10 Setembro 2024
Chegando mais cedo ao Timor Leste, a terceira etapa de sua grande viagem pela Ásia, o Papa Francisco enfrentará os escândalos de pedofilia dentro da Igreja neste país profundamente católico, onde um forte código de silêncio ainda prevalece sobre o assunto.
A reportagem é de La Croix International, 09-09-2024
Neste país predominantemente católico do Sudeste Asiático, os casos de pedofilia ainda estão envoltos em profundo segredo. No entanto, espera-se que o assunto receba considerável atenção nos próximos dias, já que o Papa chegou nesta segunda-feira, 9 de setembro, ao Timor Leste, a terceira etapa de sua grande viagem pela Ásia.
O religioso de 87 anos visita Díli, capital desta nação insular localizada entre a Indonésia e a Austrália, até a próxima quarta-feira, antes de seguir para Cingapura, destino final daquela que marca a viagem mais longa de seu papado.
No centro desses casos dolorosos está, notavelmente, o de dom Carlos Belo, bispo herói na luta pela independência que foi acusado de abusar sexualmente de meninos menores de idade por cerca de 20 anos e foi secretamente sancionado pelo Vaticano em 2020. Este bispo recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1996 por seu papel central na defesa dos direitos humanos no país, que se tornou independente em 2002 após mais de quatro séculos de colonização portuguesa e 25 anos de ocupação indonésia.
Em 2022, uma investigação chocante de uma revista holandesa o acusou — apoiada por depoimentos — de abusar e estuprar jovens adolescentes nas décadas de 1980 e 1990 e comprar seu silêncio, o que forçou o Vaticano a tornar públicas as sanções que havia imposto ao bispo dois anos antes. La Croix conduziu uma investigação in loco em 2023, revelando a dificuldade de quebrar o silêncio em torno das vítimas de abuso sexual nesta democracia incipiente.
Dom Carlos Belo, agora com 76 anos, e altamente respeitado pelo povo de Timor-Leste, renunciou às suas funções em 2002 alegando motivos de saúde e agora vive em Portugal. Apesar das graves acusações, ele ainda goza de amplo apoio entre os 1,3 milhões de habitantes do país, 98% dos quais são católicos. “Sentimos que o perdemos. Sentimos sua falta”, disse Maria Dadi, presidente do Conselho Nacional da Juventude de Timor-Leste, à Agence France-Presse (AFP), enfatizando que “ele realmente contribuiu para a luta por Timor-Leste”. Em outro caso, um padre americano, Richard Daschbach, foi destituído e considerado culpado em 2021 de abusar sexualmente de jovens órfãs e meninas carentes. Apesar de ter sido condenado a doze anos de prisão, ele continua a receber apoio dos escalões superiores da sociedade. Em 2023, o primeiro-ministro Xanana Gusmão gerou polêmica ao visitar Daschbach na prisão para comemorar seu aniversário e dividir um bolo com ele.
O itinerário papal oficial não inclui nenhuma reunião com as vítimas, e o Vaticano não comentou sobre o assunto. No entanto, Francisco, que prometeu “tolerância zero” para esse flagelo desde sua eleição em 2013, pode abordar a questão em um de seus discursos, o que seria considerado um gesto forte, ou se encontrar privadamente com as vítimas.
Para associações de vítimas em outros países, como disseram à AFP, o papa deve “reconhecer os abusos sexuais cometidos por autoridades da Igreja” contra crianças timorenses. “Aqueles abusados por Dom Carlos Belo e outros clérigos em Timor-Leste esperarão uma declaração pública do papa sobre o fracasso contínuo da Igreja em lidar com seu clero problemático”, disse Tony Gribben, fundador do grupo Dromore Survivors, sediado na Irlanda do Norte.
De acordo com Gribben, uma reunião teria valor limitado para as vítimas, semelhante aos pedidos de desculpas oferecidos por Francisco durante sua visita à Irlanda em 2018. “Aquele evento foi um exercício de relações públicas bem elaborado para a Igreja. Mas, desde então, as coisas continuam como de costume na Igreja Católica Irlandesa”, disse ele.
O grupo norte-americano Bishop Accountability, que documenta a crise de abusos na Igreja, anunciou que havia escrito uma carta a um cardeal influente pedindo que ele “interviesse em nome das vítimas timorenses abandonadas” com o papa. No entanto, para muitos moradores locais, a questão não é central, e muitos até esperavam ver D. Carlos Belo autorizado a retornar para participar da visita papal.
“Como povo, estamos muito tristes com a ausência de Belo”, disse Francisco Amaral da Silva, acadêmico de 58 anos. “O governo e a Igreja Católica deveriam convidá-lo”. No entanto, em Díli, há um desconforto palpável sobre a ideia de que seu nome possa ser associado a esta visita tão aguardada. No início deste mês, um mural representando o bispo foi pintado em uma parede abaixo de uma placa dando boas-vindas ao Papa Francisco. Poucos dias depois, ele foi apagado.
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No Timor-Leste, Francisco enfrenta a dolorosa questão da pedofilia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU