27 Janeiro 2015
André Vauchez, especialista em história da santidade medieval, afirma que, no seu campo, trata-se da descoberta mais importante do último século. E não há dúvidas disso. A notícia foi dada no dia 22 pelo jornal Le Monde, em um amplo artigo de Catherine Vincent. O titular da pesquisa é o medievalista Jacques Dalarun, autor de inúmeros livros sobre São Francisco e sobre Santa Clara, uma autoridade no campo dos estudos franciscanos. A ele deve-se a descoberta de uma vida inédita do Pobrezinho de Assis.
A reportagem é de Paolo Di Stefano, publicada no jornal Corriere della Sera, 25-01-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A descoberta reabre a "questão franciscana" e, portanto, nos obriga a dar um passo atrás para refazer uma história bastante acidentada que nos leva de volta às antigas divergências na ordem dos Menores, entre "conventuais" e "espirituais", das quais surge uma multiplicação de biografias do fundador, todas "politicamente" orientadas para restituir uma imagem tendenciosa do santo e da Ordem.
Em 1260 (Francisco tinha morrido em 1226), o Capítulo Geral confiou a São Boaventura a tarefa pacificadora de escrever uma vida oficial do santo: a Legenda de Boaventura, que iria se revelar contraditória e cheia de fantasias, seria aprovada em 1263 com o compromisso de destruir as vidas não oficiais para pôr fim às polêmicas.
O auto da fé, infelizmente, foi cuidadosamente executado, pondo em turbulência os futuros estudiosos de fontes franciscanas. Mas, em 1768, foi encontrada uma Vita Prima de Francisco, composta em 1228, a pedido do Papa Gregório IX, pelo franciscano e fino escritor Tomás de Celano (1220?-1265), que tinha conhecido o fundador da Ordem.
A obra de Tomás, no entanto, tendia a exaltar a figura do poderosíssimo frei Elias, ministro geral da Ordem. A decepção de muitos seguidores impôs que o sucessor de Elias, Crescenzio de Jesi, confiasse em 1244 ao próprio Tomás uma Vita Secunda (encontrada em 1806), com a colaboração de três freis companheiros de Francisco. Surgiu daí uma biografia incerta e pouco confiável, tanto nas lacunas quanto nas interpolações. A decisão de expurgar os milagres teria forçado Tomás a remediar, em 1253, com um Tratado dos Milagres.
Agora, Dalarun encontrou uma redação intermediária entre a primeira e segunda Vita. Trata-se de uma pesquisa que iniciou em 2007, quando Dalarun publicou, atribuindo-a a Tomás e datando-a entre 1237 e 1239, uma Legenda da Úmbria que relatava os últimos dois anos da vida do santo, ou seja, a partir do episódio dos estigmas no Verna.
A suspeita era de que se tratasse de um fragmento de uma vida mais ampla, até agora desconhecida. De fato. Em setembro passado, o estudioso recebeu um e-mail de um frei de Vermont, Sean Field [na verdade, ele é leigo casado, n.d.t.], que lhe sinalizou o iminente leilão de um manuscrito no site de uma prestigiosa galeria de Nova York, a Les Enlumineurs.
O códice, detido por uma coleção continental privada, contém uma Vida de São Francisco que inclui a Legenda umbra. O prólogo encontra-se online. Ao decifrá-lo, Dalarun descobriu que o autor declarou ter escrito a Vita Prima: portanto, trata-se nada menos do que de Tomás de Celano, que especifica que quem lhe contou tudo foi o famigerado Elias.
Tomás acrescenta, além disso, que, como alguns lamentam que a Vita Prima é longa demais, ele foi convidado a compendiá-la: e eis o resultado, uma Vita intermediária entre a primeira e a segunda.
Nesse ponto, Dalarun se voltou para a diretora do departamento de manuscritos da Biblioteca Nacional da França, que capta a importância da descoberta e, por 60 mil euros, compra aquela que se tornará a verdadeira Vita Secunda.
O livreto, de 120x82 milímetros, contém diversas outras obras, incluindo uma série de sermões, as Admoestações de São Francisco e um comentário do Pai Nosso. A origem italiana (provavelmente um convento franciscano da Itália central) dessa espécie de "biblioteca de bolso" está fora de questão, segundo Dalarun, e a sua compilação coloca-se na década 1230. Uma equipe de estudiosos está trabalhando. Dentro de alguns anos, saberemos mais.
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O São Francisco reencontrado: uma ''Vida'' para dissipar os mistérios de Assis - Instituto Humanitas Unisinos - IHU