19 Julho 2024
"A nossa culpa é não compreendermos que os fatos históricos não são apenas fatos, mas estão impregnados de humanidade. Os migrantes são vítimas de poderes impiedosos dos quais a Europa é aliada e apoio. Eles, em fuga, lutam contra uma realidade concreta. Nós, deste lado do mar, lutamos com entidades imaginárias, fantasmas gerados pela propaganda política, e esses fantasmas são reais, pelo menos para nós. São intocáveis, invencíveis, porque estão em nós mesmos".
O artigo é de Domenico Quirico, jornalista italiano, publicado por La Stampa, 18-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Caso estejam entre aqueles que sentem simpatia pelos infelizes povos que emigram, eritreus e gambianos, sahelianos e afegãos, sírios e magrebinos, pelas humanidades e pelas tribos deixadas desamparadas e na sombra do ataque inexorável da nossa impiedosa época do Progresso, a visita de Giorgia Meloni à Líbia não lhes trará qualquer motivo de novidade ou de conforto.
Podem ter certeza. Nada mudará depois dos "históricos" acordos assinados por toda a companhia de microscópicas Excelências com "sinceras saudações" e "pensamentos afetuosos". Vou usar de cortesia: irrelevantes pedaços de papel que já ascenderam a um maneirismo do mais ou menos.
Propaganda. A ser guardada na memória, quando muito como provas. Na África, as metralhadoras continuarão a disparar, em nenhum lugar é tão fácil morrer como lá, e homens, mulheres e crianças serão perseguidos, torturados, roubados, mortos por soldados e bandidos, jihadistas, chefes de Estado, golpistas, negociantes criminosos, pela fome e pela seca, e outro pedaço do mundo será espezinhado e posto em movimento. E a única coisa que levarão consigo, os fugitivos, é um pouco de coragem e nenhum arrependimento. A migração é uma condição humana em que se aprende a apreciar as coisas mais simples, a andar de novo, a respirar de novo, a sobreviver. A que vão lhe servir os planos Mattei, uma espécie de fast-food da miséria, a enésima versão Ikea do "vamos ajudá-los um pouco na sua casa", essa granítica e marginalizada humanidade do século XXI?
Nada, apenas mais uma mentira insignificante como o Desenvolvimento, a democracia farsesca das eleições manipuladas, o deus restaurador propriedade privada dos ferozes apóstolos da jihad, a caridade internacional que se autoalimenta de lucros...
O fato de uma parte deles terem sobrevivido até hoje não se deve certamente às políticas dos senhores da Europa rica, mas apenas à infatigável insondável tenacidade de resistir a tudo e recomeçar obstinadamente do zero. O que Meloni, Macron, Von der Layen, etc., têm a ver com isso? Nada. Empurrar a pedra até o topo da montanha e depois recomeçar porque rolou para o fundo; ser rejeitados e recomeçar a caminhar, a pagar, trabalhar, navegar mares de luto, preencher formulários e recursos e respondendo a perguntas. É verdade: Sísifo era a metáfora de um migrante, não de um arrogante pecador condenado. É o único verdadeiro herói do nosso tempo.
Será que, passados mais de dez anos, ainda precisamos falar disso? As políticas europeias em matéria de migração, esquerda e direita infelizmente misturadas fraternalmente, caracterizam-se por um ponto cego, uma ausência de franqueza, uma insuficiência de responsabilidade humana, uma evidente relutância em apontar para qualquer coisa que não seja o objetivo de lucrar politicamente com o fenômeno. Como se se esperasse que as opiniões públicas acreditassem simplesmente que os migrantes, graças a essas manobrazinhas policiescas, estejam desaparecendo pouco a pouco. E, assim, pede-se aos governados que não peçam mais nada.
A tarefa de resolver essa confusão histórica, depois de a terem manobrado em proveito próprio, é deixada a desprezíveis regimes de sócios-cúmplices, que procedem já há algum tempo com uma franqueza brutal e sem inventar muitas desculpas em sua defesa. Como o demonstra justamente a Líbia. E por que é que o haveriam de fazer, esses explícitos canalhas? A segregação dos migrantes-escravos, a sua nulificação, é conseguida não apesar com os nossos esforços e recomendações, mas graças à nossa conivência e, muitas vezes, à nossa fervorosa colaboração. A que acrescentamos, para ratificar o logro, as propagandas de linfáticos apologistas da "África está mudando" e do milagre econômico realizado pelos "jovens empresários" do continente. Se não fosse um esforço inútil, sugerir-se-ia a esses mercadores por atacado uma viagem às periferias das cidades africanas para conhecerem "de verdade" algum exemplo infelizmente desconhecido do boom africano.
A nossa culpa é não compreendermos que os fatos históricos não são apenas fatos, mas estão impregnados de humanidade. Os migrantes são vítimas de poderes impiedosos dos quais a Europa é aliada e apoio. Eles, em fuga, lutam contra uma realidade concreta. Nós, deste lado do mar, lutamos com entidades imaginárias, fantasmas gerados pela propaganda política, e esses fantasmas são reais, pelo menos para nós. São intocáveis, invencíveis, porque estão em nós mesmos. Caridade? Piedade? Direitos humanos?
Ao fim de treze anos, ainda estamos aqui com os mal-enjambrados planos Mattei? Essas palavras já estão desgastadas e corrompidas. Os acordos são feitos com os verdadeiros grandes traficantes, presidentes e sátrapas, que criam os migrantes com a miséria, a corrupção e a violência, para depois obterem de nós lucros econômicos e imunidade política. Um método antigo: nomear generais bandidos para lhes confiar os trabalhos mais sujos.
Tudo e apenas mercadoria da direita xenófoba? Contrapõe-se a ela uma política migratória progressista, iluminada e iluminista, alimentada pelo ar rarefeito das terras altas espirituais? Coloquemos nos palcos da história o primeiro-ministro britânico Keir Starmer, que acaba de decorar com bugigangas trabalhistas o Número Dez. Primeira medida: abolição imediata da deportação a pagamento de imigrantes para o Ruanda, terra remota de genocídios recentes, inventada pelo seu antecessor. Regozijamo-nos? Será que encontrámos nos tristes assuntos contemporâneos o último estertor da dignidade ocidental? Um momento. Starmer exige a devolução do dinheiro já pago ao Homem da Providência local, Paul Kagame. Para fazer o quê? Para financiar uma linha Maginot no Canal da Mancha, a fim de impedir que os migrantes infringiam o esplêndido isolamento britânico.
Portanto, estamos presos a peregrinações de companheiros do outro lado. Em Trípoli e em Bengasi não existe um nenhum "governo de unidade nacional", como descrevem os acólitos da propaganda. Há bandos armados que partilham a produção e o comércio de petróleo e de migrantes, num equilíbrio de molde criminoso e de tipo clã, interrompido por flashes de violência para resolver os desvios.
Vou propor uma pergunta preliminar aos ilustres praticantes dessa forma de turismo político: antes de partir, peçam a biografia daqueles de quem vão apertar a mão. A menos que, temo, já não a conheçam muito bem.
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O Ocidente aperta a mão dos sátrapas: assim se alimentem os tráficos de seres humanos. Artigo de Domenico Quirico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU