18 Setembro 2024
"A Igreja era menos clara, mas está mudando. O ensinamento católico aumentou gradualmente suas objeções ao longo das décadas até que, finalmente, sob o Papa Francisco, condenou de forma inequívoca até mesmo a posse de armas nucleares", explica o editorial do National Catholic Reporter, 17-09-2024.
Não podemos mais negar ou ignorar a situação perigosa que criamos para nós mesmos. Precisamos começar a falar disso uns com os outros, todos nós, e encontrar passos concretos para abolir as armas nucleares e acabar com a ameaça nuclear — Dom John Wester
Dom John Wester escreveu essas palavras em janeiro de 2022, um apelo inquietante com certa ressonância bíblica, vindo de um lugar que não tem grande destaque no cenário eclesial. Foi apropriado, então, que um passo significativo para engajar uma conversa pública tenha ocorrido recentemente na University of New Mexico, onde ativistas e líderes religiosos, incluindo Wester e o cardeal Robert McElroy, de San Diego, ousaram enfrentar o impensável.
O Novo México, como o local onde a ameaça nuclear nasceu e onde continua crescendo para dimensões inimagináveis, está no centro de uma ameaça mundial existencial que impõe uma questão moral angustiante tanto para a Igreja quanto para o estado. Em cada um desses âmbitos, somos forçados a perguntar, à medida que desenvolvemos os meios para destruir o mundo: Quem somos nós?
O governo é claro quanto à sua direção e como nos definimos. Apesar da história de centenas de milhares de mortes civis horrendas causadas pelos primeiros usos de armas nucleares em Hiroshima e Nagasaki, no Japão, continuamos inabaláveis em nossa busca por desenvolver e aperfeiçoar armas infinitamente mais destrutivas do que aqueles exemplos primitivos.
A Igreja era menos clara, mas está mudando. O ensino católico aumentou gradualmente suas objeções ao longo das décadas até que, finalmente, sob o Papa Francisco, condenou de forma inequívoca até mesmo a posse de armas nucleares.
Em outras áreas sensíveis da vida na comunidade católica, tal clareza poderia causar alertas em escritórios episcopais em todo lugar. Mas, sobre este tema, o ensinamento permanece em grande parte intocado, certamente não mencionado nos púlpitos. O silêncio, dado o tempo, os recursos financeiros e humanos dedicados ao contínuo desenvolvimento de armas nucleares, tem sido ensurdecedor.
Isso equivale a uma cumplicidade assustadora da maior comunidade cristã da nação em uma indústria de megamorte. Esses termos duros não pretendem minimizar a complexidade de reduzir a importância — e a dependência — dos instrumentos de guerra que a cultura passou a ver como essenciais para a segurança. Mas as consequências de qualquer uso dessas armas são, sem qualificação, catastróficas e potencialmente capazes de acabar com o mundo.
Dada essa realidade indiscutível, uma conversa parece o mínimo a se pedir. O evento recente no Novo México, embora limitado em escopo, é uma evidência de que o tipo de discussão imaginada por Wester é possível. Foi encorajador por vários motivos.
Primeiro, conseguiu evitar as turbulências políticas e reunir pessoas sérias — ativistas e líderes religiosos com pontos de vista diferentes — para uma discussão séria. O evento também foi resultado de discussões anteriores realizadas longe do olhar público e patrocinadas pelo Instituto de Estudos Católicos Avançados da Universidade do Sul da Califórnia, a Cátedra de Estudos Católicos Romanos da Universidade do Novo México e o Programa de Estudos Religiosos da Universidade do Novo México. Essa questão de vida ou morte global deveria estar no topo da lista para pensadores religiosos.
McElroy, que participou dessas discussões privadas, destacou no fórum a mudança no ensinamento papal sobre armas nucleares, de uma tolerância anterior para a dissuasão no caminho para o desarmamento, até a declaração de Francisco de que a posse de armas nucleares é "firmemente condenada".
Agir com base nesse ensinamento, especialmente para os católicos americanos, exigiria um novo tipo e grau radical de identidade católica. Exigiria um confronto com presunções culturais e dogmas políticos, sobre os quais há provavelmente um consenso mais amplo na sociedade hoje do que sobre muitos princípios constitucionais. Exigiria uma imaginação religiosa e espiritual capaz de vislumbrar uma alternativa às armas como segurança, além de uma convicção capaz de enfrentar a enormidade do complexo militar-industrial de hoje.
No clima atual de uma eleição contenciosa, é claro que qualquer tentativa de elevar algo tão complexo quanto a questão nuclear vai enfrentar ventos contrários de ansiedades partidárias e das ameaças contínuas à própria democracia.
E, no entanto, os números são inescapáveis: de acordo com o Escritório de Orçamento do Congresso, nas últimas projeções orçamentárias, o Departamento de Defesa e o Departamento de Energia planejam gastar US$ 756 bilhões no período de 2023-30 com forças nucleares.
"Cerca de dois terços desses custos seriam incorridos pelo Departamento de Defesa, principalmente para submarinos de mísseis balísticos e mísseis balísticos intercontinentais. Os custos do Departamento de Energia seriam, principalmente, para laboratórios de armas nucleares e atividades de apoio", segundo o relatório.
De acordo com a União dos Cientistas Preocupados, "o momento é propício para que os Estados Unidos reavaliem sua forma de fazer as coisas. O status quo não nos aproxima de uma maior segurança e desvia anualmente bilhões de dólares dos contribuintes de causas mais urgentes, como educação, saúde e mitigação das mudanças climáticas, o risco mais difundido que ameaça a humanidade e o meio ambiente hoje".
Em outro relatório, a organização descreveu o momento como "grave", dado o deterioramento das relações entre a Rússia e os Estados Unidos, a invasão russa da Ucrânia e o prazo iminente para a extensão do Tratado New START, que limita armas nucleares. Wester vê isso como uma questão de necessidade católica para abordar o problema. Em sua carta pastoral, que deveria ser distribuída, lida e discutida em toda a igreja dos EUA, ele escreve:
"Senti-me perturbado por nossa história, o longo e sombrio legado de construir as bombas de Hiroshima e Nagasaki, e muitas milhares de armas nucleares desde então. Somos o povo que projetou e construiu essas armas de destruição em massa. Fomos os primeiros a usá-las. Devemos ser o povo a desmantelá-las e garantir que nunca sejam usadas novamente".
Embora o Novo México tenha um lugar de destaque histórico na iniciação da era nuclear, as fronteiras do estado não podem conter a responsabilidade pelo dilema de hoje. Todos nós pagamos pelas armas com nossos dólares de impostos, muitos de nós nos beneficiamos de nossos investimentos naqueles que as desenvolvem e constroem, e permitimos que o complexo militar-industrial permaneça em um lugar obscuro e distante, fora do alcance de nossas preocupações diárias. Permanecemos em silêncio. Nossos altares e Eucaristias permanecem intocados pela possibilidade de aniquilação global.
Nossa Terra, nosso Deus de paz, nossas consciências exigem muito mais de nós. Novamente: uma conversa, um começo, parece o mínimo que podemos fazer.
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Os católicos dos EUA devem enfrentar a ameaça nuclear e agir. Editorial do National Catholic Reporter - Instituto Humanitas Unisinos - IHU