17 Outubro 2024
Passei minha infância e parte da juventude em Estrela, uma cidade conservadora, onde não era incomum ouvir pessoas, em conversas, dizerem que não queriam saber nada de política porque “é coisa suja”. Também ouvi o mesmo discurso de crentes evangélicos, que, na época, sequer assistiam televisão, porque era coisa do capeta, e as mulheres usavam saia ou vestido e o cabelo solto até a cintura.
O artigo é de Edelberto Behs, jornalista.
Há questão de 30, 40 anos, setores evangélicos olhavam com inveja a influência da Igreja Católica na sociedade brasileira. A voz de bispos repercutia forte na nação quando tomavam posicionamento seja no âmbito religioso, social, político ou econômico.
Desde então, essa parcela evangélica fundamentalista desenhou um projeto político, não explícito, mas que começou a se consolidar com a presença de pastores nos meios de comunicação, também na aquisição de redes de rádio e de televisão. Assistir TV deixou de ser pecado!
O mote era “precisamos santificar a nação” tornando-a evangélica para a salvação do país, seja das garras do capeta, do comunismo, da corrupção, da falta de fé e, mais tarde, do aborto e do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Descobriram passagens bíblicas, como a do profeta Jeremias 29,7 – “trabalhem pelo bem da cidade” – e, olhando pelas frestas do Brasil, viram que tinham um lugar na política.
Mas aquilo que os afastava da política – “a sujeira” – grudou em algumas lideranças na “santificação da nação” quando galgaram o poder, seja no Executivo, seja no Legislativo. Ou já caiu no esquecimento o “gabinete paralelo” no Ministério da Educação, liderado pelo ministro (em dois sentidos, no político e religioso, pois é pastor presbiteriano) Milton Ribeiro, no governo Bolsonaro? A negociata com Bíblias? Para ficar em mais outro caso, tem a participação do reverendo Amilton Gomes de Paula, presidente da Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah) e intermediário na venda de 400 milhões de doses da vacina Astrazenica ao Ministério da Saúde! Uma negociata, em pleno período de pandemia da Covid, desmascarada por funcionário do Ministério. Que foi abortada.
O resultado da “santificação” ficou estampada em jornais, nas telas de TV, nas ondas do rádio, nas redes sociais. Evangélicos pentecostais e neopentecostais encontraram no presidente camaleão Jair Messias Bolsonaro, que se diz católico, mas se deixa batizar por pastor evangélico no Rio Jordão, uma porta para alcançarem o poder. E se lambuzaram!
“Crentes” evangélicos passaram a dar mais razão ainda aos que alegam que “política é sujeira”. Embora não tenha explorado essa vertente religiosa, mas enquanto candidaturas como a de Pablo Marçal, já alcunhado de Pablo Lamaçal, na maior cidade brasileira, chegarem à disputa eleitoral, usando de todos as artimanhas, lícitas e ilícitas, a política será entendida como “sujeira”. Até no país do “Deus, pátria e família”.
Cabe às autoridades dos Tribunais Regionais e Superior Eleitoral maior proatividade. Admitir que Marçal chame Boulos de “cheirador de açúcar” e até apresentar um falso laudo médico atestando isso, só pode ser debitado às lamentáveis omissões ou demora nas demandas judiciais. Os TREs não foram provocados?
Os exemplos não são de hoje. Em campanha eleitoral em Rio Branco, no Acre, o candidato Jair Messias Bolsonaro pegou um tripé de câmera de televisão e, imitando uma metralhadora, disse que fuzilaria a petralhada do Estado. Ora, um candidato à presidência da República ter como meta de governo “metralhar” os oponentes políticos é fora de qualquer propósito digno de um governante.
“Fenômenos” (negativos) como o de Pablo Marçal podem ser um dos motivos pela elevada abstenção constatada, de um modo geral, no pleito passado? Ainda assim, é surpreendente um candidato desse baixo calibre conquistar 1,7 milhão de votos dos paulistanos!
Os TREs e o TSE devem tratar de varrer a antessala dos pleitos para tirar a “sujeira” da sala! Caso contrário, a mentira, a desinformação e a sem-vergonhice serão as bússolas na política, o que seria uma lástima.
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Tirem o bode da sala. Artigo de Edelberto Behs - Instituto Humanitas Unisinos - IHU