09 Agosto 2024
Mais de cinco anos se passaram desde o desastre de Brumadinho/MG – quando um trágico rompimento de uma barragem de rejeitos de mineração da empresa Vale causou a morte de centenas de pessoas e uma grande devastação ambiental. Seus impactos reverberam ainda hoje – e alguns só começam a ser descobertos agora. É o caso dos problemas causados no sistema respiratório das famílias no entorno, em especial de crianças. A revista Science, em sua última edição especial dedicada à poluição, tratou desse aspecto no artigo Lost in the dust [“Perdidos na poeira”, em tradução direta], publicado há alguns dias.
A reportagem é de Gabriela Leite, publicada por Outras Palavras, 07-08-2024.
Uma barragem de rejeitos é uma estrutura utilizada para armazenar os resíduos gerados durante o processo de mineração. Esses rejeitos são geralmente uma mistura de água, terra, metais pesados e produtos químicos utilizados no processo de extração mineral, como arsênio, mercúrio, cádmio e outros contaminantes. No caso de Brumadinho, esses rejeitos se espalharam por uma grande área, contaminando também os rios. Mas é fato pouco sabido que eles poluem também o ar – e o fazem mesmo sem que ocorra algum desastre, apenas pela existência da barragem. O Brasil tem, hoje, 942 barragens registradas, e estima-se que haja 18 mil delas espalhadas pelo mundo. A grande maioria está inativa – muitas foram totalmente abandonadas.
A Fiocruz, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), estuda há anos os impactos gerados pelo desastre da Vale em Brumadinho aos moradores do entorno. Há dois que dizem respeito à poluição gerada pelo desabamento. O primeiro foi feito com 217 crianças de até 6 anos – metade residente do local. Segundo conta a Science, aquelas que moram próximas ao rastro de degradação causado pelos rejeitos têm três vezes mais chance de desenvolver problemas respiratórios. Elas também desenvolvem essas doenças com mais frequência. Em outro estudo, pesquisadores descobriram que os adultos que vivem nesses locais têm 1,8 vezes mais chance de serem diagnosticados com doenças crônicas como asma; 1,5 vezes mais relatos de chiado no peito; duas vezes mais probabilidade de ter tosse seca e irritação nasal.
Mas o problema está longe de se restringir às comunidades brasileiras. No norte do Chile, uma equipe de pesquisadores estudou o lodo na lagoa de rejeitos de Talabre, a maior do país, próxima à enorme e antiga mina de cobre Chuquicamata. A lagoa, que pode armazenar 600 mil metros cúbicos de rejeitos, seca periodicamente, permitindo que elementos tóxicos cheguem à superfície e formem uma crosta que o vento pode erodir. Para entender a dispersão das partículas de poeira, a equipe da Universidade do Chile usou dados meteorológicos e coletou amostras de solo e poeira em comunidades próximas.
Em 2022, relataram que as concentrações de arsênio em comunidades indígenas em Alto El Loa – a menos de 10 quilômetros da lagoa – eram sete vezes superiores aos níveis considerados seguros para crianças. Em outras comunidades, os níveis chegaram a ser até 20 vezes maiores que o recomendado. A pesquisa indicou que os ventos podem levar as partículas até 70 quilômetros de distância. No entanto, o estudo não conseguiu vincular definitivamente a poeira encontrada nas aldeias aos rejeitos.
Já no México, pesquisadores ligados à Universidade Estatal de Sonora trabalharam em uma área no noroeste do país onde há muitas minas, em especial em torno de uma pilha de rejeitos que cobre uma área de 1,6 hectares. Lá, havia traços de rozenita, um mineral raro pertencente ao grupo dos boratos, que também foi encontrada em amostras retiradas das estradas ao redor. Na poeira, também havia zinco, chumbo, antimônio e arsênio. O estudo ajuda a fortalecer as evidências do vínculo entre os elementos presentes nos rejeitos e próximos às áreas onde vivem pessoas.
Os males possivelmente causados à saúde das pessoas por essa poeira tóxica dos rejeitos também já foram estudados. Pesquisadores norte-americanos da Universidade do Arizona, por exemplo, descobriram que ratos expostos a uma forma de arsênio desenvolvem dificuldades respiratórias. Estudos epidemiológicos também descobriram que trabalhadores de minas, que têm contato intenso com a poeira exalada por elas, têm taxas mais altas de câncer, doenças cardíacas, pulmonares e danos no sistema nervoso.
O fato de que há milhares de pilhas ou barragens de rejeitos espalhados pelo mundo, e que muitos deles não têm dono e podem durar centenas de anos, contribui para aumentar a preocupação. Uma solução apresentada pela Science mira o futuro: empresas que planejam novas minas deveriam ser obrigadas a determinar como irão aposentar os rejeitos com segurança, antes de a mineração começar. Difícil acreditar que isso pode acontecer sem uma grande pressão. Basta considerar o fato de que, até hoje, os responsáveis pelo desastre em Brumadinho ainda não foram punidos.
Ao menos a curto prazo, estudos como os apresentados acima poderiam servir para alertar sobre as necessidades de saúde das populações que vivem à margem de barragens – para que o SUS se prepare para os problemas respiratórios que também despontarão…
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O ar tóxico próximo às barragens de mineração - Instituto Humanitas Unisinos - IHU