17 Setembro 2024
"Precisamos recuperar a nossa capacidade de pensar racionalmente, ou melhor, pensar com argumentos razoáveis, seja na sociedade, seja na Igreja. No âmbito específico do cristianismo, penso que é muito importante repensarmos os fundamentos básicos da tradição cristã", escreve Jung Mo Sung, teólogo e cientista da religião.
Um dos grandes problemas da nossa civilização é a velocidade com que as coisas estão mudando, seja no campo da tecnologia, que modificou profundamente as relações sociais e trabalhistas, seja no campo dos valores morais, ou ainda nas questões familiares e nas relações de gênero e sexualidade.
Eu sou do tempo em que os meus pais escreviam cartas para os parentes da Coreia do Sul e esperavam uns meses para receber as respostas. Depois, eu com quase trinta anos, passando um semestre estudando em Costa Rica, tinha que economizar dinheiro para falar com a minha esposa e filha por chamadas internacionais. E uns anos atrás, eu usei WhatsApp na Coreia do Sul para falar com e ver a minha esposa gratuitamente, enquanto estava dando um curso para estudantes da África e do sudoeste asiático.
Junto com esses avanços tecnológicos que vão modificando o cotidiano e a forma do trabalho, vivemos também revoluções silenciosas no campo da moral familiar e sexual. As paradas que começaram como “parada do orgulho gay” e passaram a ser chamadas de “orgulho LGTBQ+” são sinais visíveis dessas transformações culturais. São mudanças rápidas demais para quase todas pessoas e grupos. E essas geram reações humanas e sociais.
Nos setores chamados conservadores, as pessoas tentam reconstruir o seu mundo com um mínimo de segurança e ordem. Elas apontam os culpados, especialmente os “gays” e comunistas, com discursos religiosos e autoritários. O discurso religioso lhes ajuda a ter um senso de ordem, por exemplo, a ordem moral “eterna” dada por Deus, e de autoridade. Pois ordem imutável pressupõe uma autoridade inquestionável, Deus e os seus representantes.
Em época de crise e insegurança, as pessoas não querem democracia, porque essa pressupõe diálogo com outros, incluindo inimigos, que gera confusão e insegurança. Por isso, a atração de um cristianismo autoritário, seja protestante, seja evangélico ou católico.
Por outro lado, os “progressistas” e os da esquerda, cristãos ou não, querem destruir o que a modernidade chamou de “progresso” ou romper com o mito de desenvolvimento social com novas relações econômico-sociais, novas concepções morais, sem clareza ou regra, e com a natureza. Contudo, como ainda não temos claro que horizonte utópico esse grupo está propondo, o que temos mais é a clareza de quem são os inimigos, mas não muito mais do que isso.
Em resumo, vivemos em uma época de uma luta de projetos de civilização conflitantes ou opostas em que não conseguimos ver com clareza os projetos ou caminhos, a não ser quem são os nossos inimigos. Razão pelo qual o sentimento de ódio e discursos irracionais perpassam os dois lados. Incluindo as lutas no interior das igrejas cristãs.
Precisamos recuperar a nossa capacidade de pensar racionalmente, ou melhor, pensar com argumentos razoáveis, seja na sociedade, seja na Igreja. No âmbito específico do cristianismo, creio ser importante repensarmos os fundamentos básicos da tradição cristã. Começando com a noção de “revelação” de Deus. Nos setores conservadores da Igreja Católica, os valores morais e familiares tradicionais são vistos como pilares da revelação, como a verdade absoluta a ser defendida, mesmo que isso leve à ruptura com o papa atual ou a vir. Nos setores do cristianismo de libertação ou da igreja dos pobres, temos também certos “dogmas” inquestionáveis em questões econômicas, sociais ou políticas no interior das suas lutas.
Não desejo discutir aqui esses detalhes, mas apontar que, em nome da reconstrução ou do fortalecimento do que no passado foi chamado de “cristianismo de libertação”, precisamos repensar alguns dos pontos fundamentais dessa teologia. Por isso, quero começar um diálogo sobre uma tese de Juan Luis Segundo, um dos principais teólogos da libertação: “A ‘revelação divina’ não é um depósito de informações corretas, mas sim um processo pedagógico verdadeiro” (O dogma que liberta).
Pessoas honestas, ou mais ou menos honestas com quem podemos dialogar, tanto conservadores quanto progressistas/libertadores, em sua maioria, justificam as suas práxis e posições em nome de teorias ou teologias “verdadeiras”, isto é, em nome de informações corretas. E o que Juan L. Segundo, e outros nessa direção, afirmam que a revelação tem a ver com processo pedagógico e não com informações verdadeiras.
Essa tese implica que, para repensarmos o futuro do cristianismo de libertação, precisamos começar a discutir a relação entre pedagogia e a teologia da libertação. Aqui a pedagogia não é somente para uma aplicação prática da teologia da libertação, mas sim para ser parte estruturante do fazer a teologia e o cristianismo de libertação.
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O cristianismo de libertação e a revelação como processo pedagógico. Artigo de Jung Mo Sung - Instituto Humanitas Unisinos - IHU