09 Outubro 2024
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
O arcebispo de Porto Alegre e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do Conselho Episcopal Latino-Americano e do Caribe (CELAM) foi um dos participantes da coletiva de imprensa do dia 8 de outubro. Ele manifestou a sua surpresa pela nomeação para cardeal, que receberá no dia 8 de dezembro no Vaticano, e recordou um dos princípios da sua vida: “nunca diga não ao que a Igreja me pede”. Agradeceu também ao Papa Francisco pela confiança depositada nele.
Ao se referir à sinodalidade na América Latina e no Caribe, Spengler destacou que “hoje, a questão da autoridade na sociedade e no mundo é uma questão decisiva”, afirmando que “vivemos um momento de crise para as democracias e junto com”. É “uma crise das instituições de mediação na sociedade, tanto em nível internacional como global, e também em nível continental”. Neste sentido, o arcebispo apelou a recordar as palavras de Paulo VI: “Hoje o ser humano escuta com muito mais atenção as testemunhas do que os professores, e se ouve os professores é porque são testemunhas”. Nesta perspectiva, sublinhou que “a autoridade não provém do poder sociológico, mas do testemunho ético, moral e religioso”.
Sobre o Rito Amazônico, possibilidade em discussão, o presidente da CNBB referiu-se à realidade de muitas comunidades da Amazônia, onde a celebração eucarística acontece uma vez por ano, ou até menos. O Rito Amazônico está sendo estudado pela Conferência Eclesial da Amazônia (CEAMA), destacou. Disse que o Rito Romano “deve ser inculturado nas diferentes realidades”, o que requer uma sensibilidade especial. Recordando a diversidade de povos, culturas e línguas, o futuro cardeal falou da importância de um rito para a região, dando como exemplo a Eucaristia celebrada na Assembleia do CEAMA em 2023, na qual os indígenas serviram no altar em diversas funções. Ele destacou a dignidade, a reverência, a maneira e o cuidado com que os indígenas realizavam o que fazia parte do rito, “com uma dignidade que às vezes não sentimos nem testemunhamos em nossas celebrações, por mais solenes que sejam”.
A Assembleia Sinodal está abordando a questão das relações, e, nesta perspectiva, o presidente da CNBB, dada a realidade climática que se vive no Brasil e em outros lugares do planeta, disse que o grupo do qual participa tocou neste aspecto, visto que o Instrumentum laboris fala da relação horizontal e vertical, transcendente, "mas talvez tenha faltado a relação com o meio ambiente, com a casa comum, aspecto que precisamos ter em mente nas discussões destes dias". Ele falou da dramática situação que vive o Brasil, com incêndios e secas na Amazônia, e de sua conversa com o cardeal-arcebispo de Manaus, Dom Leonardo Steiner, na qual o informou que não tem podido visitar algumas comunidades cuja única acesso são os rios, agora secos.
Diante disso, Jaime Spengler enfatizou: “o mundo, a natureza, está pedindo ajuda, e somos chamados a cuidar da natureza, não porque possamos perecer por falta de cuidado com o meio ambiente, com os resíduos que produzimos, com as transformações que estamos testemunhando”. Considerando isto muito importante, sublinhou que “o cuidado que somos chamados a desenvolver com o ambiente tem um grau de dignidade ainda maior, este ambiente, esta vida, este planeta, não é fruto do trabalho humano, é divino. E por isso todo cuidado, toda promoção é necessária”.
O presidente da CNBB enfatizou a pergunta do Papa Francisco: “Que mundo queremos deixar aos nossos filhos, aos nossos netos, aos que virão depois de nós?” Insistiu que “o futuro está nas mãos de Deus”, mas também que a nova forma de viver “depende das nossas escolhas, das nossas decisões, das nossas opções”, o que exige a corresponsabilidade evangélica com efeitos na sociedade e no futuro melhor na vida daqueles que virão depois de nós.
Quanto à missão na Igreja, tema da Segunda Sessão da Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos, o presidente da CNBB destacou o papel da evangelização do Brasil e da América Latina desempenhado por aqueles que chegaram de outras regiões, afirmando que “se hoje têm uma vigorosa tradição cristã, devemos isso aos imigrantes”, mesmo face às muitas dificuldades que sofreram, que superaram com “determinação, coragem e sobretudo fé, que lhes deu força para construir uma sociedade da qual hoje somos participantes”. Ele também destacou a importância da Iniciação à Vida Cristã, tema discutido no Sínodo.
Spengler acredita que o grande desafio da Igreja é alcançar as pessoas com fé. Afirmando que o caminho não está claro, disse que este é o trabalho do Sínodo, colocando como caminhos o diálogo, a escuta, a sensibilidade às diferentes realidades, procurando “pontos de convergência face ao desafio de transmitir a fé hoje às novas gerações”, algo que exige abertura de coração e capacidade intelectual e espiritual dos participantes da assembleia. Falando da Conferência Episcopal Brasileira, com mais de 450 bispos e uma grande assembleia geral, que chegou a definir quase como um Sínodo, vê estes encontros como um Pentecostes, em que pessoas de diferentes culturas e línguas conseguem chegar a pontos de convergência para responder à atual realidade política, social e eclesial.
O arcebispo de Porto Alegre referiu-se à tragédia vivida no Rio Grande do Sul em maio, com cidades completamente devastadas, o que exige construir de outra forma. Ele destacou a onda de solidariedade nunca vista no Brasil, que deve entrar para a história, sem esquecer que também apareceram as piores atitudes. Falou da catolicidade da Igreja, que tem a ver com “a generosidade e a magnanimidade de Deus, capaz de dialogar com todas as diferenças, culturas, realidades e povos”. Vê na diversidade do Colégio Cardinalício uma “expressão desta forma característica de ser católico”, destacando a preocupação do Papa Francisco pelas diferentes realidades, manifestada na universalidade deste colégio, “somos tão diferentes, mas há algo que nos une, e é aí que reside a beleza, a grandeza e a dignidade da própria escola”.
Dada a possibilidade de ordenar homens casados e de o CELAM abordar o assunto, o presidente disse que, embora seja um assunto delicado, “é uma questão de disciplina eclesiástica, não uma questão teológica”. Ele contou a experiência de um bispo da Amazônia que, depois de criar uma prelazia, só tinha um padre para uma Igreja local de enorme dimensão. Perante isto, disse que “é uma realidade que deve ser analisada”, referindo-se à possibilidade de homens casados exercerem o ministério ordenado no grau de sacerdotes, algo que disse não saber se seria a melhor solução.
O presidente do CELAM solicitou uma parresia para tratar deste assunto, afirmando a possibilidade desta ordenação de homens casados para uma comunidade específica. “Isso exigiria de todos nós a parresia, a capacidade de abrir o coração, é uma questão em que temos que avançar”, embora tenha reconhecido que o caminho não é claro. Ainda assim, "podemos e devemos abordar esta questão com coragem", tendo em conta os aspectos teológicos e bíblicos da Tradição da Igreja, mas também atentos aos sinais dos tempos, algo que os apóstolos fizeram em busca de respostas para necessidades diferentes.
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“Talvez faltou ao Instrumentum Laboris uma relação com o meio ambiente, com a nossa casa comum”. Entrevista com Jaime Spengler - Instituto Humanitas Unisinos - IHU