27 Mai 2024
"É necessária uma nova resistência capaz de despertar o povo para que não sonhe com um seu único intérprete no poder, mas uma arquitetura sempre capaz de acrescer a democracia", escreve o monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Repubblica, 20-05-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Não são tempos bons, marcados por uma convivência alimentada pela confiança mútua, pela esperança, onde a vida social é marcada pela busca de legalidade, justiça e democracia.
Somos testemunhas de uma vulgarização das relações, de uma grosseria de quem exerce funções nas instituições e da mediocridade que se espalha entre as pessoas. Não é um clima de leveza, mas de peso insustentável, deteriora a qualidade da vida pessoal e social. À essa sonolência da responsabilidade social parece não ser possível opor um esforço educativo, um protesto. Fala-se de resistência, mas não se é capaz de uma verdadeira práxis de resistência que necessita não só de indignação, mas de uma insurreição das consciências. A vulgarização se espalha “entre o povo”, a ponto de impedir que seja o sujeito da responsabilidade. Mas só a responsabilidade pode permitir o caminho para a democracia.
Assim, “o povo” pode ser usado e a “vontade popular” pode preferir delegar tudo a um líder, a instituições autoritárias, na ilusão de aceder à ordem social que garantiria a prosperidade.
A autêntica qualidade da vida social requer, em vez disso, um sentido da responsabilidade pessoal, seu exercício subjetivo que implica a vigilância para que sejam afirmadas justiça, legalidade, igualdade. Mas de onde nascem os impedimentos à responsabilidade pessoal numa sociedade no qual a democracia se torna fraca? Em primeiro lugar, da veneração da tradição e da tentativa de restaurá-la. É o recurso aos chamados valores: Deus, pátria, família... Evocá-los é uma tentativa de fazer ressurgir autoritarismos e a ordem social que caracteriza todo fascismo. Deus não precisa ser invocado como regente da nossa vida na polis: isso diz respeito a nós, humanos, e Deus fica silencioso para nos deixar livres nas nossas escolhas. Nós, cristãos, não sentimos a pátria como uma terra só nossa, porque cada terra para nós é pátria e a nossa pátria deveria ser terra aberta a todos, sem muros, sem transformar o mar que a rodeia num cemitério.
Quanto à família, hoje sabemos ler também as violências de que ela antigamente se alimentava e acolhemos a diversidade, que não corresponde mais ao modelo patriarcal do passado.
Por trás do culto e da saudade da tradição existe o grande medo da diferença, de quem não aparece consoante com o modelo dominante: um medo que tem a pretensão de legitimar a aversão e a hostilidade em relação aos imigrantes que deveriam ser mandados de volta para as suas terras de fome e de guerra. Em relação aos muçulmanos que se reúnem para rezar e gostariam de uma mesquita. Em relação a pessoas com outra orientação sexual. O que é outro, diferente, em nome do medo deve ser excluído, assim como deve ser excluída a possibilidade de chegar a uma Europa plural, que seria mais capaz de garantir democracia.
Por isso é necessária uma nova resistência capaz de despertar o povo para que não sonhe com um seu único intérprete no poder, mas uma arquitetura sempre capaz de acrescer a democracia.
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Uma nova resistência. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU