02 Outubro 2024
De arauto da pátria a ícone da paz e da criação: assim em dois séculos mudou sua percepção.
A reportagem é de Giacomo Gambassi, publicada por Avvenire, 01-10-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Arauto da pátria. Testemunha da paz. Defensor da criação. Santo do Concílio Vaticano II. Estrela do cinema e da TV. Ícone da música, da web e do planeta comics. Nos últimos dois séculos, Francisco de Assis assumiu “faces” e dimensões nas quais sua riqueza espiritual, seu radicalismo evangélico e sua profecia revolucionária se entrelaçaram com os acontecimentos do mundo.
E, entre os séculos XIX e XX, ele se tornou um santo “pop”, ou seja, um santo popular, que transcendeu as fronteiras eclesiais até resultar numa apropriação política, social e até mesmo comunicativa de sua imagem. “São Francisco exerceu uma enorme influência na vida da Igreja e das nações. Por isso, é necessário analisar a ‘história, a memória e o uso político’ do santo de Assis ao longo do tempo. São temas ligados à religiosidade de tantas pessoas que veem no santo uma referência, mas também à identidade dos povos e às complexas relações entre religião, política e identidade”, explica o historiador e reitor da Universidade para Estrangeiros de Perugia, Valerio De Cesaris. É o que acontecerá durante três dias na capital da Úmbria, com a conferência “Pensar Francisco”, promovida pela Universidade para Estrangeiros, juntamente com o Departamento de Ciências Políticas da Universidade de Perugia e o Centro Universitário Católico (CUC) da Conferência Episcopal Italiana.
Um evento proposto em vista do oitavo centenário da morte de Francisco, que ocorrerá em 2026. O evento começa hoje à tarde. Trarão suas saudações, entre outros, o arcebispo Giuseppe Baturi, secretário geral da CEI; o cardeal Gualtiero Bassetti, ex-presidente da CEI; o arcebispo de Perugia-Città della Pieve, Ivan Maffeis; o arcebispo de Lucca, Paolo Giulietti, presidente da associação “St. Francis’ Ways”; e o presidente do Comitê Nacional para o oitavo centenário franciscano, Davide Rondoni. A definição de Francisco como “o mais italiano dos santos” continua sendo celebrada. “Devemos isso a Vincenzo Gioberti”, explica o Reitor De Cesaris, ”mas depois foi retomada por muitos, inclusive Pio XII. O objetivo era exaltar as virtudes da caridade e da criatividade do santo que, de acordo com essa interpretação, havia levado aos mais altos níveis algumas qualidades difundidas entre o povo italiano. Mas a expressão depois foi instrumentalizada durante o fascismo para fazer do santo um campeão da italianidade, entendida como exercício de ousadia. Uma personalidade famosa que era exaltada em um tom nacionalista.
Na realidade, deveríamos dizer que Francisco é um santo universal, aberto ao encontro com o outro”. O “bobo de Deus” entrou na era contemporânea com “as grandes biografias, em particular a Vida de São Francisco de Assis escrita por Paul Sabatier, que despertou o interesse por essa grande figura, contribuindo para tornar Assis uma meta de peregrinação”, esclarece De Cesaris. E acrescenta: “Eu diria que o interesse era acima de tudo espiritual, ligado à capacidade de Francisco de viver o Evangelho sine glossa e com alegria. Esses são aspectos que ainda hoje o tornam atraente: Francisco como homem que realmente soube viver a imitação de Cristo”. Depois, em 1939, houve a proclamação do Poverello como padroeiro da Itália, juntamente com Santa Catarina de Siena, o que deve ser considerado “de alguma forma também como uma tentativa de reconciliação entre a Igreja e o governo italiano, após o duro confronto entre Pio XI e Mussolini nos últimos meses de vida do Papa Ratti”.
Quadro "Stigmatization of St Francis" de Giotto di Bondone (Foto: Wikimedia Commons)
Hoje, o santo da Úmbria lembra a urgência da fraternidade e o compromisso com o meio ambiente. “Questões”, afirma o reitor, ”que são sentidas com maior urgência do que no passado, também no mundo católico. Enquanto os governos sentem dificuldade para falar de paz e um preocupante belicismo está se espalhando nas relações internacionais, as pessoas estão sentindo a exigência de paz. Portanto, é necessário dar profundidade cultural, espiritual e histórica ao grito de paz de tantos. E São Francisco é uma bússola. Não apenas por sua capacidade de dialogar com o sultão do Egito, a fim de evitar um novo confronto entre o cristianismo e o islamismo, mas também por sua capacidade de domar o lobo de Gubbio, ou seja, o homem violento.
Além disso, a relação do santo com a criação é realmente incrível. Francisco é o precursor de uma consciência que em sua época não poderia estar difundida: se não respeitarmos a casa comum, levaremos o planeta ao desastre. Parece que o Assisense tivesse entendido isso há oitocentos anos”. Os dias de estudo estão ligados a um projeto de pesquisa compartilhado pelos curadores com a CEI, por meio do qual quatro jovens pesquisadores, beneficiários de bolsas do Cuc, estão aprofundando a memória do santo em época contemporânea.
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Francisco, santo que questiona a sociedade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU