26 Julho 2024
"Aos olhos de Nagai, os sobreviventes de 1875, assim como os de 1945, encarnam a resiliência daqueles que têm razões espirituais acima de todas as contingências; daqueles que têm sede de espiritualidade na devastação", escreve Marco Ventura, professor de Direito canônico e eclesiástico da Universidade de Siena, em artigo publicado por La Lettura, 07-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Takashi Paolo Nagai começou a escrever no início de abril de 1951 e terminou o volume em 22 do mesmo mês. Apenas três dias depois, uma violenta hemorragia intra-articular paralisou completamente seu braço direito; morreu no 1º de maio seguinte, aos 43 anos de idade. Aquele livro, publicado postumamente no Japão em 1952, acaba de ser disponibilizado na Itália pelas Edizioni San Paolo (Il Passo della Vergine, org. de Gabriele Di Comite, também autor da introdução e da tradução, com um apêndice fotográfico e cronológico).
Convertido ao cristianismo na década de 1930, Nagai era muito ligado à história das perseguições anticatólicas no Japão, particularmente à última onda que coincidiu com o fim do xogunato Edo e o início da era Meiji, entre 1865 e 1875. Naqueles anos marcados pelo braço e ferro com as potências ocidentais, as autoridades japonesas perseguiram especialmente a comunidade cristã de Urakami, um grupo de vilarejos três quilômetros ao norte de Nagasaki, convertidos em massa na segunda metade do século XVI e capazes de conservar por séculos, na clandestinidade, a fé levada por Francisco Xavier. Para obter sua abjuração, aqueles rudes camponeses vendidos à falsa religião dos estrangeiros - era assim que as autoridades os viam - foram deportados, detidos em condições desumanas, torturados e submetidos à doutrinação de mestres do xintoísmo. Nagai conta especialmente a história de 37 cristãos confinados perto da passagem montanhosa de Tsuwano e que morreram ali sem abjurar, depois de resistir às torturas em nome da Virgem Maria. Disso vem a origem do título ao livro, o Passo da Virgem, Otome Toge, e o subtítulo História dos Mártires Cristãos de Tsuwano.
As Edizioni San Paolo enviaram a obra às livrarias no momento em que lançam uma série dedicada à espiritualidade contemporânea. Retomada de uma iniciativa de 2012, a nova Buc (Biblioteca Universale Cristiana), começa com seis títulos que já haviam sido publicados anteriormente, em momentos diferentes, pela mesma editora e assinados pelos cardeais Angelo Comastri e Gianfranco Ravasi, pelo monge biblista Enzo Bianchi e também por Luigi Maria Epicoco, Ermes Ronchi e Gaston Courtois. Em seu prefácio de Il Passo della Vergine, o bispo de Hiroshima, Mitsuru Alexis Shirahama, define o último livro de Nagai como "seu testamento espiritual", repleto de uma "fé apaixonada" e "confiança em Deus, que atua por meio daqueles que são aparentemente fracos e pequenos para levar o bem ao mundo inteiro".
Assim como em Nagai, a preocupação com uma resposta espiritual ao homem está no centro da nova série. O diretor editorial das Edizioni San Paolo, padre Simone Bruno, explica ao 'la Lettura' como o projeto nasceu de baixo, a partir da escuta de uma demanda generalizada por espiritualidade, acolhida também pelas publicações do Grupo Editorial San Paolo, como a 'Famiglia Cristiana': “Muitas pessoas nos escrevem, entram em contato e, a partir daí, projetamos de baixo para cima. A série nasce, assim, do encontro com as “exigências” e as “necessidades das pessoas”, continua o Padre Simone Bruno, e, portanto, "do nosso papel e da nossa responsabilidade de interceptar as feridas e as dores da existência atual". A metáfora corporal usada pelo diretor editorial - as feridas, as dores - é significativa do tipo de espiritualidade proposta pela série. Os autores são narradores e testemunhas que "costuram" juntos, com o termo por ele utilizado, a própria dimensão experiencial e espiritual. É uma espiritualidade encarnada, a que está em questão, inspirada pela fé no Deus que se fez carne e na alternativa para um mundo, especialmente o mundo ocidental, que se esqueceu do corpo. Essa sensibilidade permeia todos os aspectos, desde a fisicalidade do livro, o cuidado com sua materialidade, até a inovação editorial que, de modo mais geral, levou, entre 2023 e 2024, à reformulação dos periódicos do Grupo Editorial San Paolo.
A espiritualidade encarnada da nova Biblioteca Universal Cristã passa, então, pelo recurso constante à metáfora corporal. Somente os doentes se curam, o título do volume de Luigi Maria Epicoco, ecoa as palavras de Jesus, que veio para os doentes e não para os saudáveis. Os Corações inquietos do Cardeal Ravasi são aqueles dos jovens, hoje como nos tempos da Bíblia. Em seu volume, Gaston Courtois resume sua experiência de contemplação e oração no coração, no falar ao coração e na escuta com o coração. Dos cadernos preenchidos "quase sob o ditado do Senhor", a curadora Agnès Richomme selecionou as páginas que compõem Quando o Mestre fala ao coração, publicado postumamente na França em 1976. A metáfora, no entanto, só se aplica porque a espiritualidade é, de fato, realmente uma questão corporal. Fazem referência à integralidade da existência a "sede de espiritualidade" com a qual o Padre Simone Bruno resume a pergunta a que as Edizioni San Paolo tentam responder, e ao próprio "hospital de campanha" que a Igreja aspira ser, de acordo com a imagem usada em 2013 pelo Papa Francisco.
Crucial são aqui os livros de Takashi Paolo Nagai e toda a sua existência, narrada na obra autobiográfica Ciò che non muore mai. Il cammino di un uomo, publicado no ano passado sempre pelas Edizioni San Paolo, com prefácio do padre Mauro Giuseppe Lepori e, também nesse caso, a curadoria de Gabriele Di Comite, que também assina a introdução e a tradução. No dia da segunda bomba atômica, 9 de agosto de 1945, Takashi Paolo Nagai está em seu posto médico no hospital de Nagasaki, na área de Urakami, a comunidade que permaneceu católica apesar da perseguição.
Já debilitado por uma grave leucemia contraída durante as suas pesquisas em radiologia, Nagai sabe que lhe restam apenas alguns anos de vida. Ele sobrevive à explosão atômica, embora gravemente ferido, graças ao concreto armado do prédio do hospital. Quando consegue voltar para sua casa, não muito longe dali, encontra em cinzas o prédio e o corpo de sua esposa. Já imobilizado, passa seus últimos anos em uma cabana de quatro metros quadrados, e escreve, "no meio do descampado atômico varrido pelo vento", com seus dois filhos ainda vivos. Se a bomba atômica caiu justamente sobre Urakami, berço do cristianismo japonês, declara escandalizando muita gente, é porque o fim da guerra tinha que coincidir com mais um sacrifício de cristãos. Ele passa os anos que lhe restam escrevendo primeiro sua autobiografia, publicada em 1948, e depois Il Passo della Vergine.
Na resistência dos corpos e dos espíritos após a destruição, lhe parece ressoar a resistência que se seguiu ao fim da perseguição décadas antes. “Uma dezena de idosos sobreviventes da bomba atômica, escreveu ele em 1951 – ainda hoje se lembra de como eram as condições nas aldeias" na época em que os sobreviventes perseguidos voltaram para suas terras em estado de total abandono; aqueles idosos contam "que o espetáculo era semelhante ao do descampado atômico um ano após a devastação, quando as ervas daninhas já proliferavam por toda parte".
Aos olhos de Nagai, os sobreviventes de 1875, assim como os de 1945, encarnam a resiliência daqueles que têm razões espirituais acima de todas as contingências; daqueles que têm sede de espiritualidade na devastação.
Até mesmo um pequeno livro pode constituir, para quem escreve e para quem lê, um sinal de resistência testemunhada no corpo e no espírito. Após a morte de Nagai, seus amigos deduziram o sofrimento que aquela provação extrema de escrita havia exigido dele a partir dos muitos erros contidos no último manuscrito; eles sabiam o quanto o autor amava a arte da caligrafia e compreenderam, a partir da imperfeição dos ideogramas, o quanto buscasse a perfeição do espírito.