10 Setembro 2024
"Em velocidade alucinante, desde o fim da tarde de quinta ao início da madrugada de sábado, o governo teve que lidar com as acusações de assédio contra Silvio Almeida que se tornaram a maior crise desde o 8 de Janeiro. As chamas ameaçaram consumir politicamente a administração Lula", escreve Mauro Lopes, jornalista, em artigo publicado por Revista Forum, 09-09-2024.
Os relatos sobre casos de assédio moral e sexual envolvendo Silvio Almeida circulavam há meses na cúpula do governo em Brasília mas, na falta de uma denúncia formal, a situação vinha sendo cozinhada em banho maria. O fogo aumentou quando, na quarta-feira (4), o UOL publicou reportagem sob o título “Ministério dos Direitos Humanos tem denúncias de assédio e demissões”. Anotava-se, no texto, que dez denúncias de assédio moral haviam sido registradas na Ouvidoria do Ministério dos Direitos Humanos contra Silvio e a cúpula da Pasta. Sete foram arquivadas e três ainda estão tramitando. A reportagem registrava também que 52 pessoas haviam deixado o Ministério desde o início do governo; destas, 31 pediram demissão.
As chamas foram abafadas pela ação do então ministro. Uma nota oficial contundente publicada na mesma reportagem afirmava que ela, a reportagem, era mentirosa “ao tentar induzir que há um ambiente sistemático de assédio”. Nos bastidores, a equipe do ministro informava que havia uma campanha contra Silvio Almeida movida por pessoas demitidas supostamente por incompetência.
Quando a crise parecia contornada veio à luz, no final da tarde de quinta-feira (5) a bombástica reportagem do jornalista Guilherme Amado do Metrópoles: “Ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida é acusado de assediar mulheres. Entre elas, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco”. Pouco depois. Mônica Bergamo publicou reportagem com teor semelhante, informando que em junho havia procurado Anielle sobre o assunto, mas que resolvera não publicar por falta de confirmação. Um incêndio de grandes proporções tomou conta da Esplanada dos Ministérios e foi visto no Planalto como capaz de consumir politicamente o governo.
Lula estava em São Paulo, participando da abertura da Bienal do Livro, e ordenou que Jorge Messias, da Advocacia-Geral da União, e Vinícius Marques de Carvalho, da Controladoria-Geral da União, recebessem Silvio Almeida no Planalto para ouvir suas explicações, o que aconteceu tarde da noite. Os dois surpreenderam-se com o estado alterado, colérico do então ministro quando entrou na sala. Almeida negou as acusações e mostrou seu celular, com conversas com Anielle no WhatsApp, sugerindo que os dois tinham uma relação de intimidade. Ele mostrou um vídeo de um jantar entre eles no restaurante Oscar, em Brasília. As mensagens e o vídeo seriam, na argumentação de Almeida, provas de que ele não assediava a ministra e que os relatos dela eram mentirosos. Para Messias e Carvalho, entretanto, não havia nada no conteúdo que indicasse permissão de Anielle para uma abordagem sexual de Almeida. Lula foi informado integralmente da reunião e determinou mobilização total em torno da crise. Houve reuniões sucessivas em clima de grande tensão que entraram noite adentro. Às 23h48 foi divulgada uma nota oficial informando que o governo iria investigar o caso e que a Comissão de Ética da Presidência havia instalado uma investigação.
Na sexta-feira (6) pela manhã, enquanto Lula estava em Goiânia para uma inauguração e anúncio de investimentos, o Planalto foi tomado por atividade febril em torno da crise, com uma sucessão de reuniões de ministros e outras autoridades convocadas. Mas, de Goiânia, numa entrevista à rádio Difusora, Lula deu o tom, sinalizando o afastamento de Almeida: “Não posso permitir que tenha assédio no governo. Vamos ter que apurar corretamente, mas não é possível a continuidade no governo porque o governo não vai fazer jus ao seu discurso, à defesa das mulheres e dos direitos humanos com alguém que esteja sendo acusado de assédio”.
Até aquele momento a ideia de Lula era adotar a “solução Hargreaves” de Itamar Franco. Em 1994, Henrique Hargreaves, chefe da Casa Civil de Itamar Franco, foi acusado de envolvimento no esquema de corrupção do Orçamento investigado por uma CPI no Congresso. Itamar determinou que ele se licenciasse do cargo até o fim da investigação. 101 dias depois, quando o relatório da CPI foi apresentado, inocentando Hargreaves, ele retornou ao cargo. Entre a noite de quinta e a manhã de sexta era essa a ideia de Lula.
Mas, ao longo da sexta-feira, a ideia foi arquivada. E não exatamente pelas denúncias de assédio sexual, mas pelo comportamento de Almeida. Às 20h31 de quinta, o Ministério dos Direitos Humanos divulgou uma nota do ministro defendendo-se das acusações. A nota fez mais: buscou descredibilizar as denúncias -o que afronta os protocolos internacionais sobre os casos de violência contra mulheres, dos quais o Brasil é signatário. O governo foi pego de surpresa pois a nota era uma manifestação pessoal do acusado, porém mobilizando a estrutura do Ministério. O fato foi considerado grave, pois Almeida usou o Estado para tratar de uma acusação pessoal. A situação se agravou com outra nota também do Ministério às 22h40 com ataques e até ameaças contra a ONG de advogadas Me Too Brasil, que recebe denúncias de violências contra mulheres e oferece apoio jurídico e psicológico nessas situações. A Me Too Brasil recebeu as denúncias contra Almeida e não as divulgou, apenas confirmando que elas de fato existiam quando Guilherme Amado procurou as líderes da entidade para informar que publicaria reportagem sobre o tema.
Além de fazer ameaças usando mais uma vez a estrutura do Estado para isso, a nota fez acusações quase incompreensíveis e consideradas despropositadas pelo Planalto, como se a Me Too Brasil tivesse influenciado na licitação do serviço Disque 100 do Ministério. As licitações de serviços de teleatendimento no governo são reservadas a empresas. ONGs podem apresentar sugestões, mas não podem participar delas, pois não são empresas. Participam, eventualmente, de licitações que as autorizam expressamente, o que não é o caso. Além disso, na nota, Almeida expôs o nome de três servidoras do Ministério (duas mulheres e um homem). E indicou um risco flagrante de uma campanha de perseguição da pasta caso Almeida fosse mantido no cargo, ou, mesmo afastado, mantivesse pessoas de sua confiança. A Me Too Brasil apresentou sua explicação em nota de sexta feira (6) e postada no sábado à tarde no site da ONG: "Destaca-se que a organização não participa de processos licitatórios, não recebe e nunca recebeu nenhum tipo de verba pública e atuou como sociedade civil colaboradora, fornecendo sugestões para o aprimoramento do modelo licitatório herdado do governo anterior".
Na manhã de sexta, enquanto Lula estava em Goiânia, as reuniões no Planalto seguiram no mesmo clima febril e tenso, à espera da volta do presidente para a decisão final, o que aconteceu perto de 18h.
Antes da chegada de Lula, outra bomba: um vídeo lançado no Instagram no meio da tarde pela professora da Fundação Santo André Isabel Rodrigues, no qual afirmou ter sido vítima de Almeida e relatou o episódio: “Fui amiga de Silvio de Almeida na ocasião em que ele fazia parte do Conselho Pedagógico da Escola de Governo. Fiz parte dessa Escola como aluna e professora. Dia 03 de agosto de 2019, foi o dia que, em um almoço, onde tinham mais pessoas, sofri violência sexual por parte do ministro. Sentei do lado dele e não sei por qual motivo ele se achou no direito de invadir as minhas partes íntimas sem o meu consentimento” (veja aqui).
O relato da professora chamou atenção por ser muito semelhante ao relato que o jornalista Igor Gadelha, também do Metrópoles, fizera na véspera, do que teria sido o primeiro episódio de assédio contra Anielle Franco numa reunião no Ministério da Igualdade Racial em maio de 2023.
Além disso, o governo começou a antever a possibilidade de uma série de novas denúncias aparecerem. Apesar de as atenções se concentrarem na figura de Anielle Franco, uma ministra de Estado, segundo a Me Too Brasil, outras mulheres apresentaram denúncias de assédio contra o ex-ministro. Os nomes delas são mantidos em sigilo enquanto assim o desejarem, conforme assegura o protocolo legal em casos de violência contra mulheres. Não se sabe até o momento o número de vítimas, mas nos bastidores do caso, em Brasília, fala-se de um número entre três e até dez. A aparição da professora Isabel Rodrigues, apresentando-se de público e relatando o episódio, foi também uma gota d’água. Ela explicou a razão de ter evitado uma denúncia pública por cinco anos: “Pensei muitas vezes em denunciar. Não o fiz por vários motivos, e o motivo maior foi o medo disso se voltar contra mim. Silvio tem o conhecimento da lei e poderia facilmente fazer as coisas mudarem de rumo”. O temor de Rodrigues tem base sólida no caso de violências contra mulheres: quando denunciam, não poucas vezes são humilhadas publicamente e derrotadas nos tribunais pela articulação entre seus agressores poderosos e advogados igualmente ricos e poderosos.
Quando Lula entrou em sua sala no Planalto, havia um consenso entre os ministros que a demissão de Silvio Almeida era necessária e que deveria ser feita imediatamente. Razões de ordem jurídica e política pesaram para que assim o fosse. Messias e Carvalho explicaram ao presidente que, com o uso da estrutura do Ministério para se defender e, mais que isso, atacar a ONG Me Too Brasil num tom intimidatório, o até então ministro havia cruzado fronteiras administrativas e legais. E mais: que o presidente teria dado o direito de defesa ao então ministro, tendo o ouvido na noite anterior. Caso fosse mantido no cargo ou apenas afastado temporariamente, Lula corria o risco de sofrer uma ação por prevaricação. O fato de a denúncia ser coletiva e o vídeo da professora Rodrigues reforçaram a necessidade da demissão, alegou um ministro.
Estavam com Lula, além do advogado geral da União e do controlador-geral, as ministras Cida Gonçalves (Mulheres), Esther Dweck (Gestão), Rui Costa (Casa Civil), Ricardo Lewandowski (Justiça) e Laércio Portela ( Comunicação). A avaliação de todos era que a solução teria que ser imediata, pois o governo não poderia correr o risco de amanhecer 7 de setembro com o caso em aberto, por conta de uma crise política que poderia se tornar um incêndio incontrolável.
Silvio Almeida foi recebido na sequência. Ficaram na sala com Lula e ele mais três pessoas: Jorge Messias, Vinicius Carvalho, mais, Ricardo Lewandowski. Almeida tentou mostrar a Lula a troca de mensagens entre ele e Anielle e o vídeo do jantar, que havia mostrado na véspera, mas o presidente recusou-se a ver e emendou uma crítica contundente. Disse que acusações de assédio sexual são inadmísseis em seu governo e acrescentou que Almeida não tinha o direito de usar, como o fez, a estrutura do Ministério no caso, pois isso envolvia o governo numa crise que era dele, pessoal, além de ferir o princípio da impessoalidade na gestão pública.
Lewandowski sugeriu a Almeida que se demitisse, hipótese que ele rechaçou de pronto. Diante disso, Lula comunicou que ele estava demitido.
Na sequência, saíram os homens todos da sala e entrou Anielle Franco, acompanhada apenas das ministras Cida Gonçalves e Esther Dweck, além da presidenta nacional do PT, Gleisi Hoffmann. Lula disse a Anielle que havia sido informado de tudo o que havia acontecido e que ela podia se poupar de relatar uma história tão penosa. Mas a ministra quis relatar alguns dos casos, entremeando sua fala com momentos de choro. Ao final, decidiu-se que ela tiraria alguns dias de licença, para se recuperar.
No começo da tarde de sexta, uma nota do Ministério das Mulheres deu o tom que acabou prevalecendo: “É preciso que toda denúncia seja investigada de forma célere, com rigor e perspectiva de gênero, dando o devido crédito à palavra das vítimas, e que os agressores sejam responsabilizados de forma exemplar.”
A nota do Palácio do Planalto, no final da noite de sexta, para anunciar a demissão de Almeida, foi definitiva: “O presidente considera insustentável a manutenção do ministro no cargo considerando a natureza das acusações de assédio sexual”.
A do PT, também na sexta, foi no mesmo espírito: “Expressamos nossa solidariedade a todas as mulheres vítimas de assédio sexual e esperamos a apuração rigorosa e responsabilização das denúncias que vieram ao conhecimento público nas últimas horas. Assédio sexual é intolerável e este é o sentido da decisão do presidente Lula, de afastar o ministro Silvio Almeida.”
Finalmente, Anielle Franco divulgou uma nota emocionada e firme, depois da reunião com Lula: “Não é aceitável relativizar ou diminuir episódios de violência. Reconhecer a gravidade dessa prática e agir imediatamente é o procedimento correto, por isso ressalto a ação contundente do presidente Lula e agradeço a todas as manifestações de apoio e solidariedade que recebi.”
O caso Silvio Almeida é um duro golpe pelo governo. Uma ministra e um ministro negros, exatamente dos ministérios da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, em um governo que prioriza a luta contra o racismo e contra a violência que atinge as mulheres.
É de fato um incêndio de grandes proporções e, se a demissão de Sílvio Almeida conteve momentaneamente as chamas, não se sabe se a evolução do caso pode fazê-las crescer novamente.
É o primeiro caso de assédio de grande repercussão no governo federal desde o escândalo de Pedro Guimarães, presidente da Caixa Econômica Federal, no governo Bolsonaro. As denúncias das vítimas de Guimarães começaram em 2019, logo depois de ele ter chegado ao cargo. Tudo começou com 7 denúncias contra Pedro Guimarães - foram dezenas depois. Ele acabou caindo em 2022, é réu na Justiça, mas não houve condenação até agora. Ministros palacianos arrepiam-se com a hipótese de mais denúncias somarem-se às primeiras contra Almeida.
Mas há algo que agrava a crise de Almeida em relação à de Guimarães.
As vítimas de Pedro denunciaram os casos na Ouvidoria da Caixa. Já no caso Almeida, os canais do governo não foram procurados. No final de julho, o governo federal lançou o Programa Federal de Prevenção e Enfrentamento do Assédio e da Discriminação no âmbito da administração pública federal. É um programa amplo e complexo, sob comando de Dweck -por isso ela foi uma protagonista importante nas reuniões no Planalto na sexta-feira. Será efetivo para reverter o cenário de insegurança? Os próximos meses dirão.
Silvio Almeida, que entrou no governo celebrado como uma personagem de primeira grandeza da intelectualidade nacional, expoente máximo da tese do racismo estrutural, sai muito mal. Se for inocentado ao fim e ao cabo dos processos, poderá iniciar um longo caminho de recuperação. Se condenado, estará liquidado para a vida pública do país e seu nome carregará para sempre a mancha do caso.
O que fará o agora ex-ministro?
O comportamento de Almeida na quinta e sexta-feira foi de alguém disposto a uma luta feroz e sem limites. Seu grupo fez vazar na sexta para a imprensa a troca de mensagens entre ele e Anielle que o ex-ministro havia mostrado no Planalto na véspera. O objetivo era o de demonstrar uma relação de intimidade, consentida da parte de Anielle . O vídeo do jantar entre os dois não foi distribuído. Nos bastidores, Almeida ameaçou “cair atirando” e mostrar mais detalhes da relação com a ministra que evidenciaria uma suposta relação íntima.
No sábado, amigos dele relataram à jornalista Mônica Bergamo outra condição: “O ex-ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, está destroçado e sem forças, segundo o relato de amigos dele nas áreas acadêmica, jurídica e política”.
Ainda é cedo para saber qual desses estados de espírito prevalecerá. O certo é que ele terá uma longa e árdua batalha judicial pela frente, sem que se saiba até o momento, de fato, quantas denúncias serão apresentadas.
Silvio Almeida é um homem poderoso e rico. Ingressou para o governo quando era associado a um dos escritórios mais ricos, influentes e poderosos do país, o de Walfrido Warde. A banca tem interesses em larga escala e influência sem igual no Executivo, Legislativo e sobretudo Judiciário em Brasília. Não se sabe ainda se voltará para o escritório e se será o escritório que cuidará do caso. Se o fizer, a estratégia poderá ser de grande agressividade -o escritório é conhecido pela contundência (para usar uma palavra leve) de sua ação nos tribunais.
Neste domingo (8) o jornalista Reinaldo Azevedo, um amigo e aliado de peso de Warde, desfechou um ataque virulento à Me Too Brasil, que acolheu as vítimas e está fornecendo cobertura jurídica e amparo emocional a elas, como escrevi acima. Chegou a estabelecer uma equivalência entre quem noticiou ou confirmou a notícia das denúncias à manifestação fascista da Paulista pedindo anistia aos golpistas de 8 de janeiro e seu líder, numa estratégia que naturaliza o fascismo e revitimiza as mulheres assediadas.
Azevedo, que se tornou conhecido nacionalmente durante a Lava Jato pelo seu apoio entusiasmado à Operação, foi quem criou a palavra “petralhas” para referir-se a Lula e ao PT à época. Depois, passou a ser ferrenhamente antilavajatista e a apoiar tanto Lula como o PT.
Seu artigo deste domingo lembra a virulência dos ataques de anos atrás. Só que desta vez, o alvo não é Lula, nem o PT, mas uma ONG de mulheres dedicada à defesa das vítimas de assédio sexual e estupro, entre outras. No texto, o jornalista repete os ataques de Almeida à Me Too Brasil.
Há uma grita em setores minoritários da imprensa de que as denúncias contra Almeida deveriam ser ignoradas ou minimizadas pois a “simples” palavra de mulheres não pode ser considerada prova.
A grita revela profunda ignorância jurídica, segundo a advogada Maíra Recchia, especializada em direito político e de gênero: “Diante do quadro de massacre e intimidação permanente e das pesquisas que atestam um altíssimo índice de credibilidade nas denúncias feitas por mulheres, o STJ, desde 2016, definiu que o depoimento de vítimas de estupro ou de assédio sexual tem grande valor como prova em uma ação judicial. Estes crimes, em geral, são praticados na clandestinidade; não têm a mesma materialidade que outros, por essa característica”.
Nos caso de estupro, segundo a jurisprudência firmada no STJ, ”a palavra da vítima tem validade probante, em particular nessa forma clandestina de delito, por meio do qual não se verificam, com facilidade, testemunhas ou vestígios".
Outra alegação corrente em grupos de homens é que a palavra das mulheres não pode ter tanto peso pois haveria muitas “denúncias falsas” em casos de violência de gênero. A advogada Recchia diz que a alegação é absurda: “Há farta literatura que repudia a afirmação genérica de que as mulheres fazem muitas vezes falsas acusações de assédio ou estupro contra homens. Nem a literatura nem a experiência da sociedade brasileira mostram isso. A experiência, a história da sociedade e a literatura indicam o oposto: Se há acusações falsas, elas são residuais. Quando uma mulher acusa um homem de assédio ou estupro, ela merece acolhimento e sua voz deve ser escutada e amplificada -se ela assim o desejar. Quando é um grupo de mulheres então, isso é ainda mais óbvio”. A jornalista Milly Lacombe deu números concretos à afirmação de Recchia: “Pesquisadoras e autoras como Rebecca Solnit e Amia Srinivasan explicam que esses casos estão na ordem de 3% a 5%.Seriam 5% de mulheres acusando injustamente homens de crimes sexuais para se dar bem na vida? Não. A maior parte das falsas acusações vêm da voz de outros homens que acusam algum homem de ter cometido crime sexual contra uma mulher”.
A terceira linha de alegação contra as mulheres é sobre o pretenso anonimato das denúncias. É verdade que em muitos casos é possível fazer denúncias anônimas, por exemplo, no serviço 180 do Ministério das Mulheres ou nas ouvidorias. Mas, no curso do processo, uma vez instalado, o anonimato em algum momento desaparece, trocado pelo sigilo. Esta é uma característica do rito que comanda os casos de violência de gênero: garantia às mulheres do sigilo de suas identidades, exatamente para protegê-las da persistência das situações de violência e da recorrência de ameaças brutais quando seus nomes aparecem de público. Portanto, as denúncias ao Me Too Brasil não foram “anônimas”. A ONG sabe quem foram as mulheres que denunciaram Almeida. E a lei garante que os nomes delas sejam mantidos em sigilo até que as vítimas decidam em contrário.
O caso Silvio Almeida teve seus primeiros desfechos na sexta-feira, mas está longe de estar encerrado. Haverá muito fogo à frente.
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Silvio Almeida, Lula, Anielle, a gota d’água para a demissão e a história da crise - Instituto Humanitas Unisinos - IHU