19 Outubro 2024
Evangelizar não se reduz a algo metafísico, o importante é como fazê-lo, e a resposta é com palavras e gestos, tocando a carne sofredora de Cristo no povo, lavando os pés. Inspirada pelas palavras do Papa Francisco, a secretária da Pontifícia Comissão para a América Latina, Emilce Cuda, iniciou sua intervenção na Tenda da Sinodalidade, onde ela e Alessandro Galassi abordaram a questão da Sinodalidade e dos Movimentos Populares.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
A teóloga argentina mostrou seu desejo de fortalecer a sinodalidade, em vista de uma mudança na Igreja, uma conversão estrutural, algo que responda ao fato de que a Igreja é uma reforma permanente, que deve levar a pregar o Evangelho de forma sinodal, tocando a carne sofredora de Cristo no povo. O importante é fazer coisas concretas, o que pode ser feito pelo caminho longo, o caminho de Francisco, iniciando processos, algo que exige colaboração e paciência, porque não sabemos se veremos os resultados, com a fé de que outros continuarão o caminho, mesmo que seja longo. Em contrapartida, há o caminho curto, os atalhos, aqueles que nos pedem mudanças imediatas, mas que talvez não sejam possíveis agora, pois têm a ver com estruturas.
Passando do mundo católico para o mundo secular, Cuda se referiu à solidariedade, que ela definiu como “uma forma concreta de dizer sinodalidade”. Referindo-se ao tema proposto, ela afirmou que o que hoje é chamado de movimentos populares é conhecido como comunidade organizada há mais de 100 anos. A partir disso, deduziu que “ser sinodal é uma maneira de pregar o Evangelho de forma organizada, de forma comunitária”. Algo que vai além do que Francisco chama de “individualismo comunitário”, que encerra as demandas sociais em suas próprias comunidades, lutando por suas próprias identidades, sem a capacidade de estabelecer laços de solidariedade.
O desafio é que todo um país, todo um continente, seja uma comunidade organizada, o que se consegue quando há solidariedade entre as demandas, quando há solidariedade e caminhamos juntos, acompanhando as demandas dos outros, de forma colaborativa e intergeracional, em rede, em diálogo, sentindo a necessidade do outro e tornando nosso o sonho do outro. Diante disso, o caminho mais curto é cada um seguir com sua própria demanda, narrativa, anseio, sem cair no desespero e na angústia de não ver resultados imediatos em minha própria vida. De fato, a semente não vê a planta, mas confia que ela se tornará uma planta.
Emilce Cuda pediu a todas as comunidades organizadas que pensem em suas necessidades e sonhos sendo reconhecidos pelos Estados como direitos. Segundo ela, a solidariedade não pode ser algo individual. Por isso, o que vivemos nesse Sínodo “temos que valorizá-lo”, continuar trabalhando nessa sinodalidade, citando várias organizações latino-americanas nesse sentido, como CEAMA, CELAM, REPAM, REMAM, REGCHAG, Rede Clamor, que mostram a riqueza da capacidade de organização da América Latina, de resiliência, de recomeçar sempre, de sonhar. Um continente jovem que luta pela vida, que quer construir pontes com outros continentes, algo que a Santa Sé promoveu por meio da Comissão para a América Latina.
Uma experiência de sinodalidade que Alessandro Galassi começou a viver com o Sínodo para a Amazônia, e que foi descobrindo ao conhecer vários movimentos populares na América Latina, um continente para o qual a Europa deve olhar com muita atenção para aprender com os processos e como evoluíram esses movimentos populares. Em suas palavras, ele contou o que tem visto no Brasil, na luta pela defesa da água. Nessa perspectiva, o documentarista italiano vê a sinodalidade como a capacidade de estar junto e de levar adiante um processo, que ele vivência em seu trabalho.
Galassi vê a esperança como um antídoto para o medo, para o desejo contemporâneo de viver. Como contraponto, ele define a esperança como o recebimento da mística, algo que vai além do otimismo, uma esperança que se combina com a coragem, exigindo dos europeus a coragem de olhar para a América Latina como um modelo para uma mudança de paradigma, que leva, diante de um Estado, à organização a partir de baixo. De fato, Galassi afirmou que os movimentos populares na Itália e na Europa de hoje precisam de uma mudança de rumo. Ele também refletiu sobre a migração e a mudança climática como algo que a causa, vendo no Papa Francisco o único líder capaz de encontrar uma chave para ler a realidade atual. Olhando para o futuro, ele enfatizou a importância dos espaços de ação, citando alguns exemplos, que ele vê como uma ponte para uma mudança de paradigma. Para isso, ele considerou a escuta como fundamental.
Para escolher entre o caminho longo e o curto, Emilce Cuda vê a necessidade de exercitar o discernimento. A teóloga falou sobre a realidade das periferias na América Latina, sobre a necessidade de descentralizar o Evangelho, de explicar em linguagem compreensível, especialmente aos jovens das periferias, o que é sinodalidade e solidariedade, para que eles entendam que “ou se unem ou morrem”, algo que muitas vezes são forçados a fazer pela realidade social, Ela deu vários exemplos de solidariedade com e entre os pobres na América Latina, onde “as pessoas têm misericórdia, têm compaixão, mesmo que estejam com raiva, mesmo que ouçam outras histórias”, porque “a América Latina ainda não perdeu a capacidade de sentir o sofrimento dos outros em seus corações”, o que se traduz em solidariedade organizada.
Para Cuda, as virtudes teológicas são uma condição para pregar o Evangelho concretamente, já que a fé em Deus se traduz horizontalmente em confiança, que por sua vez é uma condição para a política. Contra isso há o medo, como aponta Fratelli tutti, onde o Papa adverte contra aqueles que aparecem com seu falso misticismo de salvação comunitária, que acontece quando estamos isolados, o que mostra a necessidade de fazer comunidade. Junto com isso, é necessário traduzir o amor de Deus no campo horizontal, na justiça social. E igualmente uma esperança no horizontal, na ação comunitária, em “uma âncora que devemos jogar para longe e segurar e puxar para poder chegar ao território onde colocamos nossa esperança”, como diz o Papa.
De fato, “o que move os povos e os indivíduos não é a necessidade, é a esperança”. É por isso que em Querida Amazônia o Papa não fala de quatro necessidades, mas de quatro sonhos. Para chegar até nós, não devemos ter medo, devemos aprender a nos comunicar, a contar histórias, sempre superando o medo, mesmo nas periferias, onde as alternativas são muitas vezes desconhecidas. Trata-se de construir pontes a partir de temas, iniciativas e sonhos comuns, da confiança mútua, do diálogo, da busca de exemplos de sinodalidade concreta, de comunidades organizadas, do Evangelho e do Magistério Social da Igreja, “que é o grande monumento que o catolicismo traz para a modernidade”. São histórias que as pessoas teceram, escritas no caso da Teologia de forma transdisciplinar, usando outra linguagem com a qual podemos alcançar mais pessoas.
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Emilce Cuda: “América Latina ainda não perdeu a capacidade de sentir o sofrimento dos outros” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU