09 Abril 2021
“É mais fácil imaginar o fim do mundo que o fim do capitalismo”, escreveu o filósofo Fredric Jameson. Desde que, com a queda da União Soviética, o mundo deixou de se dividir entre capitalismo e comunismo, vivemos, salvo pequenas exceções, em um planeta onde o sistema capitalista não tem rival. Ficaram para trás as profecias da esquerda que, a partir de Karl Marx, consideravam que o capitalismo estava grávido do germe de sua própria destruição.
A reportagem é de Sergio C. Fanjul, publicada por Forbes España, 08-04-2021. A tradução é do Cepat.
A Revolução não chegará – ou já passou – e a imaginação parece esgotada para oferecer alternativas. Apesar de tudo, cada vez mais vozes começam a considerar necessário, ou inevitável, que o capitalismo evolua para novas formas que superem os problemas que ameaçam o modelo e a própria civilização. O que vem depois?
“Somos muitos os que vemos que esta forma de capitalismo não é mais sustentável”, afirmou Klaus Schwab, diretor do Fórum Econômico Mundial de Davos, que em sua edição de 2020 se concentrou, precisamente, em encontrar uma saída realista ao atoleiro em que o capitalismo está hoje, em busca de um modelo mais justo e sustentável.
Falou-se, por exemplo, do cumprimento do Acordo de Paris, da Agenda 2030 e do stakeholder capitalism (capitalismo das partes interessadas), onde esses stakholders não são apenas os acionistas que compartilham os dividendos, mas os trabalhadores, os clientes, os provedores e as comunidades locais. Impostos justos, respeito à concorrência e aos direitos humanos, eliminação da corrupção. Um capitalismo que beneficie a todos e que resulte em progresso, saúde e bem-estar para a sociedade em seu conjunto.
Nos últimos dois milênios, os sistemas socioeconômicos tiveram uma duração de 240 a 250 anos. Caso essa regra continue, o capitalismo acabará em algum momento entre os anos 2060 e 2070, segundo Santiago Niño-Becerra, professor de Estrutura Econômica da Universidade Ramón Llull. “Essa mudança demonstrará que os princípios filosóficos sobre os quais o capitalismo se baseou mudaram porque deixaram de ser úteis à dinâmica histórica”, explica o economista, que publicou recentemente, pela editora Ariel, o livro Capitalismo: 1679-2065.
A ideia de esgotamento do capitalismo ganhando as ruas. Quatro em cada dez espanhóis opinaram que o capitalismo é incompatível com a democracia, segundo uma pesquisa realizada em 2018 pela agência 40dB. Os poderes econômicos globais estão assumindo o controle que diziam respeito aos cidadãos, e muitos percebem que não era isto o combinado.
Haverá mudanças, sim, mas não radicais. O que acontecerá terá suas raízes no presente. De alguma maneira, ainda que em germinação, a mudança já está em marcha, nota-se nas formas de trabalhar, de consumir, de distribuir, de competir e de cooperar. Na previsão de Niño-Becerra, não muito auspiciosa, a classe média continuará em declínio, assim como o fator trabalho frente ao capital, a propriedade cederá espaço ao pagamento pelo uso, as corporações substituirão gradativamente as funções do Estado.
“A democracia, uma invenção da burguesia do século XIX, e muito vinculada ao indivíduo, retrocederá diante do avanço da tecnocracia e a conveniência na aplicação de normas que, em muitas ocasiões, significarão a diminuição da liberdade e a privacidade pessoais”, disse o economista.
É claro, existem outros caminhos possíveis para consertar as linhas tortas do sistema presente. “O atual capitalismo financeiro alcançou grandes êxitos, como a criação de uma classe média global e um aumento muito relevante da prosperidade e a liberdade”, explica Juan Costa, ex-ministro de Ciência e Tecnologia sob o governo de Aznar, também ex-secretário de Estado de Fazenda e de Comércio Internacional e Cooperação.
Mas gera grandes problemas: a destruição do meio ambiente e a falta de confiança gerada pela crescente desigualdade. A polarização política e a ascensão dos populismos geram, por sua vez, essa falta de confiança. “Cada vez há mais pessoas que sentem que este sistema não lhes beneficia”, disse Costa.
Em seu recente livro Multi-capitalismo (Deusto), Costa propõe um novo capitalismo que não leve em conta apenas o capital financeiro, mas outros três tipos de capital. Por exemplo, o intangível, que se refere a todos esses valores das empresas que não aparecem nos livros de contabilidade, como a cultura empresarial, o compromisso dos empregados, a reputação e a capacidade de inovação. Segundo o índice S&P 500, em 2015, 85% do valor das empresas já dependia desse tipo de capital. Quarenta anos antes, a situação era a inversa.
Os outros dois capitais a incluir em cálculos empresariais e políticas públicas são o ecológico e o social. “Todos eles colaboram na criação de prosperidade”, destaca o especialista. O PIB, por exemplo, cada vez é menos útil na hora de medir a prosperidade de um país. Uma catástrofe natural, que destrói capital ecológico, pode colaborar para aumentar este índice por meio da atividade econômica que gera a reconstrução após a passagem de um furacão.
Já se percebem sinais que precedem a mudança. O economista Emilio Ontiveros, presidente de AFI (Analistas Financeiros Internacionais) e autor do livro Excesos: Amenazas a la prosperidad global (Planeta) destaca alguns: BlackRock, o maior investidor do planeta, anunciou que não iria comprar ações de empresas que não estivessem explicitamente comprometidas em reduzir a pegada de carbono. “Além disso, o poderoso lobby estadunidense Business Roundtable já disse que está acabando aquela ideia de Milton Friedman que dizia que a única coisa importante em uma empresa é alcançar o máximo lucro para os acionistas”, explica o economista, “e tudo isto não ocorre porque são irmãzinhas da caridade, mas porque é mais rentável, gera mais valor para a empresa”.
Embora o modelo do multicapitalismo confie no mercado e no capital ecológico para resolver os problemas ambientais, outra forma de lidar com a Mudança Climática é a do ambicioso Green New Deal, em cujo nome ressoam os ecos do New Deal com o qual o presidente F. D. Roosevelt buscou atenuar a Grande Depressão. Como aquele, propõe uma forte intervenção estatal: inclui uma maior regulamentação da economia, uma revisão da tributação, o investimento do Estado em energias renováveis, a eliminação das emissões de CO2 e a criação de postos de trabalho na economia sustentável. Em resumo, não alcançar o progresso ao mesmo tempo que se cuida do meio ambiente, mas fazer com que o cuidado do meio ambiente seja o motor do progresso.
Nem sempre o capitalismo foi como hoje o experimentamos. O início do atual capitalismo de corte financeiro e neoliberal costuma ser datado nos anos 1980, com a ascensão ao poder de Ronald Reagan e Margaret Thatcher, que iniciam uma época de desregulamentações financeiras, privatizações, perseguição ao poder sindical e elogio ao individualismo no qual ainda continuamos.
Antes, a partir da Segunda Guerra Mundial, houve um longo período de capitalismo de corte social-democrata e keynesiano, conhecido como os Trinta Gloriosos. Anos em que se compaginou um forte crescimento com o estabelecimento do Estado de Bem-Estar. Há quem atribui este fenômeno ao fato de terem sido tempos em que prevalecia mais a ética, há quem o atribua ao poder sindical e dos partidos de esquerda, e à ameaça soviética, que oferecia uma alternativa plausível aos trabalhadores ocidentais.
O crescimento econômico servia de base para este sistema: “As classes altas estavam dispostas a ficar com um pedaço menor do bolo, pois o bolo era cada vez maior”, escreve o sociólogo César Rendueles em Contra la igualdad de oportunidades (Seix Barral). A crise do petróleo chegou nos anos 1970 para inviabilizar tudo. Então, conclui Rendueles, “os ricos deixaram de se conformar com a porção que lhes correspondia de um bolo que tinha parado de crescer”.
Estamos nisso. Nos últimos anos, vimos como as elites foram acumulando maior riqueza e aumentando a distância do resto da população. O 1% que se enriquece à custa dos 99% da população, segundo um slogan que fez sucesso nos tempos de indignação global do Occupy Wall Street e o 15M.
O professor de Economia da Oxford, Paul Collier, é um dos que qualificam aquele capitalismo como mais ético, e é nostálgico de um mundo mais comunitário, mais solidário e menos individualista e cruel. Em seu livro O futuro do capitalismo: enfrentando as novas inquietações (L&PM), explica como a mudança tecnológica unida à globalização da produção desvalorizou o trabalho, gerando incerteza e desespero e encorajando os populismos.
Propõe medidas pragmáticas para reparar este capitalismo arruinado, para retornar ao mundo ético, às boas práticas empresariais que redistribuam os lucros e deem poder de decisão aos trabalhadores. Os bons trabalhos também tornam as empresas mais rentáveis. Propõe uma tributação progressiva e incide no âmbito das metrópoles, que deixa para trás as pequenas cidades e o campo. É preciso taxar mais os proprietários de terrenos e moradias da cidade e os profissionais altamente qualificados que trabalham nela. A cidadania e a família éticas deverão estar baseadas na responsabilidade e nas obrigações mútuas para além da coexistência.
Há também aqueles que apontam que a utopia capitalista do pós-guerra, com grandes taxas de redistribuição da riqueza, não chegou a existir completamente, mesmo que muitos a recordem assim. Prova disso é que também foram anos de descontentamento social: a juventude se rebelou nos anos 1960 contra a obscuridade, a uniformização e a moral intelectual. Uma série de guerrilhas terceiro-mundistas e grupos terroristas europeus colocaram em xeque o sistema em busca da revolução. Branko Milanović é desta opinião: “Não é possível avançar olhando para um modelo passado e irrecuperável, que nem sequer foi tão bom”.
Milanović, autor do recente livro Capitalismo sem rivais (Todavia), destaca que, embora o capitalismo hoje seja o único sistema, possui duas vertentes: o capitalismo meritocrático liberal, o modelo ocidental, e o capitalismo político, o modelo asiático liderado pela superpotência chinesa. O que mais preocupa Milanović é o aumento da desigualdade, não entre os países, mas entre as classes sociais, dentro de cada país.
Para superar esta lacuna, colocar o sistema em dificuldades e forjar o capitalismo do futuro, propõe algumas medidas: vantagens fiscais para a classe média; aumento dos impostos para as rendas mais altas e as heranças, para reduzir a concentração de riqueza nas mãos dos ricos; melhora no financiamento e na qualidade da educação pública; campanhas políticas financiadas publicamente e com rigorosos limites para evitar que os mais poderosos controlem estes processos; e uma “cidadania leve”, que flexibilize a migração e atenue a reação nacionalista. “São medidas relativamente simples”, escreve o economista.
Pós-capitalismo é o nome que o jornalista britânico Paul Mason dá ao sistema econômico que está por vir. “Em primeiro lugar, salvamos a globalização nos desfazendo do neoliberalismo, depois, salvamos o planeta (e, de passagem, salvamos a nós mesmos do poço do caos e da desigualdade) indo além do próprio capitalismo”, segundo relata em seu livro Pós-capitalismo (Companhia das Letras).
O capitalismo perdeu sua capacidade de se adaptar às novas realidades geradas pela explosão tecnológica e precisa de uma transformação. O modelo proposto já tem sua semente plantada no modelo atual: baseia-se no fim do trabalho, que a própria tecnologia pode alcançar, na eliminação dos monopólios da informação e na expansão da produção colaborativa, tudo com a participação tanto do Estado como do mercado.
Por sua parte, os pensadores do Movimento Aceleracionista, liderados por Alex Williams e Nick Srnicek - por exemplo, no livro Inventar el futuro, poscapitalismo y el fin del trabajo, publicado por Malpaso -, também incidem em renunciar às mudanças revolucionárias (rotulam certas atitudes da história, baseadas em altercações e manifestações, como inúteis, parte de uma “política folk”) e alcançar a superação do capitalismo com a aceleração radical de sua própria tecnologia.
Consideram que a política atual é imobilizadora e não consegue se adaptar a tempos cada vez mais mutáveis: “Enquanto a crise acelera e se reforça, a política desacelera e enfraquece. Nesta paralisia do imaginário político, o futuro fica anulado”, diz o Manifesto por uma política aceleracionista. No futuro que propõem, a sociedade pós-trabalho que a tecnologia pode produzir, libertando-nos da maldição do trabalho, também precisará de uma poderosa Renda Básica Universal.
Claro, a partir de muitas posturas ideológicas de esquerda, afirma-se a impossibilidade da coexistência do sistema capitalista com a sobrevivência do planeta, e alerta-se de que se houver um pós-capitalismo, será no planeta devastado, de aspecto distópico, que sucederá a algum colapso mundial próximo.
Não é uma posição descabida vendo as lentas inércias e interesses que é preciso contornar para mudar nada menos que o sistema econômico mundial, enquanto não se detém a contagem regressiva para o desastre ecológico e social. Mas Ontiveros destaca que muitas das vozes que pedem uma reforma do capitalismo não vem necessariamente da esquerda: “Não são social-democratas ou marxistas, são defensores do sistema, mas capazes de enxergar com luzes de longo alcance, que avistam que o imediatismo deste capitalismo selvagem não pode levar a um bom destino”.
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O capitalismo morreu, viva o capitalismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU