02 Julho 2024
"Jesus, impressionado com a falta de caridade que representantes do povo, sim, do povo, mostram com quem tem sede e fome, sacudiu o pó de suas sandálias e achou melhor visitar outras cidades", escreve Edelberto Behs, jornalista, em crônica enviada a Equipe do Instituto Humanitas – IHU.
Num desses passeios pelo planeta Terra, Jesus acabou posando em São Paulo. Ficou espantado com o tamanho da cidade, com o trânsito, com o número de igrejas – isso tudo em minha homenagem, perguntou. Mas o que mais chamou a atenção dele foi a Cracolândia e o número de pessoas que tinham morada em ruas. Nunca tinha visto algo igual.
Pensou: “Bah, é aqui que eu tenho que falar para as pessoas. Não só falar, mas também pregar e ser solidário com quem tem fome e sede. Vou ficar por aqui alguns dias. A seara é enorme e os trabalhadores nem tanto”.
E Jesus começou a sua pregação. Não só com palavras, mas também com ações. No primeiro milagre em que ele multiplicou cinco pães e alguns peixes em marmitas e as distribuiu entre os famintos, foi interpelado por um vereador paulistano:
Cadê o cadastro?
Mas qual cadastro? O que é isso?
Ora, pra dar comida aos pobres a tua organização precisa estar cadastrada na prefeitura.
Mas não tenho organização alguma. Foi meu Pai que me enviou para anunciar a boa nova às pessoas, restituir a vista aos cegos, curar pessoas de todos os males, e dar de comer a quem tem fome.
Aqui não tem esse papo de vir em nome do Pai. Depois, nem sei se essa comida que tu forneces é de qualidade. Além do mais, onde está o teu plano de trabalho? Como é que tu tens a cara de pau de fornecer comida sem ter um plano, não tens uma planilha de onde é que vais fornecer esses alimentos e em que quantidade?
Ora, eu vim para que essas pessoas sintam que podem ter vida em abundância!
Abundância, que barbaridade. Essa palavra não existe no dicionário dessas pessoas, que, aliás, deveriam escafeder-se de São Paulo, da capital do Estado que é a locomotiva do progresso no Brasil.
Mas vão pra onde?
Sei lá, mas aqui só queremos ordem e progresso. Nada de milagres.
Posso perguntar quem é o senhor para demonstrar tamanho empenho pelo bem de São Paulo, a tal ponto de não aceitar qualquer ato de solidariedade às pessoas que têm fome e sede de justiça e sequer permitir que a gente possa multiplicar marmitas a essas pessoas?
Sou o vereador Rubinho Nunes, do União Brasil. Já dei muito dinheiro à Igreja Mensagem de Paz, que ministra o amor de Deus através da arte. Sou um bom cristão, como podes ver. Nada dessa conversa de fome. E se és mesmo Jesus, devias saber dessa tua filial paulistana e da grana que repassei a ela das minhas emendas parlamentares.
Mas o que é isso de emenda parlamentar? Não sei nada disso.
Ora, é uma grana que... deixa pra lá. Mas pra te deixar bem a par, essa proibição de dar comida a pobre tem o suporte da Câmara Municipal de São Paulo. Não é pouca porcaria, não.
Câmara Municipal? Mas o que essa instituição política tem a ver com solidariedades a pessoas que têm fome? Não te entendo.
Entendendo ou não. Vou te alertar: se mais uma vez multiplicares pães e peixes em marmitas serás o primeiro a ser multado em 17 mil reais por não observares a lei!
Mas que é isso de multa? Não carrego dinheiro comigo e nem sei o quanto seriam esses 17 mil. No meu reino, o que vale é a caridade e não a quantidade.
Jesus, impressionado com a falta de caridade que representantes do povo, sim, do povo, mostram com quem tem sede e fome, sacudiu o pó de suas sandálias e achou melhor visitar outras cidades.
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Rubinho Nunes interpela Jesus. Crônica de Edelberto Behs - Instituto Humanitas Unisinos - IHU