26 Julho 2024
"Vimos que as CEBs precisam resgatar seu protagonismo nas Lutas Populares, mas sem recair no identitarismo, pois Maquiavel dizia que dividir é ótima estratégia para dominar", escreve Frei Gilvander Moreira.
Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG.
Na cidade de Passos, Diocese de Guaxupé, no sudoeste de Minas Gerais, de 18 a 21 de julho de 2024, com cerca de 500 lideranças de CEBs (leigos/as, religiosos/as, padres e bispos), de todas as regiões de Minas Gerais, aconteceu o 9º Encontro Mineiro das CEBs, Comunidades Eclesiais de Base. Graciosamente as centenas de pessoas participantes do Encontro foram acolhidas e hospedadas em casas de famílias. “Fomos acolhidos/as e hospedados/as por famílias que não nos conheciam. Convivendo e dialogando, fizemos amizades. Só nas CEBs isto acontece: maravilha da caminhada na construção do reino de Deus”, disse uma cebiana me apresentando o casal que a tinha hospedado.
Várias equipes de serviço com pessoas voluntárias garantiram o êxito do Encontro: equipes de coordenação, animação, liturgia, secretaria, comunicação, limpeza, alimentação. “A comida está uma delícia, muito boa, feita em mutirão com muito amor. Aqui não tem jejum, é café da manhã, almoço, jantar e lanche nos intervalos”, vários diziam.
“Mesmo tendo viajado quase 30 horas para chegar a Passos, saindo lá de Santo Antônio do Jacinto, no Baixo Jequitinhonha, viemos com muita alegria, acolhendo irmãos e irmãos em várias paradas. Almoço e janta sempre em uma Comunidade na beira da estrada”, anotou com alegria uma cebiana do povo do Vale do Jequitinhonha.
O Tema do IX Encontro Mineiro de CEBs foi “CEBs e Lutas Populares”, e o Lema “Caminhando juntos na luta por Terra, Teto e Pão”, embalados/as pela utopia profetizada por Maria, a Mãe de Jesus e nossa mãe: “Derrubando do trono os poderosos e elevando os humildes” (Lc 1,52).
Após análise sobre o Tema e o Lema, muito bem apresentados pelo Padre Paulo Adolfo e pela irmã Virma Barion, a reflexão e a troca de experiência seguiram em 13 Oficinas: 1) CEBs e Direitos Humanos; 2) CEBs e Combate à Fome; 3) CEBs e Comunicação não violenta; 4) CEBS X Mineração; 5) CEBs, Agroecologia e Ecologia Integral; 6) CEBs e Economia Solidária de Francisco e Clara; 7) CEBs, Religiosidade Popular e Liturgia em função de uma espiritualidade popular; 8) CEBs, Ecumenismo e Diálogo Interreligioso; 9) CEBs e Mobilização Popular (Luta de classes); 10) CEBs e Juventudes; 11) CEBs e a luta das Mulheres; 12) CEBs e Coleta Seletiva; 13) CEBs e Pacto Educativo proposto pelo papa Francisco.
Em todas as Oficinas o tema CEBs e Lutas Populares foi aprofundado. Reafirmamos que é preciso priorizar o B de CEB, que é base eclesial, os leigos/as que devem ser protagonistas e não serem subservientes ao clericalismo que insiste em impor relações de poder piramidal e autoritário. Foi evidenciado que o clericalismo é idolatria, um desvio brutal de padres que ao invés de serem servidores do povo, exigem que sejam servidos, enquanto ficam no alto de posturas arrogantes. Base também diz respeito à base da sociedade escravocrata, o que implica pôr em prática opção de classe, opção pelos injustiçados/as. Viver em comunidade, lutar juntos por direitos ao lado dos Movimentos Populares, eis o rumo certo das CEBs. Buscar unidade, sim, mas sem perder a opção pelos pobres. No “Concílio de Jerusalém”, a Assembleia de Jerusalém na narrada em At 15,1-35 e em Gal 2,1-10, se constrói a unidades das igrejas, mas a partir da superação do grande tabu que tinha se tornada a circuncisão. Foi a partir da igreja da periferia da grande cidade de Antioquia que exigia a superação da circuncisão que se costurou unidade e não em aliancismo entre “gregos e troianos”.
Nos primeiros 30 anos dos seus 70 anos, as CEBs foram reconhecidas como “sementeiras de Movimentos Populares”, se tornando imprescindíveis na organização do Partido dos Trabalhadores, do sindicalismo combativo e na criação do MST e dezenas de outros Movimentos Populares, mas lamentavelmente durante os 34 anos de pontificados de João Paulo II e Bento XVI (de 1978 a 2013), as CEBs foram asfixiadas com o fomento de movimentos religiosos espiritualistas, fundamentalistas e moralistas. Uma multidão de pessoas católicas e de outras igrejas cristãs foram empurradas e jogadas no colo da extrema direita política, que é idolátrica, pois usa em vão o nome de Deus e abusa de versículos bíblicos para difundir discriminação, preconceitos, homofobia, aporofobia e políticas de mortes.
Vimos que no seio da população há povo e massa. Povo tem um projeto popular de sociedade, é autônomo e busca pôr em prática as três emblemáticas metáforas do evangelho: ser sal, fermento e luz. Necessário observar que o sal incomoda a comida, o fermento incomoda a massa e, por isso, a faz crescer. A luz incomoda as trevas. Ao incomodar, gera perseguição. Por isso, os profetas e profetisas são perseguidas. Em uma sociedade brutalmente injusta e violenta como a sociedade ultracapitalista no Brasil, quem não está incomodando os opressores não está sendo fiel ao evangelho de Jesus Cristo.
Vimos que as CEBs precisam resgatar seu protagonismo nas Lutas Populares, mas sem recair no identitarismo, pois Maquiavel dizia que dividir é ótima estratégia para dominar. Logo, as lutas pela superação do racismo, da homofobia, do patriarcalismo ... não podem se reduzir a lutas pela afirmação identitária, mas precisam questionar a causa maior que é a opressão de classe movida pela elite econômica, política e religiosa que sequestram em propriedade privada capitalista os meios de produção. No Brasil, o grande capital superexplora o trabalhador aprisionando e sequestrando a terra, como já denunciado pelo sociólogo José de Souza Martines no livro O Cativeiro da Terra, de leitura imprescindível. Enquanto não se fizer reforma agrária popular e não demarcar todos os Territórios dos Povos Originários (Indígenas) e dos Povos e Comunidades Tradicionais, não é possível superar a brutal injustiça urbana e ambiental que se reproduz cotidianamente no Brasil. Portanto, as CEBs devem se comprometer com a luta por Justiça Agrária ao lado dos sem-terra, dos indígenas, quilombolas e todos os outros Povos Tradicionais.
Vimos que a missão de Jesus Cristo pode ser dividida em duas partes. Na primeira parte, Jesus priorizou a ternura, a compaixão, a misericórdia. A coluna mestra era a solidariedade, fase dos milagres e da convivência no meio do povo. Mas após a chamada crise galilaica (Mc 8,27-33), Jesus fez análise da realidade e descobriu que não podia restringir sua atuação apenas no cuidado das pessoas injustiçadas, mas deveria atacar as causas da fome, da paralisia, da cegueira... Aprofundando a missão, Jesus, na 2ª parte dos evangelhos, via de regra, prima por lutar por justiça. Denuncia o governador Herodes como Raposa, comedor de sangue dos pobres; os saduceus, os que se apropriavam das terras, como hipócritas e falsos. Por lutar por justiça, Jesus foi condenado à pena de morte pelos chefes dos poderes econômico, político e religioso. Logo, as CEBs precisam seguir integralmente a missão de Jesus: solidariedade e luta por justiça. É erro teológico e pastoral grave restringir nossa atuação apenas à solidariedade. O bom pastor não somente cuida das ovelhas, mas, após libertá-las dos currais (Jo 10), as convida para campo aberto, onde enfrenta os lobos ferozes que insistem em agredir e violentar as ovelhas.
Sigamos a caminhada e as lutas populares por direitos, inspirados/as pelo Evangelho do jovem mártir Jesus Cristo e pelo Papa Francisco, em uma Igreja em saída e sinodal, lutando coletivamente por condições objetivas de vida digna com Terra, Teto, Trabalho, Tecnologia para todos e todas, e na certeza de que realizaremos a utopia de Deus: “Derrubar do trono os poderosos e elevar os humildes” (Lc 1,52). E precisamos apressar o passo na luta pela superação do capitalismo, pois as sirenes da Emergência Climática estão gritando de forma estridente. Eventos extremos cada vez mais frequentes e letais estão acontecendo com tendência a piorar muito. Estudos da NASA mostram que o Brasil pode ficar inabitável em 50 anos, ou seja, até 2074, por causa das mudanças climáticas que apontam nosso país como áreas do planeta Terra que mais quente ficarão, tornando a vida humana e de muitas outras espécies impossível.
Obs.: As videorreportagens no link, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.
1 – Ezequiel, que tipo de Profeta e de Sacerdote? E nós? Vem aí o mês da Bíblia 2024
2 – Ezequiel: a glória de Javé com os deserdados da terra? - Mês da Bíblia 2024
3 - Um Tom de resistência - Combatendo o fundamentalismo cristão na política
4 - Bíblia: privatizada ou lida de forma crítica libertadora? Por frei Gilvander, no Palavra Ética
5 - Deram-nos a Bíblia. “Fechem os olhos!” Roubaram nossa terra. Xukuru-Kariri, Brumadinho/MG.
6 - Bíblia, Ética e Cidadania, com Frei Gilvander para CEBI Sudeste
7 - CEBI: 43 anos de história! Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos lendo Bíblia com Opção pelos Pobres
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CEBs resgatando compromisso com as Lutas Populares. Artigo de Frei Gilvander Moreira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU