06 Setembro 2024
A possibilidade de uma retomada do megaprojeto de gás Mozambique LNG pela TotalEnergies aumentará a instabilidade no país e a impunidade da multinacional francesa, explica Daniel Ribeiro, da ONG Justiça Ambiental.
A entrevista é de Maïa Courtois, publicada por Reporterre, 05-09-2024. A tradução é do Cepat.
O polêmico megaprojeto de gás Mozambique GNL da TotalEnergies foi retomado no início do ano pelo CEO da multinacional, Patrick Pouyanné. As obras tinham sido suspensas após um ataque do grupo jihadista armado Al-Shabab, em março de 2021, que deixou mais de 1.200 mortos e desaparecidos na região de Cabo Delgado, que se tornou estratégica desde a descoberta de depósitos subaquáticos de gás em 2010.
Retomar o Mozambique LNG significará mergulhar ainda mais o país na insegurança, explica Daniel Ribeiro, biólogo de formação e diretor técnico e de pesquisa da ONG Justiça Ambiental, equivalente à organização Amigos da Terra Moçambique.
Reporterre conversou com Daniel em Paris, no intervalo entre duas reuniões com os bancos franceses que financiam o projeto: Société Générale e Crédit Agricole.
O CEO da TotalEnergies fala de uma forma de “retorno à normalidade” em Cabo Delgado. Qual a sua opinião sobre a instabilidade na região?
A Total já queria reiniciar as obras no ano passado, mas cada vez que se falava em reiniciar a situação esquentava no local. Lembre-se que este é o maior investimento privado estrangeiro na África. Quem quiser prejudicar o governo de Moçambique visará este alvo estratégico, como aconteceu durante o ataque de 2021. A simples presença da Total nesta região coloca as pessoas em perigo.
Grande parte da militarização da região é dedicada à proteção das infraestruturas de gás. O governo moçambicano proporcionou um treinamento rápido e deficiente, enviando soldados jovens e inexperientes e com pouca supervisão. Há ataques destes soldados contra comunidades locais, casos de violação de mulheres, bem como sequestros e extorsões.
Os conflitos entre as comunidades locais e estas forças de segurança, responsáveis pelo combate aos insurgentes jihadistas, continuam. Isso alimenta o atrativo por narrativas extremistas. Precisamos também olhar para as causas socioeconômicas. Mais de 80% da população de Cabo Delgado é constituída por pescadores ou agricultores. O acesso à terra e aos ecossistemas dos quais dependem é, portanto, essencial. Se quebrarmos esta ligação, torna-se um fator social de instabilidade.
O Mozambique LNG emitirá entre 3,3 e 4,5 bilhões de toneladas de CO2, mais do que as emissões anuais da União Europeia. Quais são as outras consequências ambientais?
Primeiro, faltam-nos dados. Não existe uma análise cumulativa dos três projetos de gás em curso na região: Mozambique LNG, da Total, Coral South FLNG, da Eni, e Rovuma LNG, da ExxonMobil.
Alguns aspectos não estão sujeitos a quaisquer medidas de mitigação: é o caso das águas de lastro [reserva de água utilizada para estabilizar navios sem carga, cujo esvaziamento pode causar problemas ambientais]. Essas águas vêm de outras costas e são descarregadas quando os navios são carregados. No entanto, contêm uma grande quantidade de organismos de outros lugares: mexilhões, águas-vivas, larvas... O suficiente para introduzir espécies exóticas invasoras, que não têm predadores, e desestabilizar o ecossistema.
Moçambique já é um dos países mais afetados pelas mudanças climáticas. O Canal de Moçambique, onde estão localizadas as reservas de gás, faz parte do Oceano Índico: de todos os oceanos tropicais do mundo, é aquele que registra o maior aumento da temperatura média da sua superfície. Qualquer desequilíbrio adicional será amplificado por este ambiente já pressionado, embora tenhamos ilhas tropicais, manguezais e florestas costeiras que abrigam uma enorme quantidade de espécies endêmicas e muito raras.
A população local quer o retorno da TotalEnergies ou é crítica em relação ao projeto?
Desde o início do projeto, as vozes críticas foram tratadas de forma muito agressiva. O jornalista moçambicano Ibraimo Abu Mbaruco desapareceu em 2020 e nunca mais foi visto. Alguns líderes comunitários e outros jornalistas sofreram pressões.
Com a instabilidade, a região enfrenta uma enorme escassez de alimentos. Hoje, a TotalEnergies financia ONGs e ajuda humanitária no local. As comunidades dependem, portanto, fortemente da multinacional, e chegam a falar em “Total Land” (“o país da Total”). Os habitantes são estratégicos, pois dizem o que é necessário para se manterem seguros e alimentarem suas famílias.
O nosso governo [francês] sabe que dispõe agora de recursos muito procurados pelos seus homólogos europeus: isto lhe dá impunidade. Ele sabe que multinacionais como Total, Eni, ExxonMobil têm a capacidade de influenciar os governos a fechar os olhos ao que acontece no terreno.
Na França, o Estado atuou como fiador dos empréstimos concedidos ao projeto Coral South FLNG — financiado pela Société Générale, Crédit Agricole, BPI, Banque Populaire, Caisse d’Épargne e BNP Paribas. Em relação ao Mozambique LNG, o Crédit Agricole e a Société Générale assinaram um acordo de compromisso em 2020. A suspensão das obras deverá ser uma oportunidade, para estas partes envolvidas, reavaliarem a situação.
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Em Moçambique, “a simples presença da Total coloca as pessoas em perigo” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU