-institucionalismo, mas sou da opinião de que não cresceu. E isso se deve, em grande medida, às posições que a Igreja tem tomado no continente, como por exemplo em Medellín. Medellín deu impulso a uma nova presença da Igreja-instituição no mundo dos pobres. Acho que posso dizer que a presença da Igreja em sua visibilidade é muito maior hoje do que no passado. Podem existir situações locais que contradigam essa afirmação ou até setores sujeitos a influências eclesiais europeias, mas, globalmente falando, acredito que a Igreja latino-americana ganhou em visibilidade, e a presença da Igreja em situações como no Brasil ou no Chile demonstra isso.
Quando escreveu "Teologia da Libertação" em 1971, se não me engano, o senhor era assessor do movimento universitário católico.
Sim, fui e continuo sendo assessor dos universitários católicos. Acompanho-os há 26 anos e acredito que sou o assessor mais antigo de movimentos universitários da América Latina. Importa esclarecer que, neste momento, ser estudante universitário no Peru não significa de modo algum pertencer a uma elite social. Qualquer um pode ir à universidade e comprovar isso. Nos anos em que escrevi "Teologia da Libertação", era assessor e ao mesmo tempo trabalhava com comunidades cristãs de Lima e outras áreas do país, junto com sacerdotes e religiosos. Isso sempre foi uma parte importante do meu trabalho.
O senhor descreveu, em linhas gerais, a situação do fim dos anos 60. Nesse contexto, é certo que interpretou uma inquietação, mas era uma interpretação. Pessoalmente, como viveu esses anos? O que determinou essa interpretação? Qual era, naquele momento, sua posição pessoal diante do que ocorria ao seu redor?
De interesse e, não nego, de inquietação. Interesse porque me dava conta de que o povo pobre da América Latina começava uma etapa diferente, adquirindo maior consciência e vivendo uma aspiração cada vez mais forte de ser sujeito de sua própria história. Inquietação porque a resposta aos novos problemas poderia até não ser, do ponto de vista da fé, a mais conveniente e necessária para fazer com que os cristãos estivessem presentes nesse processo sem perder sua identidade. Essa era a inquietação, pois, se os novos problemas fossem enfrentados com soluções inadequadas para aquele momento, a pessoa que os enfrenta paga as consequências.
Tinha muito medo de uma certa dicotomia, quase esquizofrenia, de alguns cristãos que, ao mesmo tempo que mantinham uma ideia cristã mais ou menos privada, desenvolviam uma ação social e política derivada de outro mundo de valores. Comecei a observar esse fenômeno e ele me preocupava cada vez mais. Acredito que a fé deve ter uma função crítica diante de todas as conquistas históricas. A fé não tem soluções concretas, econômicas ou sociais para oferecer. No entanto, não pode se reduzir a uma ideia cristã privada que se coloca ao lado de uma ação inspirada em outros critérios. Essa perspectiva da inspiração e da identidade cristã me interessava muito. Essa foi uma das razões pelas quais escrevi "Teologia da Libertação". Eu queria enfatizar a importância da fé em um processo de transformação social.
Em uma palestra que deu em Madri, em 1984, o senhor disse uma frase, de certo modo, estranha. Disse: "Meu amor pela Igreja é de antes da guerra". O fundamento teórico de "Teologia da Libertação" sugere que existe esse tipo de inquietação no autor. Mas o que não fica claro é como a proposta da Teologia da Libertação é determinada por essa inquietação. Em "Teologia da Libertação", que se pode considerar seu texto clássico, prevalece uma análise objetiva, não se capta uma identidade cristã na ação. A preocupação em colocar em prática a identidade cristã fica em uma intenção, não se torna um método.
A frase foi tirada de uma canção de Joan Manuel Serrat, onde ele fala do amor por sua mulher e, para deixar claro que é um amor inquebrantável, diz precisamente que "é de antes da guerra". É uma expressão comum na Espanha, e esse é o sentido que se deve entender. O senhor diz que isso não é compreendido no livro. Não posso discutir isso, tem todo o direito de entender o que acredita. O autor nunca é o dono de sua obra. Mas em "Teologia da Libertação" há um longo ponto de dez páginas sobre "Espiritualidade da Libertação". Permita-me dizer que em livros desse tipo isso não é frequente. Eu não só tratei dos diferentes temas com categorias teológicas, mas também tinha a intenção de desenvolver essa perspectiva espiritual pouco depois. Embora só pude fazê-lo quando escrevi "Beber em seu próprio poço".
Há outro pequeno capítulo em "Teologia da Libertação" onde resumo, talvez de forma muito pedagógica, as questões que a realidade, que tentei descrever anteriormente, levanta. Parece-me que nessas páginas se podem ver algumas das minhas preocupações: a perda do sentido da oração, uma certa incompreensão da função da Igreja... Essas coisas me preocupavam. Acredito que vivi intensamente os anos 60. Foram meus primeiros anos de sacerdócio. Não tenho dificuldade em afirmar que "Teologia da Libertação" foi a tentativa de responder, com um olhar de fé, aos novos desafios, para ajudar os cristãos — na medida em que a reflexão pode fazê-lo — a crescer em identidade cristã e eclesial. Não pretendo convencer ninguém de que consegui isso, mas essa era claramente minha preocupação fundamental.
É a primeira vez que digo o que vou dizer e não deveria ser eu quem o faça, mas a questão é muito importante. Tenho testemunhos suficientes para poder dizer que, nesses anos na América Latina, as pessoas que se colocaram na perspectiva da Teologia da Libertação ganharam em identidade cristã. Conheço pessoas que sentiam que sua fé era inadequada em relação às novas problemáticas, e essa reflexão teológica as ajudou a entender que, ao contrário, é adequada. Conheço outras pessoas que recuperaram a fé ou a redescobriram com um novo impulso. Na minha experiência pastoral e sacerdotal, não me faltaram esses testemunhos.
No fundo, a Teologia da Libertação poderia ter surgido em qualquer outro lugar. Talvez, por minha idade, coube a mim articulá-la com esse nome, mas, se não fosse assim, ela teria surgido em outro lugar, talvez alguns anos depois...
Também é verdade que na década de 60 muitos cristãos que militavam ativamente em associações católicas se tornaram marxistas. Por quê?
Depende do que significa. Uma pessoa que se refere a tal ou qual ponto da análise marxista não se torna marxista por isso. É verdade que na complexa situação da América Latina nos anos 60, entre pessoas que se comprometiam, talvez generosamente, em um processo de transformação social, houve casos de abandono da fé. Essas situações estavam presentes quando, há pouco, eu expressava minhas preocupações daqueles anos. As causas desses abandonos eram diversas, e uma delas, sem dúvida, foi um anúncio inadequado da fé. Medellín respondeu adequadamente a essa desorientação, e acredito que a Teologia da Libertação também contribuiu para superá-la.
O senhor conheceu marxistas que se converteram ao cristianismo?
Pude constatar a corrente de simpatia que Medellín, mas também o testemunho de Dom Romero e de muitos outros, despertou em muitos ambientes tradicionalmente afastados da fé cristã, vinculados ou não ao marxismo.
Por que a militância política, ou, em todo caso, o apoio eleitoral de pessoas que se identificam com a Teologia da Libertação, vai para partidos ou movimentos de esquerda? No caso do Peru, para a "Izquierda Unida"?
Seria necessário um estudo sério para verificar até que ponto é verdade o que o senhor afirma. As razões para uma escolha política são sempre muitas. Por exemplo, seria necessário perguntar em que posições políticas os setores populares se sentem melhor representados.
Por razões históricas, pode acontecer que esse não seja um bom critério em certas latitudes e em outras sim, mas o é no Peru.
Frequentemente, o senhor se refere à Conferência de Medellín de 1968. Mas desde Medellín até os nossos dias tivemos a eleição de João Paulo II, a Conferência de Puebla, a recente reflexão sobre os 20 anos do Concílio... Como esses acontecimentos o afetaram pessoalmente e influenciaram sua própria reflexão teológica?
A Teologia da Libertação como tal foi formada antes de Medellín, mas Medellín lhe deu um impulso imenso...
Mas não estamos falando da Teologia da Libertação como um "produto teológico", mas sim como uma resposta da identidade cristã à interpelação latino-americana. Desse ponto de vista, a identidade cristã, após Medellín, se nutriu do pontificado atual, de Puebla, da própria discussão sobre a Teologia da Libertação e sobre a ação da Igreja na América Latina... E a Teologia da Libertação?
É por esses e outros acontecimentos que sustento que a Igreja na América Latina viveu momentos de grande riqueza e vitalidade.
No contexto do Concílio Vaticano II, a Conferência de Medellín (que ocorreu apenas três anos após o Concílio e está totalmente impregnada pelo clima do Concílio) impulsionou uma multiplicidade de experiências pastorais extremamente interessantes. Dez anos depois, Puebla retoma e reforça a linha fundamental que surgiu em Medellín e, ao mesmo tempo, aponta os possíveis e, em alguns casos, reais erros, carências ou limitações. Puebla impulsiona a perspectiva da Igreja dos Pobres de Medellín. Ela avança em relação a Medellín e ao próprio Concílio. Nos textos conciliares, por razões perfeitamente explicáveis, o tema da Igreja dos pobres não estava tão presente. A expressão é de João XXIII e foi dita poucos meses antes da abertura do Concílio.
Às vezes tento imaginar como seria o futuro se a pobreza não fosse um tema, mas o tema do Vaticano II... certamente a situação na América Latina hoje seria muito diferente do que é. Medellín recebe, por assim dizer, o bastão do Vaticano II sobre a Igreja dos pobres. Não só isso, mas a expressão "Igreja dos pobres", que depois de João XXIII me parece que não foi adotada por nenhum texto do magistério universal, foi recentemente adotada por João Paulo II na Laborem Exercens e em muitos de seus discursos. No nº 8 da Laborem Exercens, o Papa esclarece muito bem essa ideia da Igreja, a ponto de eu acreditar poder dizer que seu pontificado reforçou ainda mais essa perspectiva.
Até chegar ao recente debate sinodal sobre o 20º aniversário do Concílio, que, francamente, considero decisivo para a América Latina. Não sei se alguém na América Latina pensou ou pode pensar que essa foi uma discussão fundamentalmente europeia. De qualquer forma, não concordo com esse julgamento. O Sínodo deixou claro que, nos últimos anos, a Igreja tomou mais consciência da necessidade de uma opção preferencial (não exclusiva) pelos pobres. Sem dúvida, não é uma afirmação nova na Igreja, mas é preciso entender que pontos antigos, em determinado momento, parecem novos. E é possível que a insistência de Medellín e a Teologia da Libertação tenham contribuído para essa maior consciência.
Diz-se e escreve-se que o recente Sínodo sobre o Concílio impôs uma interpretação restritiva do Vaticano II, "restauradora", para usar um termo amplamente empregado. Como o senhor julga as conclusões da assembleia sinodal?
Não vejo essa restrição no texto final do Sínodo. O tom das conclusões é o mesmo que no primeiro relatório do cardeal Danneels. As conclusões afirmam o valor e o significado do Concílio na vida da Igreja; lembram que os sinais dos tempos não são exatamente os mesmos da época conciliar e que é necessário estar atento a eles; sublinham que a situação não é a mesma nos países ricos do Ocidente que em outras regiões do mundo, o que evita generalizações fáceis a partir da Europa sobre os efeitos do Concílio; rejeitam o raciocínio que atribui ao Vaticano II tudo o que aconteceu depois; preocupam-se com uma autêntica identidade cristã e apontam os riscos de perdê-la; mostram uma certa abertura para novas perspectivas, como a opção preferencial pelos pobres.
Na forma como alguns teólogos da libertação falam de Puebla, às vezes se percebe um certo incômodo, uma insatisfação com a forma como as coisas se desenvolveram durante a Conferência e com relação às suas próprias conclusões.
Eu não diria isso. Alguém, talvez, poderia desejar legitimamente que tal ou qual tema tivesse sido abordado ou que o significado de certos pontos tivesse sido esclarecido. Em Puebla, durante a preparação, houve dificuldades e posições confrontadas, mas o significado global da Conferência e a mensagem dos diversos textos são uma reafirmação madura, entusiasta, crítica e, em muitos casos, comovente da linha de Medellín.
A Nicarágua, e mais precisamente a forma que a presença de certos setores do catolicismo nacional assumiu no processo revolucionário, é considerada uma boa realização da Teologia da Libertação. O senhor acredita que o que se denomina "Igreja popular" é uma aplicação satisfatória da Teologia da Libertação?
Lembro que uma vez, durante uma entrevista em uma emissora de rádio de Barcelona, o entrevistador me perguntou se eu pensava que a Teologia da Libertação tinha sido o fator mais importante na revolução sandinista. Eu disse a ele que o fator mais importante foi Somoza.
Não pretendia perguntar-lhe qual foi a influência da Teologia da Libertação na revolução sandinista, mas se a "Igreja popular" é uma boa expressão da Teologia da Libertação.
Respondo que não, não tanto porque estamos falando da Nicarágua, mas porque nenhuma realização histórica pode ser considerada uma transferência mecânica de uma reflexão. Que a Teologia da Libertação pode ter contribuído para que os cristãos da Nicarágua sentissem mais claramente que deviam se comprometer na luta pela libertação de seu povo, não duvido que possa ter ocorrido. Mas não creio que se possa afirmar que o que está acontecendo na Nicarágua seja resultado da Teologia da Libertação. Também quero esclarecer que os cristãos da Nicarágua não utilizam, e de fato rejeitam, a expressão "Igreja popular". É um ponto que pode ser discutido, mas o que gostaria de salientar é que eles consideram esta uma expressão imposta de fora.
O ponto que gera mais discussão em torno da Teologia da Libertação é a questão do marxismo. Não lhe parece anti-histórica a atenção que a Teologia da Libertação reserva ao marxismo, quando o próprio marxismo, aos olhos de não poucos marxistas, hoje evidencia toda sua crise?
Creio que uma sensibilidade para o mundo da pobreza na América Latina leva necessariamente — justamente por razões de honestidade e busca de eficácia — a tentar conhecer suas causas. No mundo contemporâneo, as ferramentas que mais ajudam a compreender a realidade econômica e social — não de forma apodítica, mas com uma boa aproximação — são as ciências sociais.
Portanto, recorrer às ciências sociais para conhecer o mundo da pobreza me parece completamente natural e necessário, e não de hoje, mas de quase cem anos. Naturalmente, para um latino-americano, recorrer às ciências sociais significa apelar para as contribuições próprias que a América Latina fez para as ciências sociais. Por exemplo, a teoria da dependência, e a partir dela explicar boa parte da realidade latino-americana. Na teoria da dependência há noções que provêm do marxismo, assim como existem nas ciências sociais. Em consequência, a presença do marxismo na análise da realidade se dá com noções marxistas que estão presentes nas ciências sociais e, concretamente, na teoria da dependência.
Não se trata, então, de utilizar a análise marxista em sua totalidade, mas aqueles elementos que são imanentes às ciências sociais. Isso também é demonstrado pelo fato de que existem marxistas na América Latina que consideram que a teoria da dependência não é marxista, e há até alguns muito importantes que a consideram antimarxista. O que quero dizer é que em nenhum momento houve na Teologia da Libertação a intenção de usar a análise marxista em sua totalidade para analisar a realidade latino-americana.
Sempre se diz que não se quer usar a análise marxista em sua totalidade, mas apenas aqueles elementos presentes nas ciências sociais, mas nunca se indica quais são esses elementos, essas categorias. A dependência já não é uma categoria que diga muito hoje em dia...
Escrevi "Teologia da Libertação" há mais de 15 anos... Não se pode pedir às pessoas que trabalharam naquela época que tivessem a visão de hoje. Também acredito que as coisas mudaram muito. Muitos defensores da teoria da dependência na América Latina também abandonaram essa abordagem ou criticaram alguns de seus aspectos, e nos últimos dez anos também se levantou uma reflexão sobre o socialismo real que não existia quando escrevi "Teologia da Libertação". Será necessário levar em conta todos esses aspectos críticos, mas é preciso reconhecer que são contribuições recentes sobre as quais há que se trabalhar.
A "Instrução" da Congregação para a Doutrina da Fé também disse algumas das últimas coisas que o senhor está dizendo agora e, no entanto, frente à "Instrução", defende-se o direito teórico de utilizar tanto a análise marxista quanto as ciências sociais. Por exemplo, por parte do uruguaio Juan Luis Segundo, em sua "Resposta a Ratzinger". Parece-me uma luta contra moinhos de vento. Por que usar um instrumento que não serve?
Não se pode argumentar saltando em diferentes níveis. Me fazem perguntas sobre a Teologia da Libertação como teólogo da libertação e respondo fundamentalmente a partir do que penso e faço. Ainda não tive oportunidade de ler esse livro de Segundo e não posso entrar em detalhes.
Mas por que se defende teoricamente o direito de usar um instrumento que não serve?
Se você me pergunta por que defendo esse direito, eu responderia de imediato que não o defendo...
Não lhe pergunto porque o senhor não falou sobre isso e, além disso, porque agora diz que o considera inútil...
Sim, mas vamos com calma. Não creio que porque algo esteja desatualizado devemos parar de falar sobre isso. Na cultura contemporânea permanecem noções e estímulos que provêm de uma corrente de pensamento determinada. É certo que na Europa a posição em relação ao marxismo é muito mais crítica, mas isso não significa que o marxismo não exerça influência.
O padre Cálvez publicou em 1983 um extenso artigo em Etudes por ocasião do centenário da morte de Marx no qual faz um balanço dos aspectos negativos e positivos do marxismo. O padre Cálvez é conhecido por ser um bom conhecedor do marxismo e nunca foi acusado de ser marxista. Portanto, há elementos positivos que não apenas um latino-americano assinala.
Com Freud ocorre o mesmo. Há aspectos que estão desatualizados e outros que conservam certa atualidade. O mesmo ocorre com as ciências sociais.
O senhor diz que não é intenção da Teologia da Libertação utilizar a análise marxista em sua totalidade, mas elementos do marxismo que estão presentes nas ciências sociais. O argentino Scannone reconhece que fez um uso não servil de alguns elementos da tradição marxista (Marx, Gramsci, Althusser, etc.), mas expressa dúvidas sobre a "possibilidade real de separar a análise marxista da compreensão global (filosófica) do homem e da história que pressupõe".
Análise marxista, não certas noções da análise marxista. Estou perfeitamente de acordo com o padre Arrupe quando em sua carta assinala noções importantes e positivas do marxismo e acrescenta imediatamente depois que não se pode separar a análise marxista em sua totalidade da concepção filosófica própria do marxismo. Mas não se pode dizer que o uso de 2, 3, 4 noções marxistas seja equivalente ao uso da análise marxista como tal. Por outro lado, qualquer uso de uma ferramenta de pensamento para compreender uma realidade ou aprofundar uma ideia deve ser crítico. São as particularidades de um trabalho intelectual sério.
Em um recente congresso realizado no Brasil, que teve como tema "A teologia como prática popular", alguém citou o Iluminismo como referência obrigatória também para aqueles que se propõem a fazer teologia "a partir do povo". O senhor mesmo fez algumas vezes declarações desse tipo. Em que sentido podemos falar disso se aqui na América Latina as teses do Iluminismo estão radicalmente contrariadas pela realidade?
O Iluminismo é um momento extremamente importante no pensamento contemporâneo e creio que também o é para a Teologia da Libertação. Afinal de contas, creio que uma boa parte da teologia contemporânea é a tentativa de responder aos desafios do Iluminismo. No entanto, não creio que o desafio à Teologia da Libertação venha diretamente da mentalidade moderna iluminista, mas do que chamamos "a outra face da moeda", o outro lado da história, o que os pobres veem. Repito: grande parte da teologia contemporânea é uma tentativa de responder ao desafio do Iluminismo; a Teologia da Libertação é mais uma tentativa de responder a outra situação. O livro que acabei de publicar, "Falar de Deus", tem como subtítulo: "a partir do sofrimento do inocente". Parece-me que esta — que era a pergunta de Jó — é também a pergunta fundamental da Teologia da Libertação: como falar de Deus a partir do sofrimento do inocente?
Além disso, na América Latina, estamos em posição de ver o Iluminismo com menos ilusões, pois os pobres são o resultado — invertido — de muitas ideias do Iluminismo.
O “pobre” latino-americano, ao contrário do “pobre” pensado pelo Iluminismo, é um sujeito portador de cultura, com uma concepção própria do bem e do mal, um conjunto de valores e convicções enraizadas sobre a vida, o trabalho e a morte. Parece-me que, se uma reflexão leva adequadamente em conta esse ponto de partida diferente, também deve relativizar o uso das ferramentas de análise. A identidade do pobre latino-americano é definida por razões que são mais profundas do que as que podem ser exploradas pelas ciências sociais.
Concordo plenamente. É um ponto importante para nossa reflexão.
Mas, então, um trabalho para a libertação é tal se desenvolve esse ethos do pobre. No entanto, dessa perspectiva, o instrumento analítico se torna muito relativo...
No entanto, não se pode eliminar totalmente a necessidade de uma análise. Não se pode negar que as condições do pobre na América Latina são tais porque o sistema econômico mundial está organizado de certa forma. E, nesse nível, é necessária uma análise. Não se pode tirar todo o valor das ciências sociais. Também concordo em afirmar sua relatividade, mas isso não lhes tira sua função. Além disso, direi que hoje, depois de tantos anos, estou ainda mais consciente do que ontem sobre a relatividade das ciências sociais. Por outro lado, teria sido impossível há 15 ou 20 anos ter a clareza que temos hoje. Teríamos que ter sido muito mais brilhantes do que tentamos ser. Repito, no entanto, que as ciências sociais continuam sendo um instrumento necessário para conhecer certos aspectos da realidade. Às vezes nos acusam de querer fazer um uso "científico" de certas ferramentas de análise. Mas científico não significa apodítico; simplesmente significa crítico.
Não no marxismo. Num horizonte marxista, científico significa apodítico...
Estamos falando de ciências sociais.
Em seus escritos, assim como em seus discursos, repetem-se frequentemente ideias e imagens que expressam a dialética fundamental vida-morte. Eu até diria que essa é sua abordagem hermenêutica...
Sim, é assim.
É possível fazer teologia sem uma antropologia?
No entanto, a forma como o senhor dá a essa dialética é sempre histórico-cultural. Por que não uma forma antropológica? Vou ser mais específico. O senhor situa o conflito vida-morte dentro da forma da pobreza. Compreendo que estamos na América Latina e que esse é o drama. Mas por que não olhar e pensar essa dialética como uma realidade que define a estrutura antropológica do homem ainda mais e antes da conjuntura histórica? É uma carência ou uma censura antropológica? É certo que alguns dos teólogos da libertação tentaram esboçar uma antropologia da Teologia da Libertação. Mas é evidente que isso é algo forçado, que a antropologia não é constitutiva, fundante da Teologia da Libertação.
Direi desde já que há muitas coisas na Teologia da Libertação que ainda não foram suficientemente aprofundadas e trabalhadas. A que o senhor menciona é uma delas. No entanto, é preciso ter em mente que cada um de nós reflete a partir das urgências do seu próprio contexto. E para nós o problema é o da pobreza que significa a morte de muitas pessoas. Portanto, se o senhor aponta uma ausência de reflexão antropológica, não tenho dificuldade em reconhecê-la; se, ao contrário, acusa uma censura, respondo que não, que não há censura. A Teologia da Libertação nasce do contraste entre uma realidade injusta marcada por uma morte injusta e a necessidade de anunciar o Deus da vida...
Mas quando a morte é justa? Recentemente, na Colômbia, um chefe guerrilheiro que comanda cerca de 200 homens matou 164 pessoas porque suspeitava que eram infiltrados do exército...
Depende do que quer dizer. Também há alguns que morrem de velhice aos 100 anos e outros que morrem de fome aos 15. Os dominicanos do século XVI escreviam na Europa que na América Latina "as pessoas morrem antes do tempo". Essa frase continua sendo perfeitamente verdadeira no século XX. As pessoas morrem antes do tempo e por causas evitáveis.
Quando estava estudando na França, li uma biografia de um padre da Igreja, e o autor — um francês — ao final do livro diz: "ao final de sua vida, morreu". Naquele momento, pareceu-me uma ironia ao estilo francês, pois o que mais poderia acontecer ao final da vida senão morrer.
Mas quando voltei ao Peru, lembrei dessa frase e compreendi que fazia sentido, porque aqui a maioria das pessoas morre no início de sua vida, não no final. Não digo que não haja outras mortes injustas, mas esta, devido à pobreza, é a morte com a qual nos deparamos todos os dias. Na minha paróquia, todos os domingos tenho que anunciar o amor de Deus a pessoas que vivem como podem. Para nós, é um enorme desafio pastoral. E creio que uma teologia deve surgir dos problemas pastorais.
Mas como se pode fazer uma teologia sem uma antropologia?
Já disse que não tenho dificuldade em reconhecer que esse é um nível que deve ser aprofundado, mas sem exagerar sua ausência! Há uma antropologia na base da Teologia da Libertação. Implícita, mas também explícita. O tema da liberdade do homem é muito trabalhado em "Teologia da Libertação". No próprio "Beber de seu próprio poço" há uma parte bastante extensa sobre a noção de corpo, carne e espírito em São Paulo. E isso é antropologia.
Há uma ausência notória na Teologia da Libertação: um discurso sobre o "socialismo real". Por que os teólogos da libertação quase não mencionam o socialismo real em seus escritos? Não me lembro de ter lido nenhuma crítica séria e orgânica ao regime soviético e aos seus países satélites...
Há algumas pequenas menções em nossos escritos que posso citar, no entanto, não tenho dificuldade em reconhecer que é um ponto que deve ser trabalhado. Nos primórdios da Teologia da Libertação não havia a reflexão que hoje existe em torno do socialismo real.
Então, é uma ausência que pretendem preencher...
Sim, terá que se tornar um ponto de trabalho.
Também não se teve conhecimento de uma solidariedade efetiva dos teólogos da libertação com o "Solidarność". Por quê?
Os teólogos da libertação não são um grupo que produz declarações. De qualquer forma, entendo que alguns assinaram, junto com outros compatriotas que não são necessariamente teólogos, textos de solidariedade e condenação contra as violações de direitos humanos na Polônia. Em nossos países, as expressões de solidariedade com o "Solidarność" muitas vezes foram promovidas por pessoas que não demonstram a mesma sensibilidade diante da violação de direitos humanos em nossa própria realidade, e isso pode ter sido um motivo de dificuldade. Mas também neste ponto é preciso evitar cair em polêmicas mesquinhas. Não há dúvida de que é preciso saber estar presente onde a liberdade e os direitos humanos, especialmente o direito à vida, são violados por atitudes totalitárias, de qualquer sinal.
Há quase um ano, em março, durante a visita do Papa ao Peru, o senhor declarou a um jornal: "Para meu povo é uma festa estar com o Papa. E eu estou com meu povo e participo desta festa". Citei de memória, embora me pareça que essa foi exatamente a expressão. Mas restava a dúvida: seguir o Papa ou seguir o povo?
No que me diz respeito, não havia dúvida: as duas coisas, certamente. A resposta que dei naquela oportunidade referia-se ao sentido da pergunta que me fizeram. Tratava-se de mostrar aos jornalistas estrangeiros que não compreendem muito nossa psicologia, que o povo peruano tem um grande senso festivo, no sentido profundo do termo, e que essa dimensão festiva que nasce da fé expressava-se plenamente na acolhida ao Papa.
Na sua opinião, por que o pontificado de João Paulo II passará à história?
Não creio ter perspectiva histórica suficiente para afirmar categoricamente por quais pontos passará à história. O que posso dizer, de uma perspectiva latino-americana, é que a sensibilidade do Papa pelo mundo do trabalho e pelo mundo sem trabalho, pelo social e pela Igreja dos pobres, tem um peso muito importante na vida dos homens deste continente. E o mesmo ocorre com sua preocupação pela integridade da mensagem cristã. Essas dimensões do ensinamento de João Paulo II estão marcando profundamente as Igrejas da América Latina. Quando saiu a Laborem Exercens, escrevi um longo artigo sobre os aspectos teológicos da encíclica, porque acredito que um texto como este é de extrema importância para a América Latina. O mesmo que a preocupação do Papa pela integridade da mensagem cristã: ele a expressou no Peru com uma frase que se tornou famosa. Em Villa Salvador, improvisando, retomou as palavras do povo peruano e disse: "fome de Deus sim, fome de pão não...". Se será por isso que o Papa passará à história, realmente não posso dizer. Espero que sim.
Parece ser iminente a publicação de um segundo documento da Congregação para a Doutrina da Fé sobre a "Teologia da Libertação". É o que se deu a chamar de documento "positivo" que a própria "Instrução" de setembro de 1984 anunciava, acrescentando que desenvolveria o tema da liberdade cristã e da libertação. Em primeiro lugar, considera-o necessário?
Sem dúvida. A "Instrução" era, em certo sentido, um documento um tanto especial, que anunciava outro, positivo, sobre o mesmo tema que tratava.
Acredito que o conjunto dos dois documentos oferecerá uma posição mais clara, crítica e de estímulo desde uma perspectiva teológica.
Ao senhor pessoalmente, o que gostaria que fosse desenvolvido neste segundo texto?
O tema bíblico da libertação como caminho para a liberdade. Também é importante que se afirme que a razão última da preferência pelos pobres está no Deus que se revela em Jesus Cristo, e não apenas em tal ou qual situação histórica ou análise social, por mais importante que seja.
Também é importante que se aponte a urgência, para toda a Igreja, de um compromisso evangelizador (gestos e palavras) com todas as pessoas e especialmente com os pobres, explorados e insignificantes da história. Gostaria muito que o novo documento tivesse presente o testemunho daqueles que, em diferentes partes do mundo, deram sua vida para anunciar o Deus de Jesus Cristo.
Como é sua relação com Roma?
De amizade, com um bom número de pessoas. Mas talvez sua pergunta se refira a outra coisa. Direi que nunca recebi nenhuma carta de nenhum dicastério romano e não conheço o papel com timbre da Congregação para a Doutrina da Fé. Não digo que isso não possa acontecer, mas até agora as coisas são como digo.
Conhece pessoalmente o cardeal Ratzinger?
Durante o Concílio, não o conheci (Gustavo Gutiérrez participou como perito no Vaticano II). Naquele momento, para mim, ele era um teólogo como tantos outros. Parece-me importante esclarecer que formalmente não recebi nenhuma convocação. Se isso acontecer no futuro, sem dúvida não me ofenderei, acredito que o Magistério tem o dever de vigiar. Se acontecesse, certamente lamentaria, pois significa que as pessoas pensam que escrevi coisas que não estão claras ou que se interpretam mal. Mas lamentaria por mim mesmo, sem dúvida não me sentiria ofendido se um dia recebesse algo assim.
Recorda-se dos anos da revista "Víspera" e das pessoas que a dirigiam?
Muito bem. Conservo relações de amizade com muitos deles, apesar de termos pontos de vista diferentes sobre a América Latina e a Igreja na América Latina.
Parece-me que depois de Puebla já não houve muito diálogo e que, ao contrário, houve uma certa radicalização.
É verdade que não nos encontramos com frequência nos últimos anos. E creio que isso depende de duas coisas. Primeiro, pela falta de oportunidades concretas. Antes, o CELAM era um espaço que permitia o encontro de pessoas diversas; hoje, há alguns, como eu, que já não são convidados aos encontros do CELAM. Em segundo lugar, porque existem divergências na hora de julgar a realidade. Mas insisto em dizer, ao menos no que me diz respeito, que essas diferenças não significam uma ruptura da amizade. Creio que é preciso saber colocar certas relações humanas acima das diferenças de análises e teológicas. Se não continuássemos a ser amigos daqueles que não pensam exatamente como nós, acabaríamos em um manicômio.