03 Setembro 2024
"O Rio Grande é, ao mesmo tempo, um território abatido pela crise climática e um lugar privilegiado para novos experimentos estratégicos que extrapolem as suas fronteiras. Nosso “inimigo externo” – o desastre climático – já não é invisível e pode bater a nossa porta novamente a qualquer momento. Defender Porto Alegre e o Rio Grande dos seus efeitos devastadores será um exemplo para o Brasil. Trata-se de um raro caso concreto em que o querer é realmente poder".
O artigo é de Tarso Genro, publicado por Sul21, 02-09-2024.
Tarso Genro foi governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, ministro da Justiça, ministro da Educação e ministro das Relações Institucionais do Brasil.
O RS é, hoje, um território abatido pela crise climática e um lugar privilegiado para novos experimentos estratégicos que extrapolem suas fronteiras.
Neste difícil momento de crise da vida democrática no Planeta, que vem sendo assediada pelas mudanças dos regimes climáticos nas regiões mais populosas do globo e pelo deslocamento de populações inteiras – pressionadas pelas guerras e pela falta de perspectivas de vida em suas regiões originárias – um nome me vem à mente: Ignacy Sachs (1927-2023). Ele fundou na França o Centro de Estudos sobre o Brasil Contemporâneo, onde testava e discutia as suas teses sobre o “desenvolvimento sustentável”. Sachs amava o Brasil.
Busco-o nos meus alfarrábios e lá está o seu “Desenvolvimento Includente, Sustentável, Sustentado” (2004, Editora Garamond-Sebrae), com uma sensível dedicatória do Mestre para este escriba. Com ele adquiri luzes, em longas e brilhantes formulações (dele), destinadas a melhorar a compreensão das questões econômicas e políticas do meu país. Sachs, além de um ser humano extraordinário, tinha uma paciência ilimitada para explicar, deduzir, informar sobre suas pesquisas e estudos, que à época já percorriam as academias e as gestões mais ousadas e democráticas do mundo inteiro.
É evidente que este livro, escrito há mais 20 anos atrás, já não tem respostas atualizadas para questões e problemas que se avolumaram neste período, mormente a questão dos efeitos econômicos das guerras localizadas e dispersas, bem como os gastos públicos elevadíssimos nestes eventos militares e os volumosos recursos (e lucros) destinados aos fabricantes de armas, e – ainda – sobre emergência radical da questão climática, que já bateu fortemente a nossa porta.
A necessidade do “gerenciamento das áreas comuns de uso global”, a noção de que “a transição para o desenvolvimento sustentável começa com o gerenciamento de crises, que requer uma mudança imediata de paradigmas” e a mudança da globalização, “na sua forma assimétrica atual”, são enunciados importantes que percorrem a obra de Sachs e a tornam atual – no novo contexto ora vivido – embora sem as mesmas soluções, nestes tempos curtos de devastação da naturalidade.
São estes problemas levantados por Sachs que hoje são debatidos através de várias iniciativas – de diversas fontes – para as quais o Instituto Novos Paradigmas ofereceu a sua contribuição. Ela foi materializada através de uma Carta a ser entregue ao Presidente da República, propondo um instrumento capaz de viabilizar um regime de colaboração estratégica entre os entes da União, não um programa de trabalho unilateralmente concebido.
Elementos novos estão colocados no tabuleiro mundial e nos jogos políticos locais, que irão perdurar até o fim desta crise, por solução positiva, ou até o seu” gemido” final destrutivo. As mudanças no sistema-mundo, a reprodução do capital sem trabalho, as formas de acumulação criminosa nos subterrâneos da economia mundial – tráfico de drogas, armas e pessoas-, devastação ambiental pelos garimpos ilegais e contrabando da biodiversidade, demandam pactos internos aos países democráticos, para responderem questões de longo prazo, que devem começar a ser enfrentadas no curto prazo.
O primeiro, dos dois novos elementos (e o mais importante dos dois), é o surgimento de uma ampla gama de negócios e investimentos “eco ambientais”, que estão aparecendo como necessidade para a reprodução ampliada do capital, e que são aptos para combater a crise climática; e o segundo é a disponibilidade de recursos, em grande volume, em vários países do mundo, seja através de agências públicas e privadas globais, como no Banco Brics ou em Agências Internacionais de Fomento e Financiamento, em países para os quais a transição climática é assustadora.
Embora a ordem econômica internacional tenda a se estabilizar com diversos centros de poder, a sociedade civil democrática dos países periféricos, em diálogo com a sociedade civil dos países centrais, e os seus governos – estes travando entre si relações comerciais, políticas e culturais de interesse mútuo – podem e devem unir-se para “usar” – no bom sentido -, esta urgência da questão climática para obter recursos “carimbados”, destinados à produção de obras e serviços voltados para o eco ambientalismo e a sustentabilidade de um novo modelo de crescimento.
O Rio Grande é, ao mesmo tempo, um território abatido pela crise climática e um lugar privilegiado para novos experimentos estratégicos que extrapolem as suas fronteiras. Nosso “inimigo externo” – o desastre climático – já não é invisível e pode bater a nossa porta novamente a qualquer momento. Defender Porto Alegre e o Rio Grande dos seus efeitos devastadores será um exemplo para o Brasil. Trata-se de um raro caso concreto em que o querer é realmente poder.
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Caso concreto em que querer é poder: unidade estratégica do Rio Grande global. Artigo de Tarso Genro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU