16 Julho 2024
As reticências do passado, as posições recentes assumidas pelo bispo excomungado: destaques humanos nos muitos pequenos Viganòs que habitam a Igreja. Há resistências generalizadas e tenazes em muitas instituições eclesiais.
A opinião é de Alberto Varinelli, padre italiano, em artigo publicado em La Barca e Il Mare, 10-07-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Dicastério para a Doutrina da Fé, com a acusação de ter praticado um ato cismático, impôs a pena máxima prevista no Código de Direito Canônico, ou seja, a excomunhão latae sentenciae, a Dom Carlo Maria Viganò, arcebispo de 83 anos, ex-núncio apostólico nos Estados Unidos. Até aqui, nada de novo debaixo do sol.
Um homem da Igreja, até mesmo arcebispo e representante do papa como diplomata, que definiu o Concílio Vaticano II como “o câncer ideológico, teológico, moral e litúrgico do qual a Igreja sinodal bergogliana é a metástase necessária”, chegando a definir o papa como “falso profeta”, excluiu-se efetivamente da comunhão com a Igreja Católica.
O documento que contém a decisão do Vaticano parece-me não fazer nada mais do que reconhecer essa escolha e tirar as consequências disso em nível canônico.
Dito isso, o que essa história diz para mim, pároco, e para o nosso povo? Podemos ficar tranquilos, porque “Roma locuta, causa finita” e ainda mais porque nós, que estamos trabalhando nos centros recreativos de verão e estamos preocupados em encontrar catequistas e educadores de adolescentes para o próximo ano, pouco nos interessamos pelas questões internas do Vaticano, ou não?
Ora, sem nos enlouquecermos com as faixas vermelhas, com as púrpuras cardinalícias e com as mitras episcopais, creio que o caso nos diz respeito e deve nos fazer refletir, porque o que está em jogo é o bem da Igreja.
A questão que me faz pensar é esta: o senhor Carlo Maria Viganò proferiu tais declarações cismáticas recentemente, quando já estava aposentado. Não creio, contudo, que esses sejam os desdobramentos mais recentes de seu pensamento. Francisco é papa desde 2013, e o Concílio Vaticano II terminou em dezembro de 1965.
Ora, com uma simples leitura da biografia do ex-arcebispo, nota-se que ele foi ordenado presbítero para a Diocese de Pavia em 1968, após, portanto, o término do Concílio. Qual era o pensamento dele sobre o Concílio naquela época?
Antes de sua ordenação diaconal e presbiteral, ele jurou crer naquilo que a Igreja Católica crê e permanecer fiel ao que ela afirma em seu magistério. Então, ele jurou falsamente?
Suponhamos que, naquela época, ele estivesse convencido do que estava fazendo e só mais tarde mudou de ideia. Ao longo dos anos, ele se formou como diplomata da Santa Sé (deve ter estudado ainda melhor o Concílio e o magistério da Igreja, não?), foi observador permanente da Santa Sé no Conselho da Europa, e, em 1992, o Papa João Paulo II nomeou-o núncio apostólico na Nigéria, elevando-o, ao mesmo tempo, à dignidade de arcebispo e o ordenando-o pessoalmente na Basílica de São Pedro.
Viganò tinha 51 anos: o que ele pensava, então, do Concílio? Aquilo que ele afirma agora? No entanto, ele permaneceu em silêncio sobre seus verdadeiros pensamentos, porque a nomeação episcopal estava em jogo. E, aos 68 anos, quando se tornou secretário de Governatorado do Estado da Cidade do Vaticano, um papel muito importante, o que ele pensava sobre o Concílio? E como núncio apostólico nos Estados Unidos?
A minha convicção pessoal é que o senhor Viganò, um tradicionalista radical, sempre pensou que o Concílio era um câncer para a Igreja, pondo-se efetivamente fora da comunhão da Igreja, mas sempre afirmou e jurou o contrário, porque sabia que tinha a possibilidade de fazer uma grande carreira, e afirmar seu pensamento real não era conveniente.
O não reconhecimento do papa por parte de Viganò, declarado não nos primeiros anos do pontificado de Francisco, quando ainda ocupava o cargo de núncio apostólico (e talvez acariciasse a ideia da púrpura cardinalícia), mas somente após sua aposentadoria, confirma a minha ideia.
Daí a minha preocupação maior: quantos pequenos senhores Viganòs existem nas nossas dioceses, nas nossas cúrias, na Cúria Romana? Quantos padres e bispos vivem em uma esquizofrenia entre “o que é preciso dizer porque a Igreja o diz” e o “só entre nós, eu acredito que…”? Sim, isso deveria nos preocupar.
É sabido que, na Igreja, não são apreciados aqueles que dizem que algo não está certo, que há problemas, sejam simples padres ou cardeais. É melhor que papéis significativos, em paróquias grandes, na Cúria ou no Vaticano, sejam atribuídos a quem diz sempre “sim”, a quem diz que tudo sempre está bem, a quem não incomoda muito seus superiores.
Até mesmo a teologia paga por isso: foi assinalado, certamente com razão, embora com um exagero deliberado, que seria uma boa ideia pedir a quem quer ser teólogo que assine a renúncia à carreira eclesiástica. O motivo é evidente: uma teologia especulativa de qualidade, inspirada em muita oração, mas que se distancie um pouco do que sempre foi dito, obstaculiza a possibilidade de se tornar bispo e, obviamente, quem deseja isso logo acaba se adequando a esse pedido não explicitamente declarado, mas notoriamente vigente.
E assim, é preciso dizer que o que os filmes sobre o contador Fantozzi mostravam, com a extraordinária capacidade interpretativa de Paolo Villaggio e sua comicidade avassaladora, revela-se uma verdade profunda.
Como não pensar na cena do cassino, quando Fantozzi foi intimado pelo “duque conde”, seu patrão, a “colocar a mão em seu traseiro” e, posteriormente, beber 25 garrafas da “terrível água Bertier, a mais gaseificada do mundo”, porque o duque conde acreditava que isso o faria vencer?
Fantozzi, atraído pela possibilidade de passar do 12º nível (o último na hierarquia dos funcionários da empresa) para o 11º, que dava direito a “uma escrivaninha pessoal e poltrona em vinil ou em imitação de couro”, obedecia a todos os comandos, com todos os resultados hilários a que esse favorecimento ao chefe levava.
O que não se faz para obter mais poder? Dizemos que acreditamos naquilo que não acreditamos e fazemos o que nunca desejaríamos. O problema é que, se Fantozzi faz isso, apesar de contar uma triste verdade de forma cômica, isso nos faz sorrir. Se, porém, isso acontece na Igreja, os motivos para rir são menos numerosos.