13 Agosto 2024
"[Gana e Costa do Marfim, os grandes exportadores do cacau,] são fracos, são dependentes. Fracasso das promessas de mercados justos, de civilidade coletiva. Com essas regras, seja para o cacau ou para o coltan, é preciso se contentar em sobreviver nessas paragens".
O artigo é de Domenico Quirico, jornalista italiano, em artigo publicado por La Stampa, 12-08-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
É uma regra antiga, que funciona assim: algumas partes do mundo são especializadas em ganhar e outras em perder. A exploração é racial na filosofia e espacial na aplicação. A África, por exemplo, é especializada em perder. Queremos chamar essa regra, que parece ter sido criada contra o homem africano, de divisão internacional do trabalho? Um tanto marxista, com cheiro de ultrapassado, de terceiro-mundismo desgastado? Então vamos chamar de globalização! Assim, um belo grupelho de economistas, banqueiros, financeiros de assalto e variados sanguessugas ficam sossegados.
Por uma vez, não vamos falar de petróleo, gás, coltan, terras raras, cobre, cobalto, enfim, as matérias-primas estratégicas: ufa! Vamos falar de algo macio, delicioso, doce, gourmet, um inofensivo produto de confeitaria. Sim, o cacau, talvez a mais saborosa das sementes do Eldorado. Das tantas penúrias, essa não é a mais dramática para nós, mas no Sul nossa volúpia tem graves consequências.
Observem atentamente as ironias da geografia. O cacau em Nova York, onde todas as riquezas do mundo são avaliadas, fixadas, são mercadorias: aqui o preço ultrapassou a cifra recorde de 10 mil dólares por tonelada. A febre do aumento parecia ter atingido o ápice e, em seguida, devido a especulações frenéticas, começou a cair com a mesma brutalidade, estabelecendo-se em 7 mil dólares por tonelada. Tudo isso por causa da certeza de uma forte redução na produção africana.
Algo nunca visto desde 2013, quando, devido à crise política na Costa do Marfim, o maior produtor do mundo, Alassane Ouattara (ainda é presidente, um notável dinossauro!), obteve o bloqueio das exportações para forçar o rival Laurent Gbagbo a ceder-lhe o poder. Na época, o preço havia beirado o pico já considerado astronômico de quase 4 mil dólares por tonelada. Autossanções inúteis: Sarkozy resolveu tudo pilotando de Paris um golpe de exportação.
Isso acontece em Nova York. Vamos mudar a latitude e a longitude, Abidjan, na Costa do Marfim, ou Accra, em Gana, as capitais mundiais do que chamam de "ouro marrom". Infelizmente, não é a metáfora de nada. Os produtores de cacau, que são o sustento de 24% da população, comemoram ao lado das sacas prontas para exportação? Porque os compradores estariam dispostos a fazer qualquer coisa para garantir os estoques disponíveis. Menos produto, muita demanda, portanto, a oferta celebra as teologias da prosperidade. Nada disso. A cabotagem de sempre: o que chegou até aqui desse imenso tesouro é um aumento no preço de compra para 1 mil e 500 francos CFA, a moeda de conta dos países africanos de língua francesa, o equivalente a 2,30 euros por quilo. Mais ainda. Devido ao aumento do preço, espera-se que a demanda por chocolate nos países consumidores caia e, portanto, tempos ainda mais difíceis estão por vir para os agricultores africanos.
Na Costa do Marfim, o cacau é responsável por 40% das exportações, e em Gana, por 15%. Os dois países dominam o mercado mundial com 60% da produção, uma média de três milhões de toneladas por ano. Parecem sinais de força. Em vez disso, são fracos, são dependentes. Fracasso das promessas de mercados justos, de civilidade coletiva. Com essas regras, seja para o cacau ou para o coltan, é preciso se contentar em sobreviver nessas paragens.
E pensar que os dois países que fazem parte da Opep do cacau, o cartel dos países exportadores, decidiram comercializar seus estoques com um ano de antecedência, uma forma de evitar as flutuações do mercado e estabilizar a economia doméstica. Tudo deveria funcionar bem. Deveria. Vende-se a prazo, com base nas tarifas internacionais em vigor, os agricultores sabem quanto ganharão com o preço fixo. Qualquer eventual margem é reservada para os períodos em que os preços caem. Há duas safras, uma em outubro, quando o preço é fixado em março, e a outra, menor, de abril até o final de setembro. Tudo perfeito? Não funciona, especialmente quando o preço internacional ultrapassa os 10 mil dólares por tonelada.
Foi tudo culpa de uma estação de chuvas torrenciais, as flores recém-desabrochadas caíram, os fungos começaram a atacar as plantas. A produção caiu 30% na Costa do Marfim e 15% em Gana. Em Nova York, começaram a fazer (suas) contas.
Esse é o fato. Vamos tentar lê-lo de diferentes pontos de vista, cruzando suas consequências. Isso ajuda a entender como a realidade nas sinuosas cadeias de suprimentos da economia global vai se tornando rarefeita e condensada. Vamos começar do ponto de vista dos consumidores ocidentais, aqueles dos supermercados ou das confeitarias chiques. Tudo calmo, saboreia-se, degusta-se sem perturbação. Por enquanto, não há aumentos evidentes, pois o produto vem dos estoques definidos antes da febre de preços. Mas no retorno das férias, más notícias: as empresas de confeitaria terão que lidar com os aumentos na nova campanha. O chocolate vai custar mais caro. Agora vamos às diretorias das grandes marcas, as Sete Irmãs do Chocolate.
Previdentes: estão se preparando já há alguns meses. A estratégia das mais imperturbáveis é substituir parte do chocolate por outros produtos, como frutas e nozes. Outras mantêm o preço, mas para barras menores. Os especialistas lhes dirão que o truque se chama "shrinkflation".
Há também o ponto de vista dos africanistas, senhores carismáticos que oferecem soluções imediatas e ilusórias para problemas concretos: em suma, a versão em terno e gravata do antigo feiticeiro tribal. Para eles, tudo é culpa das mudanças climáticas, portanto, bastará convencer os africanos, impenitentes consumidores de plástico e combustíveis fósseis, a se tornarem verdes e, em poucos anos, tudo vai voltar ao normal.
O último ponto de vista é o do agricultor, por exemplo, de Gouakpale em Tonkpi, região cacaueira da Costa do Marfim. Aqui nada sabem das flutuações de Nova York, e as histórias, como sempre acontece na África, são cautelosas. Os silêncios e as alusões dizem mais do que as palavras. Eles não querem o radiante reino dos céus, apenas a modesta aventura de viver decentemente neste triste mundo material. Colheram menos, sempre foi assim: um ano abençoado, outro não, talvez um dia os brancos também se cansem do cacau e peçam outra coisa. Quem sabe.
É verdade, talvez devêssemos diversificar com outras culturas, talvez fosse maravilhoso dispor de créditos honestos, talvez se os rendimentos fossem aumentados com a diminuição da área, talvez. A chuva se acumula nos pesados aglomerados de nuvens, a terra sempre será igualmente imóvel, mansa e implacável. Enquanto isso, em Nova York, as cotações sobem ou descem vertiginosamente nas telas dos computadores.
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Escravos do cacau. Artigo de Domenico Quirico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU