16 Setembro 2024
A reportagem é de José Lorenzo, publicada por Religión Digital, 15-09-2024.
Com passos instáveis, Francisco dirigiu-se ao mais velho dos jesuítas que o esperava para o encontro com os membros da Companhia de Jesus em Timor-Leste, na passada terça-feira, 10 de setembro. Tendo sido informado da sua presença, foi procurá-lo e estendeu a mão para apertar a de João Felgueiras, um jesuíta português de 103 anos (entre os três mais velhos da Companhia de Jesus), e agradecer-lhe a sua presença. Testemunho durante os anos que se seguiram à invasão daquela parte da ilha pela vizinha Indonésia.
O religioso idoso ficou comovido com o gesto do Papa para com alguém que é uma instituição no país, que lembra que nunca quis abandonar aquela terra ou a sua gente e, de fato, não quer regressar a Portugal nem para fazer exames médicos, de medo de ter de ficar ali e morrer no país onde nasceu em 1921, concretamente nas Caldas das Taipas, aldeia de Guimarães.
João Felgueiras, SJ (Foto: Marialeonorr | Wikimedia commons)
O Padre Felgueiras chegou a Timor-Leste em 1971 para ocupar o cargo de vice-reitor do seminário de Díli, iniciando um trabalho didático que permeou aquela sociedade a tal ponto que desempenhou um papel muito importante na formação de muitos intelectuais timorenses atuais.
Mas só quatro anos depois começou o pesadelo para ele e para o povo timorense, com a invasão da Indonésia, que tentou expulsá-lo em diversas ocasiões e enviou infiltrados às suas massas para verificar se conseguiam apresentar contra ele alguma acusação que justificasse a sua imediata expulsão.
Incorporado em um povo perseguido, o Padre Felgueiras encarnou no meio daquele povo perseguido, escondendo alguns ativistas independentistas (muitos estudantes que ajudou a formar), administrando-lhes sacramentos, ouvindo confissões, celebrando missas em segredo e acompanhando populações na sua fuga para as florestas que fugiam da perseguição.
Francisco Guterres presenteia João Felgueiras com o Colar da Ordem de Timor-Leste (Foto: Presidência de Timor-Leste | Wikimedia Commons)
Tal como em 1999, quando após o pedido de independência maioritário nas urnas, votado por quase 80% dos inscritos, a repressão acentuou-se e as tropas indonésias, apoiadas por apoiantes timorenses da ocupação, levaram a cabo uma série de ataques, queimando casas e estuprando mulheres. E acompanhou-os na fuga, consolou-os, rezou com eles e administrou-lhes os sacramentos.
A sua vida regressou a uma certa normalidade em 2002, com a independência do país. Nessa altura, se a língua portuguesa permaneceu viva no país que foi colônia de Portugal durante mais de 300 anos, foi graças ao Padre Felgueiras, que foi dinamizador e professor do Externato de São José, a única escola onde as aulas foram ensinadas naquele país após a invasão, até que foi forçado a fechar em 1992.