29 Junho 2024
Menos de uma semana depois de o chefe do departamento de comunicações do Vaticano ter defendido fortemente que seu gabinete continuasse usando as obras de arte do suposto abusador em série, Pe. Marko Rupnik, o presidente da comissão de prevenção de abusos do Papa Francisco escreveu a todos os dicastérios do Vaticano insistindo que não usem obras de arte de supostos perpetradores de abusos.
A reportagem é de Christopher White, publicada em National Catholic Reporter, 28-06-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Devemos evitar enviar a mensagem de que a Santa Sé está alheia ao sofrimento psicológico que tantos estão sofrendo”, dizia a carta enviada pelo cardeal Sean O’Malley, de Boston, aos chefes dos dicastérios do Vaticano no dia 26 de junho.
“A prudência pastoral evitaria a exibição de obras de arte de uma forma que pudesse implicar uma exoneração ou uma defesa sutil” de supostos autores de abusos “ou indicar indiferença à dor e ao sofrimento de tantas vítimas de abuso”, afirmava a carta.
Trechos da carta do cardeal foram incluídos em um comunicado de imprensa da Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores, no dia 28 de junho. O'Malley, que faz parte do Conselho de Cardeais que aconselha o papa, atua como presidente da comissão desde sua formação, em 2014, e há muito mantém a reputação de reformador nos esforços de prevenção de abusos.
De acordo com sua declaração, a comissão tem estado em contato com uma série de vítimas de abusos e sobreviventes que expressaram sua “frustração e preocupação” com o uso contínuo da arte de Rupnik por vários escritórios do Vaticano, incluindo o Dicastério para a Comunicação.
Durante um discurso no dia 21 de junho, na Catholic Media Conference [Conferência de Mídias Católicas], nos Estados Unidos, Paolo Ruffini, prefeito do Dicastério para a Comunicação, foi diretamente questionado sobre o uso contínuo da arte de Rupnik por seu gabinete.
Remover a arte de Rupnik, insistiu Ruffini, “não é uma resposta cristã”.
“Como cristãos, somos convidados a não julgar”, disse ele aos participantes da conferência, acrescentando que uma investigação do Vaticano sobre Rupnik ainda está em andamento: “Uma antecipação de uma decisão é algo que, em nossa opinião, não é bom."
O Dicastério para a Comunicação utiliza frequentemente a arte de Rupnik para acompanhar seu calendário litúrgico online, inclusive no início deste mês, na solenidade do Sagrado Coração de Jesus, em 7 de junho.
Durante a Catholic Media Conference [Conferência de Mídias Católicas], Ruffini foi especificamente pressionado sobre como a continuação do uso da obra de arte poderia repercutir entre as vítimas.
“Não creio que devamos atirar pedras pensando que este é o caminho da cura”, disse ele.
“Você acha que se eu guardar a foto de uma arte (longe) do... nosso site, ficarei mais próximo das vítimas? Você acha?”, perguntou ele aos jornalistas. Ao receber uma resposta afirmativa, Ruffini respondeu: “Acho que você está errado”.
Durante anos, o prolífico e procurado Rupnik recebeu encomendas de suas obras de arte em basílicas e capelas de todo o mundo, incluindo o Vaticano.
Em 2023, a ordem jesuíta expulsou o padre esloveno de sua congregação, a partir de denúncias de abusos sexuais, espirituais e psicológicos em série durante um período de 30 anos. Apesar das acusações de abuso por parte de pelo menos duas dezenas de mulheres, ele foi recebido de volta ao ministério em sua diocese natal de Kosper, na Eslovênia.
Após a crescente pressão no ano passado, Francisco revogou o prazo de prescrição e reabriu a investigação contra Rupnik. Naquele momento, o comunicado do Vaticano reconheceu que houve “sérios problemas” na forma como o caso foi tratado e citou preocupações levantadas pela própria comissão antiabuso do Vaticano sobre a “falta de sensibilização para as vítimas”.
Desde então, tem havido um debate acirrado sobre o uso e a exibição continuada de sua arte, inclusive por parte de algumas das supostas vítimas de Rupnik, que argumentam que foram abusadas pelo artista durante a criação de sua arte.
Espera-se, em breve, uma decisão dos bispos católicos da França sobre se manterão os mosaicos de Rupnik na basílica de Lourdes, e tem havido apelos ativos para a remoção de suas obras de arte no Santuário do Papa João Paulo II, em Washington, Estados Unidos. O escritório do Sínodo, no Vaticano, removeu o uso das obras de arte de Rupnik de seus materiais.
A defesa obstinada de Ruffini das obras de arte de Rupnik, em contraste com o apelo de O'Malley contra sua utilização, estabelece um forte contraste entre dois escritórios do Vaticano, em uma instituição em que o desacordo entre altas autoridades raramente se torna público.
“O Papa Francisco exortou-nos a sermos sensíveis e a caminharmos em solidariedade com aqueles que são prejudicados por todas as formas de abuso”, escreveu O’Malley em sua carta aos chefes dos dicastérios do Vaticano. “Peço que tenham isso em mente na escolha das imagens para acompanhar a publicação de mensagens, artigos e reflexões nos diversos canais de comunicação de que dispomos”.
Ruffini não respondeu imediatamente ao pedido do National Catholic Reporter para comentar se o Dicastério para a Comunicação iria rever suas políticas sobre o uso das obras de arte de Rupnik.
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Comissão de prevenção de abusos pede que Vaticano não use arte de Rupnik - Instituto Humanitas Unisinos - IHU