14 Fevereiro 2019
"O mais impactante é que laudo técnico da empresa emitido (com participação de auditoria externa) em 2018 não a caracterizava como de alto risco, apesar de detectar problemas de drenagem e erosão", escreve Sucena Shkrada Resk, jornalista especializada em Meio Ambiente, em artigo publicado por CartaCapital, 08-02-2019.
Ausência e/ou ineficiência nas precauções e prevenção, manutenção, em monitoramento e investimento em tecnologias mais seguras e em fiscalização contínua na destinação e tratamento de rejeitos minerais. Essa série de potenciais causas tem demonstrado um verdadeiro campo minado no país, resultando em uma série de externalidades, como demonstra a tragédia em Brumadinho, MG. O município chora pelas mais de 330 vítimas (157 mortos confirmados e desaparecidos até o dia 7), devido ao rompimento da barragem 1 de rejeitos do Córrego do Feijão e duas menores, da Vale, no último dia 25 de janeiro.
A tragédia, que se caracteriza como um crime ambiental, no processo de investigação, continua em andamento e atinge o ecossistema, resultando em um “tsunami” de destruição da fauna e flora local, e em especial no curso do Rio Paraopeba, um alerta na Bacia Hidrográfica do São Francisco. Uma “caixa de pandora” foi aberta e revela um cenário de insegurança que se tornou alvo de apuração no setor.
Sexta-feira (08/02), estão ocorrendo mais momentos de tensão em Minas Gerais. Sirenes e avisos sonoros foram emitidos na região de Barão de Cocais e de Itatiaiuçu, na Grande Belo Horizonte (o que não aconteceu em Brumadinho), e mais de 700 moradores das comunidades, conforme foi noticiado, tiveram de sair de suas casas, após alerta da Defesa Civil, dentro do Plano de Emergência das mineradoras locais, que estariam se responsabilizando por levar as pessoas a hotéis (por tempo indeterminado). O risco anunciado é de rompimento de barragens de rejeitos da Vale e da Arcelormittal. As empresas informaram a Agência Nacional de Mineração e a Defesa Civil sobre as instabilidades nas unidades e necessidade de precaução, enquanto monitoram e tentam resolver os problemas detectados.
Dia a dia o comprometimento aumenta com tragédias e ao mesmo tempo crimes ambientais, como está sendo caracterizado o rompimento da barragem 1 de rejeitos minerais (de alteamento a montante) e duas menores do Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho, Minas Gerais, sob apuração das Polícias Civil, Federal e pelo Ministério Público e Justiça. Os rejeitos seguem pela bacia hidrográfica do rio Paraopeba que alimenta o “Velho Chico” e no dia 6, estavam a 200 km do rio. Em defesa das vítimas, se soma o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a Defensoria Geral da União (DGU), organizações socioambientais e de direitos humanos, entre outras.
A perda humana é irreparável: foram ceifadas 339 vidas (157 vidas corpos encontrados até o dia 7 por uma força-tarefa de bombeiros, brigadistas, defesa civil entre outros colaboradores) sob o lamaçal e destruiu famílias. A maioria, funcionários da própria Vale, que estavam na área administrativa e refeitório, que ficava bem abaixo da barragem, além de cidadãos da comunidade, em especial, de uma pousada próxima. Muitas famílias provavelmente nem conseguirão enterrar seus parentes devido à dificuldade ficar maior para se encontrar os corpos.
Em determinados locais, a lama atinge 15 metros de altura, e a insalubridade de mexer nela, devido à mistura de resíduos orgânicos e pesados contaminantes, se acentua. Os sobreviventes que foram socorridos jamais esquecerão esses momentos de desespero. Mais que danos materiais, a violência moral e psicológica é algo, que talvez, fique para sempre registrada como uma ferida, que pode reabrir a qualquer momento.
O pesar é dirigido a pessoas que tem nomes, rostos e histórias de vida que não podem ser esquecidos. Adnilson, Adriano Caldeira, Adriano Gonçalves, Adriano Wagner, Alaercio, Alano, Alex, Alexis, Amauri, Anailde, Anderson, André Luís, André Ferreira, Angelo Gabriel, Bruno Eduardo, Camila Aparecida, Camila Santos, Carlos Eduardo, Carlos Roberto, Carlos Roberto Silveira, Cláudio José, Daniel, David Marlon, Djener Paulo, Edgar, Eliandro, Fabrício, Flaviano, Francis, Jonatas, Leonardo, Marcelle, Marcelo, Maurício, Moisés, Renato, Robson, Wanderson, Wellington, Willian. A lista completa pode ser vista nesta reportagem do G1.
A invisibilidade também não pode atingir centenas de animais que desapareceram sob esse “tsunami”. Ver cenas de peixes agonizando e morrendo é algo marcante. Pelo menos 350 foram resgatados pelo e estão sendo tratados, segundo Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de MG, que montou uma estrutura voluntária de atendimento. São aves, bovinos, cães, equinos, gatos, bovinos, serpente, cágado, entre outros.
O que se vê é um trabalho extenuante e meritório, que além de profissionais de MG, reuniu outros de diferentes estados, como São Paulo, Bahia e Goiás. O registro é acompanhado por milhares de brasileiros nos noticiários, que se solidarizam. Enquanto isso, a lama de rejeitos tóxicos já seguiu por mais de 150 km até agora e deixa um rastro de morte ecossistêmica. A pergunta que fica: as barreiras que a Vale está colocando conseguirão deter o seu curso até a o São Francisco?
Municípios que dependem do Paraopeba se veem em situação de emergência quanto ao abastecimento de água. Esta condição é vivenciada por Pará de Minas. Ainda há mais cenários a vislumbrar nestes dias e anos seguintes para computar o efeito dessas perdas de ordem de comprometimentos físico, psicológico e ambiental.
O rio Paraopeba e outros afluentes estão sendo sufocados por uma grande carga de lama tóxica, um volume de cerca de 13 milhões de metros cúbicos, resultando na sua morte ecossistêmica. O grande receio das autoridades e especialistas é que a extensão do comprometimento atinja o rio São Francisco, após a barragem de Três Marias.
De acordo com o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM), a Agência Nacional de Águas (ANA), o Serviço Geológico do Brasil (CPMR) e a Copasa, já foram registradas concentrações de chumbo e mercúrio total 21 vezes maiores do que o limite permitido pelas normas ambientais, no rio Paraopeba. A Fundação SOS Mata Atlântica também está analisando vários trechos e já avaliaram que estão “mortos”, na altura de Pará de Minas, e continuam o monitoramento ao longo do rio.
A concentração de uma verdadeira tabela periódica tem aniquilado a vida de muitos desses rios ao longo dos anos. Um misto de rejeitos prejudiciais à saúde ambiental é encontrado: de alumínio, cádmio, chumbo, cobre, ferro, manganês, níquel, zinco, mercúrio, urânio, entre outros, com efeitos perversos de contaminação, que além dos efeitos imediatos, podem demorar anos para serem detectados nas comunidades do entorno, como também naquelas que se abastecem dos peixes e águas. Agora, o perigo ronda mais uma vez a Bacia Hidrográfica do São Francisco, e teve início no Córrego do Feijão, no rio Paraopeba.
A pressão sobre a Bacia Hidrográfica do “Velho Chico” é constante. Em 2011, foram realizadas duas pesquisas pelo Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que detectaram que em Três Marias, havia contaminação por metais pesados (como zinco, cádmio e cromo), lançados pela metalúrgica da extinta Companhia Mineira de Metais (CMM) a partir de 1969. A contaminação teria ocorrido por uma década no Córrego da Consciência. Somente no fim da década de 70, os rejeitos pararam de ser despejados, devido à construção de um dique pela empresa. À época, o geólogo Wallace Magalhães Trindade, responsável pela pesquisa com os sedimentos do rio, alertou que os rejeitos formam “um estoque de contaminação” pelos anos seguintes.
No ano de 2013, o Instituto Mineiro de Gestão Águas (Igam) apontou que oito (57%) dos 15 pontos de monitoramento do Rio São Francisco apresentavam níveis de agentes poluidores acima do tolerado pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama).
O rompimento da barragem 1 de contenção de rejeitos do Córrego do Feijão (alteamento à montante) e duas menores, em Brumadinho, construídas na década de 70 e que estavam desativadas desde 2015, abriu uma verdadeira “caixa de pandora” que reflete a falta de comprometimento exposto no contexto deste setor por décadas. Apesar se haver uma Política Nacional de Barragens, os fatos têm demonstrado o quanto a aplicação prática está longe do ideal.
A segurança da barragem é responsabilidade do empreendedor e a fiscalização (no caso da de rejeitos minerais) é do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), do Ministério de Minas e Energia. Já a de rejeitos industriais cabe ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) ou órgãos ambientais estaduais, a depender da emissão da Licença Ambiental. A Agência Nacional de Águas (ANA) monitora e está emitindo boletins sobre a ação dos rejeitos ao longo do rio.
O que fica evidenciado é que há vários atores envolvidos visto a dimensão dos comprometimentos atingirem cursos d´água, fauna e flora e outro aspecto que tem uma forte pressão: o que o setor representa no Produto Interno Bruto (PIB). No caso dos empreendimentos minerais (da extração ao destino de rejeitos), o licenciamento cabe, por muitas vezes, a um conjunto de órgãos, desde a esfera estadual à federal.
Agora a sociedade sabe que há na casa de 790 barragens de rejeitos em todo o país em operação e inativas pertencentes a diferentes empresas (há possibilidade de ultrapassar 800, segundo diferentes fontes) e somente 35 fiscais da Agência Nacional de Mineração (ANM) destinados a monitorar estes empreendimentos, entre outras atribuições.
Essas unidades integram as 24.092 barragens cadastradas, que têm outras destinações como abastecimento, irrigação e geração de energia, segundo relatório da ANA. Do total dessas barragens, somente 13.997 (ou 58%) possuem algum tipo de ato de autorização (outorga, concessão, autorização, licença, entre outros).
O mais impactante é que laudo técnico da empresa emitido (com participação de auditoria externa) em 2018 não a caracterizava como de alto risco, apesar de detectar problemas de drenagem e erosão o que está sendo investigado pelas autoridades policiais. No curso das investigações, foi divulgado que em “troca de e-mails”, dois dias antes, a Vale já sabia sobre problemas detectados na barragem. O que causa mais apreensão também é que segundo a ANM, somente 27% do total das barragens de rejeito no país haviam sido fiscalizadas no ano de 2017.
Mais um aspecto crucial: as sirenes de alerta (planos de emergência/evacuação) não haviam tocado, porque as pessoas que iriam acioná-las teriam sido dragadas pela avalanche de lama, conforme afirmou o próprio presidente da empresa. Há tantos questionamentos no curso da investigação, que fica difícil pontuar um a um em um só texto. Imagens feitas pela própria empresa, divulgadas na imprensa nos últimos dias, mostra o “tsunami” a partir das 12h28 do dia 25, que ao mesmo tempo parecia larvas de um vulcão num rastro de destruição. As pessoas impotentes não tinham por onde escapar.
De acordo também com a ANM, existem ao menos 88 unidades deste modelo ultrapassado e potencialmente perigoso de barragens de alteamento à montante, espalhadas pelo país, sendo que 43 têm “alto dano potencial associado”. Este tipo de construção tem a formação de degraus dentro do reservatório, e utiliza o próprio rejeito do processo de beneficiamento do minério. Um dos aspectos essenciais é a questão da drenagem.
No estado mineiro, seriam pelo menos 41 neste perfil (entre operação e inativas). Vale frisar que o descomissionamento das mesmas, de fato, só ocorre quando é totalmente esvaziada e/ou o material é transferido para outro local. Em Brumadinho, o passivo ambiental exposto a intempéries climáticas e outros, continuava lá.
Fabio Schvartsman, presidente da Vale, anunciou que fechará 10 barragens da empresa semelhantes à de Brumadinho, num prazo máximo de três anos., com investimentos na ordem de R$ 5 bi. A Justiça de Minas Gerais, até o final de janeiro, havia bloqueado R$ 11 bilhões da Vale, tanto para danos ambientais como para vítimas (ações discutíveis na Justiça). A empresa teria adiantado a doação (extra as indenizações a acertar) de R$ 100 mil a cada família das vítimas. Mais algumas questões a refletir: quanto valem (há cifras?) todas as vidas e ecossistemas perdidos e todas as demais externalidades provocadas. Por que essas ações não foram tomadas muitos anos antes?
O superintendente do Ibama no estado de Minas Gerais, Julio Cesar Dutra Grillo, tem declarado que todas as barragens de rejeito têm riscos e são perigosas. Em entrevista para o Globo, no último dia 6, ao ser perguntado, respondeu o seguinte:
“As estatísticas do Comitê Internacional de Barragens de Grande Porte mostram que as de montante causam 37% dos rompimentos; as a jusante, 11,5%; de centro, 4,7%. Outros 46,8% são por causas indeterminadas. Todas são perigosas, mas há solução para elas a não ser o seu fim”.
No Diário Oficial da União, do último dia 29 de janeiro, foi publicada a Resolução nº 1 do Governo Federal, que determina ações de fiscalização das barragens no país. A prioridade são as unidades classificadas como de dano potencial associado alto ou com risco alto. O rompimento mobilizou diferentes Ministérios, entre os principais: Casa Civil, Cidadania, de Minas e Energia, Desenvolvimento Regional, Meio Ambiente, da Mulher e Direitos Humanos, da Saúde (pastas da atual gestão).
Como esquecer? Três anos antes, exatamente em 5 de novembro de 2015, o rompimento da barragem de contenção de rejeitos da Samarco (controlada pela Vale e pela BHP Billiton), no subdistrito de Bento Rodrigues, Mariana, já havia atingido a Bacia do Rio Doce chegando ao litoral do Espírito Santo.
Principalmente a lama com 34 milhões de m3 de óxido de ferro e sílica, além de manganês e outros metais pesados percorreu 663,2 km. Detalhe: era também do modelo de alteamento a montante. Dezenove pessoas morreram. Os efeitos socioambientais permanecem até agora, de acordo com pesquisadores e autoridades, e centenas de famílias ainda aguardam a punição dos culpados, a retomada de suas vidas e a regularização da indenização quanto aos danos que sofreram, como a reconstrução do subdistrito pela Fundação Renova, criada para este fim.
E a apreensão, nestes dias que seguem, é quanto ao que pode ocorrer com a Bacia Hidrográfica do São Francisco em decorrência deste rompimento e de outros potenciais diante da fragilidade destas barragens expostas agora à toda sociedade brasileira e mundial.
Segundo Baskut Tuncak, relator especial das Nações Unidas para Direitos Humanos e Substâncias Tóxicas, o desastre exige que seja assumida responsabilidade pelo que deveria ser investigado como um crime. O Brasil deveria ter implementado medidas para prevenir colapsos de barragens mortais e catastróficas após o desastre da Samarco de 2015.
Muito além está em xeque os protocolos adotados pela indústria da mineração e a fiscalização em todo Brasil, que reflete na segurança da população e ecossistêmica, que não pode ser depreciada em função de comodities e lucro. Conforme Relatório Conjuntura dos Recursos Hídricos 2017 da ANA, a mineração é a indústria extrativa de maior consumo de água no Brasil e se concentra basicamente nos estados de Minas Gerais e Pará, que respondem por mais de 85% da demanda da mineração no país: o total retirado é de 32,8m3 /s.
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Rompimentos de barragens de rejeitos minerais revelam cenário de insegurança no país - Instituto Humanitas Unisinos - IHU