13 Junho 2018
“A enorme demanda de energia da infraestrutura e operação digital se soma aos principais fatores causadores da mudança climática. Por tudo isso, é necessário que a partir das bases da sociedade assumamos a análise e avaliação múltipla dos desenvolvimentos tecnológicos, incorporando todos os seus aspectos, não somente os que as indústrias querem nos vender”, escreve Silvia Ribeiro, pesquisadora do Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração (ETC), em artigo publicado por Rebelión, 12-06-2018. A tradução é do Cepat.
Quando pensamos na era digital, provavelmente a primeira coisa que vem à mente são computadores, telefones móveis e outros elementos óbvios do que passou a se chamar TIC: tecnologias de informação e comunicação. Parece algo etéreo, mas na realidade acarreta enormes impactos ambientais e energéticos.
Além disso, a indústria digital vai muito além dessas primeiras imagens. É uma das bases fundamentais do tsunami tecnológico que já está entre nós, mas que dificilmente percebemos em todas as suas dimensões. Entre elas, por exemplo, o rápido avanço da Internet das coisas, que se propõe substituir ao comércio convencional – incluindo até a compra semanal dos lares -; a tecnologia digital que move os mercados financeiros; as transações e moedas digitais; a digitalização da agricultura, com o uso de autômatos, drones, satélites, sensores e big data; a optogenética que propõe manipular seres vivos à distância; a onipresença de câmeras e sensores que se comunicam com gigantescas bases de dados, que podem incluir até nossos dados genômicos; a Internet dos corpos, com a digitalização da medicina e as novas biotecnologias, e o avanço da inteligência artificial que subjaz a tudo isso. Todas são áreas de fortes impactos – escassamente compreendidas pela sociedade – e a lista é apenas o começo.
Um dos aspectos mais pesados e ao mesmo tempo invisíveis da era digital, é que contrariamente ao que se poderia pensar, os impactos materiais, no meio ambiente, em recursos e demanda de energia são enormes. Jim Thomas, codiretor do Grupo ETC, exemplifica isto em três setores: o iceberg da infraestrutura digital, a demanda de armazenamento de dados e a voraz demanda energética do uso das plataformas digitais.
A infraestrutura digital e de telecomunicações já instalada é muito desigual. Enquanto na maioria dos países da África e outros países do Sul global não chega a 20% de acesso da população, na América do Norte supera os 90%. Em conjunto, constitui o que Benjamin Bratton chama de a maior construção acidental de infraestrutura que a humanidade jamais fez. Ou seja, a infraestrutura está conectada – ou pretende estar – em todos os rincões do planeta, mas nunca foram tomadas decisões em conjunto sobre esta, suas múltiplas implicações e impactos.
A maior parte da discussão global a esse respeito, muitas vezes promovida por empresas de telecomunicação e big data, é sobre supostos aspectos de equidade (todos devem ter o direito de acessar à rede) e, portanto, o que abordam é que os governos ou agências de apoio ao desenvolvimento devem construir e pagar por uma infraestrutura onde não a há, e em muitos casos lhe dão prioridade frente a outras necessidades.
O que em geral não se aponta é que a expansão da infraestrutura digital implica, entre outras coisas, aumentar a rede de radiação eletromagnética para todas as partes, que tem efeitos negativos graves, mas pouco estudados, sobre a saúde e a biodiversidade. É, além disso, um motor de conflitos para extrair os materiais necessários para construir telefones celulares e outros aparelhos de transmissão e recepção.
Paralelamente, o armazenamento de toda a informação digital gerada no planeta foi estimado para 2016 em 16.1 zettabytes (um zettabyte é um bilhão de gigabytes). Para 2025, calcula-se que serão requeridos 163 zettabytes, 10 vezes mais (IDC).
Para tornar a quantidade um pouco mais tangível, seriam cerca de 16 bilhões de dispositivos de armazenamento, aproximadamente dois discos duros de alta capacidade para cada pessoa no planeta. Isto requer uma quantidade gigantesca de materiais, que incluem mineração de muitos elementos, incluindo raros e escassos, a produção massiva de produtos químicos sintéticos (e lixo tóxico) e uma enorme quantidade de energia para extração, fabricação, distribuição e uso, incluindo a operação e ventilação dos dispositivos, etc.
Os requerimentos energéticos são muitas vezes invisibilizados, porque se supõe que a digitalização demandaria menos energia que outras atividades, o que pode acontecer em alguns casos. Não obstante, um dos exemplos mais contundentes do contrário é o uso de moedas digitais como o bitcoin. Segundo dados recentes, uma simples transação em bitcoin requer a mesma quantidade de energia que uma casa média utiliza nos Estados Unidos, durante duas semanas! (Digiconomist.net).
Estes são alguns exemplos dos impactos que em geral não se consideram. Todos eles implicam, além disso, efeitos devastadores sobre as comunidades e populações de onde se extraem os recursos, além de consequências sobre a saúde de usuários e aqueles que estão perto das linhas e torres de transmissão, assim como sobre a fauna, a vegetação e a biodiversidade.
A enorme demanda de energia da infraestrutura e operação digital se soma aos principais fatores causadores da mudança climática. Por tudo isso, é necessário que a partir das bases da sociedade assumamos a análise e avaliação múltipla dos desenvolvimentos tecnológicos, incorporando todos os seus aspectos, não somente os que as indústrias querem nos vender.
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Impactos invisíveis da era digital. Artigo de Silvia Ribeiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU