Em Londres, o julgamento da mineradora anglo-australiana BHP entra nesta terça-feira (22) em seu 2° dia, acusada de responsabilidade no rompimento da barragem de Fundão em 2015. Na segunda-feira, o tribunal ouviu que a BHP sabia, pelo menos três anos antes da tragédia, que a mineradora Vale estava despejando anualmente mais de um milhão de toneladas de rejeitos na barragem - dez vezes mais do que o aceito. Essa é a maior ação coletiva já realizada e representa 620 mil vítimas do desastre.
A reportagem é publicada por RFI, 22-10-2024.
Com o rompimento da barragem do Fundão, uma onda gigantesca de lama cheia de resíduos tóxicos submergiu um vale inteiro na cidade de Mariana, em Minas Gerais, em questão de minutos. O pesadelo vivido pelos moradores e pelas comunidades da região em 2015 perdura até hoje, com surtos de doenças. Pescadores e fazendeiros que não conseguem mais trabalhar na terra ou no rio.
O rompimento liberou 40 milhões de metros cúbicos de resíduos e lama tóxicos no Rio Doce, causando a morte de 19 pessoas, além do feto de uma das sobreviventes. O desastre também teve efeitos catastróficos e duradouros nas comunidades e empresas da região.
1,3 milhão de toneladas de rejeitos por ano
Segundo documento divulgado no primeiro dia do julgamento pelo escritório Pogust/Goodhead, que representa as vítimas do desastre ambiental, a BHP sabia, pelo menos três anos antes do colapso da barragem que a Vale estava despejando 1,3 milhão de toneladas de rejeitos de mineração na barragem anualmente desde 2009.
Isso aconteceu apesar de um contrato entre a Vale e a Samarco estipular que apenas 109.324 toneladas de rejeitos poderiam ser despejadas a cada ano, ou seja, cerca de 10 vezes menos resíduos.
A corte londrina ainda teria sido informada de que o conselho de administração da Samarco era “repleto de representantes da BHP e da Vale” e não contava com nenhum membro independente em sua diretoria executiva.
Drenagem insuficiente
“Até onde sabemos, foi assim que a BHP lidou com o despejo dos rejeitos da mina Alegriao pela Vale na barragem. Eles permitiram que isso acontecesse, pois era conveniente para os objetivos maiores de crescimento da Samarco de que a BHP desejava se beneficiar”, declarou o advogado das vítimas no tribunal. Ao ser ouvido no primeiro dia do processo, ele alegou ainda que a BHP aprovou planos para aumentar a altura da barragem, primeiro para 920 metros e depois para 940 metros, para acomodar o crescente volume de rejeitos despejados.
No entanto, os níveis na barragem continuaram a subir porque não havia drenagem suficiente para o volume de resíduos armazenados, o que teria levado ao seu eventual colapso.
A BHP nega a responsabilidade pelos fatos e afirma que a Samarco é a única responsável pela tragédia, de acordo com documentos judiciais.
Mais de 620.000 reclamantes
A empresa de mineração alega já ter gasto mais de € 7 bilhões em reconstrução, indenização e reparos, principalmente por meio de uma fundação criada com a aprovação das autoridades brasileiras. Tom Goodhead, o advogado que representa os mais de 620.000 reclamantes da causa coletiva, acredita que isso não é suficiente. Um número muito grande de vítimas nesse caso recebeu cerca de £200 [cerca de R$ 1.478, na cotação atual] de indenização”, lamenta. "Esse lamentável fiasco por parte da BHP, do governo brasileiro e de seu judiciário é a principal razão pela qual esse caso está aqui hoje: para garantir uma indenização justa e adequada às vítimas,”, afirmou Goodhead.
Foram necessários seis anos de batalha legal para obter o julgamento no tribunal de Londres, previsto para durar meses. Se a BHP for considerada responsável, uma nova audiência será realizada para determinar o valor da indenização, o que só deve ocorrer daqui a dois anos. A empresa de mineração australiana denuncia esse procedimento, que acredita interferir no processo de indenização em andamento no Brasil.
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