04 Julho 2024
Qual vestígio podemos encontrar na filosofia de Heidegger de sua proximidade às ideias próprias do nacional-socialismo?
"O Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, sob a liderança de Adolf Hitler, chegou ao poder em 1933. Três meses após a investidura do austríaco como chanceler, Heidegger, tendo se filiado ao partido durante este ano, foi nomeado reitor da Universidade de Friburgo. Durante este período, sua filosofia começou a sofrer uma transformação, uma virada (kehre)", escreve Natán Pasamar de la Rosa, estudante de filosofia na UNIZAR, publicado por El Salto Diário, 02-07-2024.
Martin Heidegger foi um nazista; não há dúvida quanto a isso. Em 1932, ele votou no Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (N.S.D.A.P.) e se afiliou formalmente a ele em 1933. Como reitor da Universidade de Freiburg, ele implementou políticas relacionadas ao regime nazista, incluindo perspectivas raciais, até renunciar em 1934. Ele continuou como professor até o fim da Segunda Guerra Mundial e manteve sua filiação ao partido até 1945. Nunca expressou arrependimento por seu apoio ao Terceiro Reich. No entanto, o foco deste artigo se afasta da historiografia para adentrar no campo filosófico. "Deve-se evitar a todo custo estabelecer uma conexão direta entre obra e pessoa", como advertiu Habermas ao tentar esta mesma tarefa: analisar vestígios da ideologia nacional-socialista na filosofia de Heidegger.
Martin Heidegger (marcado com um X) em um evento de propaganda nazista em novembro de 1933. | Foto: Ullstein Bild
Essa é a intenção principal deste texto. Para isso, o conteúdo de sua obra filosófica será contrastado com as principais características do nacional-socialismo, conforme esclarecido por Payne em seu estudo sobre o tema: nacionalismo, totalitarismo, liderança carismática, racismo fundamentado em um darwinismo social pseudocientífico, eugenismo, culto à violência, sistema de partido único, formação de uma sociedade de massas, expansionismo e promoção de um "homem novo". Além disso, Payne também aponta uma nítida oposição desse posicionamento político ao racionalismo, positivismo, liberalismo, marxismo, democracia e ao povo semita, entre outros aspectos.
O corpus intelectual predominante de Heidegger cristaliza-se em "Ser e Tempo", publicado em 1927 e dedicado a seu predecessor de origem judaica, Edmund Husserl. A consideração desta data possui uma importância fundamental na análise política da obra, dado que, naquela época, o nacional-socialismo ainda não se havia configurado como uma ideologia coesa e sistematizada. Por essa razão, seria um erro anacrônico interpretar esta obra como uma manifestação dessa corrente. No entanto, é inegável que o livro poderia ter sido profundamente influenciado pelos elementos subjacentes do pensamento popular da época, que emergiram como resposta às severas repercussões que a população alemã enfrentou após a Primeira Guerra Mundial, exacerbadas pelas duras condições impostas pelo Tratado de Versalhes.
Para muitos, o tomo emblemático de Heidegger está desprovido de dimensão política, realizando, ao invés disso, uma profunda exegese ontológica. No entanto, pode haver nuanças sutis latentes em uma leitura na qual "um uso metafórico das dicotomias e dos esquemas do pensamento ordinário transforma a política em ontologia" (Bourdieu, P., A ontologia política de Martin Heidegger).
Para isso, é necessário partir da consideração do Dasein ou ser-aí, entendido por José Gaos e encapsulado em sua introdução a esta obra como "o ente humano; e a 'existência' [...] sua essência", que "está desde o início lançado sem saída em seu 'aí', remetido a uma tonalidade emocional e a uma situação factícia determinada"; sendo esta sua característica principal: a qualidade de fazer "a pergunta pelo ser". Assim, o Dasein surge como um ente histórico, embora, segundo a crítica marcuseana que pode ser lida em "Sobre Marx y Heidegger", sem levar em conta seu "contexto social, empírico, da decisão e de suas consequências".
Esse Dasein é incompreensível por si só; antes de tudo, é um ser-no-mundo que se configura por meio das possibilidades que sua interação com as ferramentas, entidades à mão que compõem o horizonte de seu mundo circundante — que cresce à medida que sua existência e relação com as ferramentas aumentam — lhe abrem como um projeto.
Neste contexto, considera-se a figura de um suposto "herói" que o Dasein deve escolher para guiar o destino comum como o "acontecer" da "comunidade" ou "povo".
O próximo passo envolve adentrar-se na análise da historicidade que emerge como uma dimensão que "pode permanecer oculta" ao Dasein, embora esteja capacitado para "descobrir a tradição". Este fato origina-se no "ai" - da em alemão - do Da-sein, onde a tradição persiste no transcurso do existente como um incessante poder-ser, ainda que frequentemente seja induzido ao esquecimento dessas "condições elementares sem as quais não é possível um retorno positivo ao passado, ou seja, uma apropriação produtiva do mesmo", conforme expressado em "Ser e Tempo". Nessas reflexões delineia-se uma das chaves do seu pensamento político: a projeção para o futuro deve basear-se numa contínua reelaboração da tradição legada pelo passado.
Isso leva o Dasein a nunca se apresentar como um solus ipse, como uma consciência que não pode sair de si mesma. Em seu ser-no-mundo, o Dasein se entrelaça com "os outros" que percebe como iguais e que coabitam dentro desse mundo. Este aspecto adquire uma relevância primordial, pois, nas palavras de Beistegui em "Heidegger e o Político", "a dimensão coletiva da existência humana oferece uma orientação específica e decisiva para a possível tematização do político". Isso ocorre porque o Dasein, constituído pelo seu ser-no-mundo, é afetado, como explicado em "Ser e Tempo", pelo seu ser-com, gerando "a convivência cotidiana [...] dois extremos do cuidado positivo - o substitutivo-dominante e o antecipativo-libertador". A primeira opção refere-se à vida inautêntica ou imprópria, enquanto a segunda, à vida autêntica ou própria.
Partindo da existência imprópria, evidencia-se a subordinação da existência à opinião dos outros, à publicidade do "um", onde, através da "mediania e nivelamento", a publicidade "regula primeiramente toda interpretação do mundo e do Dasein, e tem em tudo razão". Para alcançar uma existência autêntica, o Dasein deve emancipar-se desse cuidado substitutivo-dominante que suprime a singularidade em favor da deriva social, tornando-se, nas palavras de Heidegger, "uma autêntica ditadura". Assim, antecipa-se uma prefiguração do que, em referência à subjetivação - respeitando as distâncias entre o sujeito e o Dasein - no fascismo, Ortega y Gasset, em "A Rebelião das Massas", chamará de homem-massa, aquele "homem enquanto não se diferencia de outros homens".
Através dessa crítica à existência imprópria, Heidegger propõe um caminho para contrariá-la e abraçar uma vida autêntica, antecipativa e libertadora. Embora reconheça que "a substituição não só é possível, mas também é um constitutivo do convívio", o Dasein pode emancipar-se ao reconhecer sua condição de ser-para-a-morte, dado que "a morte, na medida em que 'é', é essencialmente a cada vez a minha": a única maneira pela qual o Dasein pode entender-se livre das amarras do "um" - em terminologia marxista, a ideologia - seria adiantando-se até a morte. Somente na consciência do Dasein de sua própria finitude encontra uma existência autêntica onde pode escolher seu próprio poder-ser propriamente.
No entanto, "apenas no compartilhar e na luta fica livre o poder do destino comum [...], ou seja, que seja histórico no fundo de sua existência". Dessa forma, embora se alegue que ao defender a existência autêntica do Dasein individual busca-se eliminar a massificação social, tal supressão só é possível a partir de uma autenticidade enraizada em um destino comum do qual o indivíduo não pode se desvincular e que se fundamenta, primariamente, na luta.
Conforme aponta Farías em "Heidegger e o nazismo", esse conflito, onde a autenticidade individual parece impedir a social e vice-versa, surge porque "Heidegger encontra uma mediação histórico-ontológica entre a existência individual e coletiva no que ele chama de 'tradição'". Assim, a historicidade do Dasein novamente se torna relevante em sua concepção "política". Este destino comum deve estar delimitado por aquela tradição mencionada anteriormente. Heidegger argumenta que "chamamos destino ao pré-corrente entregar-se ao Aí do instante"; como Gaos aponta, é um "advenir sido olhando". Deve-se lembrar que o Aí do Dasein refere-se ao lugar onde a historicidade se insere, onde a tradição permanece. Portanto, de maneira coletiva, é necessário orientar-se para um futuro, ou seja, advenir, no que perdura do passado, o sido, e tudo isso visto a partir do instante presente. Nesse contexto, considera-se a figura de um suposto "herói" que deve ser escolhido pelo Dasein para guiar o destino comum como "acontecimento" da "comunidade" ou "povo".
Em resumo, em "Ser e Tempo" observam-se, por um lado, traços que, levados às últimas consequências, sugerem a possibilidade de um protonacional-socialismo: a subordinação da singularidade às aspirações coletivas, o ênfase na luta, a existência de uma predestinação social que necessita de um líder, tudo isso a partir de uma latente revolução conservadora em busca de executar essas características coincidentes com as vistas já na introdução. No entanto, é crucial destacar outras ferramentas com as quais o leitor pode combater a massificação social, como a luta contra o "um" por uma vida autêntica e uma existência libertadora do Dasein.
O N.S.D.A.P., sob a liderança de Adolf Hitler, chegou ao poder em 1933. Três meses após a investidura do austríaco como chanceler, Heidegger, tendo se filiado ao partido durante este ano, foi nomeado reitor da Universidade de Friburgo. Durante este período, sua filosofia começou a sofrer uma transformação, uma virada (kehre). Um dos aspectos mais notáveis é que "agora é a 'humanidade histórica' e não o indivíduo que 'ec-siste'" (Habermas, J., Identidades nacionais e pós-nacionais).
Desde o início de seu discurso inaugural como reitor, "A autoafirmação da universidade alemã", ele esboça essa mudança. Ele postula que "os guias [...] são eles mesmos guiados - guiados pelo caráter inexorável daquela missão espiritual que subordina o destino do povo alemão à marca de sua história", utilizando a mesma concepção de historicidade presente em "Ser e Tempo" e evidenciando a necessidade de um condutor - Führer, título atribuído a Hitler - para orientar este destino comum alemão.
Por outro lado, Heidegger introduz um novo matiz: o espiritual. "O mundo espiritual de um povo não é a superestrutura de uma civilização, nem um arsenal de conhecimentos e valores úteis, mas sim o poder de conservação mais profundo da força de sua terra e de seu sangue". Pela primeira vez, neste discurso, é introduzido um tema relacionado ao racismo característico do III Reich, um aspecto que constitui sua principal distinção com o fascismo.
A análise mais penetrante sobre isso é apresentado em Algumas reflexões sobre o hitlerismo, de Emmanuel Levinas, que argumenta que através da introdução da constante consciência do Dasein como ser-para-a-morte, todo dualismo entre o eu e o corpo deve desaparecer, uma vez que não podem existir um sem o outro, adquirindo ambos a mesma relevância ontológica. O corpo e, consequentemente, seus condicionantes genéticos adquirem uma importância equiparável à própria consciência. Isso é mantido ao estender-se no nível coletivo, gerando uma forma de racismo social, proporcionando assim a possibilidade de desdobrar um desenvolvimento filosófico dessa vertente darwinista que diferencia o nacional-socialismo do restante das ideologias do espectro conhecido contemporaneamente como fascista.
Embora este discurso possa ser analisado mais profundamente, é melhor concluir com a afirmação de que a liberdade dos estudantes era inautêntica, pois era apenas negativa. Em Ser e Tempo, já se colocava em evidência que para alcançar uma vida autêntica deve-se adicionar à existência própria do Dasein individual a autenticidade do povo. No entanto, sustenta que o conceito de liberdade do estudante alemão agora é restituído à sua verdade, implicando tacitamente que o regime nacional-socialista encarnaria a nova liberdade autêntica do povo.
Entre 1933 e 1934, Heidegger proferiu uma série de palestras onde evidencia de maneira clara sua visão sobre questões como história e Estado. Assim, nessas lições posteriormente publicadas sob o título Natureza, história, Estado, ele esclarece seu uso do termo 'povo' no sentido de um modo de ser que cresceu sob um destino comum e tomou uma forma distintiva no contexto de um Estado, abandonando sua concepção como mero coletivo para delimitá-lo como uma entidade que só emerge dentro da estrutura estatal, concebida como uma comunidade que depende ontologicamente desta e de suas diretrizes. Não faz referência a um processo contínuo de crescimento do povo sob um destino comum, mas utiliza o pretérito perfeito composto, 'tem crescido', indicando a conclusão passada desse processo. O povo está subordinado às diretrizes do Estado, que ocupa um estágio onde, ao invés de ser controlado pelo povo, exerce um controle totalitário sobre ele. E adquire maior proeminência ao considerar a figura do líder: a política se torna o projeto criativo de um grande estadista capaz de compreender todo o desenrolar da história. A partir dessa premissa, um indivíduo excepcional exercerá um controle absoluto sobre todas as instituições estatais e, portanto, sobre toda a comunidade. Ele chega até mesmo a esboçar o modo ótimo de exercer influência sobre a vontade coletiva, ou seja, fomentar uma massificação social: a educação é uma forma peculiar e distinta de imposição da vontade, essencialmente a imposição da vontade do líder e do Estado, ou seja, do povo.
No inverno de 1934, ele começou uma nova série de aulas, posteriormente publicadas como Lógica, nas quais aplicou profundamente os conceitos de Ser e Tempo ao contexto coletivo do III Reich. Nesse sentido, ele identifica raça e sangue como 'o corporal do povo', evocando as reflexões de Levinas. Esse enfoque afeta toda a comunidade, enfatizando a necessidade de enraizamento na tradição histórica corporal. Para alcançar uma autenticidade coletiva, o povo deve 'aceitar esse encadeamento' dos 'apelos da herança e do passado aos quais o corpo serve como veículo enigmático', em vez da liberdade concedida pelo poder-ser individual defendida anteriormente. No entanto, ele parece estar consciente dessa situação e, parafraseando o discurso "A autoafirmação da universidade alemã", sugere, de forma crítica aparente ao regime nazista, que o corpo estudantil alemão "esteja se fechando ao acontecer autêntico".
Mais sugestiva é a seguinte citação: "a voz do sangue provém do estado de ânimo fundamental de um homem, e é possível porque o ser de nossa existência é determinado pelo trabalho". Em Ser e Tempo, o estado de ânimo, sendo no campo fenomenológico toda consciência de algo, implica a direcionalidade original – marcando seu antirracionalismo – do Dasein, como ser-no-mundo, em direção às ferramentas. Nesse contexto, essa originalidade do estado de ânimo é equiparada ao próprio sangue, conferindo um viés racista a todo Dasein. A ideologia nacional-socialista se torna mais evidente no uso do trabalho como único determinante do encadeamento do sangue na existência do Dasein, parecendo afirmar que arbeit macht frei (o trabalho traz a liberdade), lema nazista encontrado nas entradas dos campos de concentração.
Em 1935, Heidegger renuncia ao reitorado, o que representa uma mudança significativa ao se afastar da corrente estatista predominante. Surgem críticas ao sistema vigente e ele continua a se distanciar de sua defesa ao reconhecer seu declínio. Ele elabora A Origem da Obra de Arte, no qual eleva a terra à mesma categoria ontológica que o mundo, uma figura crucial do Dasein. Afirma que "nunca estão separados", pois "o mundo se funda sobre a terra e a terra se ergue por meio do mundo", atravessando o encadeamento da tradição na essência do existente.
Ele também ministra seminários compilados em Introdução à Metafísica. Além de seu nacionalismo exacerbado, ele aborda uma nova problemática na qual expressa seu antimarxismo e antiliberalismo: a técnica. Ele sustenta que "a Rússia e a América são a mesma coisa" e representam a mesma ameaça para o povo. A isso se adiciona...
“Quando os criadores se afastaram do povo e ainda são mal tolerados como uma raridade extravagante [...] a luta autêntica é suspensa e deslocada para a mera controvérsia, para as tarefas e maquinações do homem dentro do que é materialmente existente e disponível. então o declínio já começou.”
Nestas palavras afiadas contra o III Reich, vemos uma Alemanha ameaçada, não apenas pela técnica desenraizada, mas também pela falta daquela luta necessária por parte dos 'criadores' da Alemanha espiritual, que ele denominava Führer.
Durante a conferência de 1938, "A Época da Imagem do Mundo", ele também mostra o perigo da atomização social, destacando a necessidade de uma "luta expressa contra o individualismo e a favor da comunidade", sem, neste caso, exaltar a massificação.
Um ano depois, em 1939, eclodiu a devastadora Segunda Guerra Mundial, cujas consequências ominosas ainda perduram no imaginário coletivo. Nas conferências pronunciadas entre 1943 e 1944, e editadas sob o título Heráclito, ele identifica como problema primordial do Ocidente o de "render-se à vontade da modernidade", que é a técnica. Para sua resolução, ele postula que "serão necessários nas próximas décadas os trintões e quarentões que tenham aprendido a pensar inicialmente", destacando assim a imperiosa necessidade do "homem novo" como redentor do Ocidente. Caso essa possibilidade não se concretize, Heidegger vislumbra que "toda a humanidade da Terra pode ser desolada e aniquilada".
Em 1943, ele estabeleceu uma exegese de poemas de Hölderlin em Memórias. Aproximando a poesia de suas considerações filosóficas, ele afirmará que "os pensamentos do espírito comum são poesia", e que "os pensamentos poeticamente do espírito devem ser recolhidos e consumados na alma do poeta". O líder se transforma em poeta. O povo gera uma vontade poética essencial, que deve ser captada pelo poeta como único meio para realizar a jornada da comunidade, novamente como poder-ser: "a travessia é marcada por uma memória que pensa para trás, na terra natal abandonada, e para frente, na terra que se deve conquistar", seguindo o mesmo curso histórico que em Ser e Tempo.
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Sombras do nazismo na filosofia de Martin Heidegger. Artigo de Natán Pasamar de la Rosa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU