25 Junho 2024
Vindas do Congo e dos Camarões, Rosário e Virginie foram vítimas de casamentos forçados, tortura, tráfico humano para exploração sexual e guerra. Suas histórias revelam a crueldade das políticas europeias em relação aos refugiados.
A reportagem é de Pepa Suárez, publicada por El Salto, 20-06-2024.
Virginie (34 anos) chegou à ilha grega de Samos vindo da Turquia em 2018. No mesmo ano, Rosário (27 anos) chegou a Lesbos. Depois de arriscarem suas vidas na travessia e passarem vários meses nos campos de refugiados dessas ilhas, conhecidos pela superlotação e condições insalubres, o governo grego concedeu-lhes proteção internacional sem hesitação, pois essas duas mulheres, uma do Camarões e outra do Congo, carregavam em seus corpos e mentes algumas das provas exigidas pela União Europeia para conceder esse estatuto. Enquanto aguardavam seus cartões de residência, foram transferidas para Atenas, onde passaram por vários apartamentos protegidos pelos serviços sociais gregos junto com outros refugiados.
Foi nessa fase que Virginie e Rosário se conheceram, cultivaram uma amizade baseada no apoio mútuo, engravidaram quase ao mesmo tempo e, uma vez finalizado o processo para obtenção do cartão de residência, a proteção do governo chegou ao fim. Atualmente, essas duas amigas inseparáveis e suas filhas de quatro anos, sem frequentar a escola, sobrevivem em Atenas como podem, tentando superar suas profundas feridas praticamente sem ajuda, sem conhecer o idioma, sem família, sozinhas.
Mais de um milhão de refugiados entraram na Grécia desde 2014 até hoje. A chamada crise dos refugiados ocorreu em 2015, quando a Grécia teve que assistir 812.000 pessoas entre migrantes e refugiados, a maioria deles da Síria devido ao agravamento da guerra iniciada em 2011. A partir de 2016, as entradas diminuíram consideravelmente devido ao Pacto entre a União Europeia e a Turquia. Segundo o Ministério das Relações Exteriores, União Europeia e Cooperação, em 2020, os movimentos também diminuíram devido à pandemia. No ano passado, houve um aumento nas entradas, com 41.000 refugiados em comparação com 17.122 em 2022 e 8.741 em 2021. Comparando os números, 2023 encerrou o ano nas Ilhas Canárias com a entrada de 40.000 pessoas, o maior número até hoje.
O governo conservador de Mitsotaki resolveu a superlotação nos centros de recepção e campos de refugiados das ilhas, cortando qualquer ajuda às pessoas que obtiveram o cartão de asilo. Há quatro anos, o ACNUR soou o alarme e expressou preocupação quando, em 1º de junho de 2020, no auge da pandemia, o governo eliminou o sistema de recepção para as primeiras 9.000 pessoas com estatuto concedido. Dois meses depois, outras 11.000 pessoas refugiadas sairiam desse mesmo sistema. Ou seja, uma vez concedido o estatuto, "as famílias perdiam todo o direito a sustento e alojamento, incluindo os mais vulneráveis, sem terem acesso ao emprego e aos programas de bem-estar social", conforme comunicado da agência das Nações Unidas. Naquela época, dezenas de famílias dormiam ao relento na Praça Victoria, no centro de Atenas, buscando sombra sob as árvores. Organizações humanitárias como o Conselho Grego para os Refugiados e Médicos Sem Fronteiras estimaram que 25.000 pessoas sairiam desse sistema de proteção em 2021. As ONGs protestaram contra o impacto dessa medida em famílias muito vulneráveis, como idosos, vítimas de violência sexual, doentes ou famílias monoparentais.
Atualmente, estima-se que 15.000 famílias refugiadas sobrevivem em situação de pobreza e insegurança alimentar na Grécia. "As famílias refugiadas não vão viver melhor do que as gregas", chegou a dizer o conservador Mitsotaki sobre o assunto. Triana Riazor, coordenadora da ONG espanhola SOS Refugiados Europa na Grécia, acredita que esta medida tem dois objetivos: "Por um lado, frear o efeito de atração e, por outro, fazer com que essas pessoas considerem cada vez mais a possibilidade de deixar a Grécia para outros países da União Europeia." No entanto, sem as necessidades básicas atendidas, é impossível a integração na sociedade receptora, mesmo que desfrutem da proteção internacional, como explica Ruhi Akhtar, coordenadora da ONG britânica Refugee Biryani and Bananas. "Sem meios de subsistência, as famílias se tornam sem-teto e indigentes", acrescenta.
Quanto à ajuda não governamental aos refugiados, o número de organizações humanitárias em operação na Grécia devido à crise de refugiados de 2015 tem diminuído ao longo do tempo, principalmente por duas razões, segundo Akhtar: "A primeira razão é que os refugiados na Grécia já não estão no foco da mídia e a segunda é a perseguição, criminalização e assédio às ONGs pelo governo grego e pela União Europeia." A pandemia em 2020 também contribuiu significativamente para a diminuição de recursos, conforme Akhtar. "Além disso, o desaparecimento do drama dos refugiados da mídia implica menos fundos para as organizações que dependem de doações e não recebem subsídios governamentais", explica a coordenadora dessa organização com 14 anos de trabalho com refugiados na Grécia.
Rosário e Virginie, mulheres negras, mães e chefes de família monoparentais, são exemplos dessas famílias vulneráveis. Uma ONG paga o aluguel de uma casa de dois quartos onde Rosário vive com outras onze pessoas: ela, sua filha e duas mulheres em um quarto, e um casal com cinco filhas no outro, enquanto duas outras pessoas dormem na sala. "Tenho sempre medo pela minha filha, não a deixo sozinha nem por um minuto. Em casa, há sempre festas, embriaguez e uso de drogas", lamenta Rosário, explicando que precisa aceitar esse quarto sujo por não ter dinheiro para se mudar. Uma amiga a ajuda com comida e algumas associações, como a SOS Refugiados Europa, oferecem uma cesta de alimentos não perecíveis por semana, além de roupas e brinquedos. Às vezes, ela limpa casas quando é chamada, mas sua filha não está matriculada na escola e ela não tem com quem deixá-la. Rosário frequentemente vai à escola perguntar: "Sempre me dizem que não há vaga". Ela sente que é uma questão de racismo, o mesmo que percebe quando vai ao parque com sua filha: "As mães não querem que seus filhos se aproximem da minha filha, é muito triste".
Desde que teve que deixar a moradia fornecida pelo sistema de acolhimento, Virginie, com sua filha de quatro anos, teve que deixar vários alojamentos por não conseguir pagar. Agora vive em um quarto subalugado de uma casa onde moram várias outras pessoas. Ela paga 100 euros por mês ao sublocatário, um homem do sub-saara africano que lhe propôs relações sexuais em troca do aluguel. Essa mulher camaronense demonstra dor e raiva ao contar isso: "Me concederam asilo, mas me deixaram abandonada na lama". Assim como Rosário, ela trabalha limpando casas quando é chamada e uma ONG oferece a ela cestas de alimentos. Ela tem formação em cuidados para idosos e gostaria de trabalhar nessa área: "Sonho em ir para outro país, me integrar, trabalhar e cuidar da minha filha. Isso é impossível na Grécia".
Virginie afirma que nunca pensou em migrar para a Europa. Ela vivia com sua família em uma pequena vila na região francófona dos Camarões, levava uma vida tranquila e simples, tinha um namorado, estava grávida e planejava casamento até que o chefe de sua comunidade, muito mais velho que ela, cruzou seu caminho e a obrigou a viver com ele. Ele a trancou em um quarto e, uma vez que ela deu à luz, seu sequestrador separou-a de seu filho. Virginie nunca perdeu a esperança de recuperá-lo em algum momento, mas o tempo passava e, enquanto isso, ela vivia, contra sua vontade, com o homem que a violentava e havia destruído sua vida. Sua desesperança a levou a elaborar um plano para escapar. Um amigo de seu tio comprou uma passagem de avião para Beirute e disse que sua irmã a esperaria no aeroporto. Virginie havia caído nas redes de tráfico de pessoas para exploração sexual. A poucos quilômetros de Beirute, ela foi mantida em cativeiro por dois anos. "Quando consegui escapar, estava destruída física e psicologicamente", murmura entre soluços. Esta mulher camaronense que passou por um calvário afirma que nunca recebeu apoio psicológico enquanto aguardava sua resolução de pedido de asilo.
O Salto entrevistou as duas mulheres em um café na Praça Victoria, no centro de Atenas. A tradutora engole em seco e respira profundamente antes de traduzir o relato que Virginie articula em voz baixa, com o olhar perdido. É um dia ensolarado e fresco, e o movimento na boca do metrô fica cada vez mais intenso. A hora de saída das lojas está se aproximando. As filhas de Rosário e Virginie brincam, se divertem, riem alheias à dor de suas mães, trazendo um pouco de felicidade para vidas tão difíceis. Virginie afirma que já pensou muitas vezes em voltar para sua vila, pois se sente muito sozinha e gostaria de estar com sua família, mas não pode, pois o homem que a sequestrou ainda mora lá. Ela explica que conheceu muitas garotas que passaram pela mesma situação de exploração sexual, mas não se atrevem a contar. Ela afirma que não consegue superar tudo o que viveu porque sua vida atualmente é muito difícil: "Se eu disser que superei, estaria mentindo".
Rosário ainda não tinha completado 18 anos quando se viu envolvida em uma operação dos grupos armados do Congo. Eles precisavam de uma mulher e ela foi usada por um parente sem ter ideia do que estava acontecendo. A operação fracassou e ela foi capturada, encarcerada e interrogada pelas forças governamentais por cinco dias. As muitas cicatrizes em suas costas são a prova irrefutável das torturas. Ela sofreu estupros e acabou moribunda em um hospital de Kinshasa, a capital. Ninguém queria estar ao seu lado com medo de ser associado aos grupos armados, incluindo os tios que a criaram.
Rosário é órfã, seu pai, militar, morreu em Goma, no leste do país, em um dos muitos combates que assolam o Congo há anos, e sua mãe morreu quando ela nasceu. Da noite para o dia, ela se viu sozinha, sem recursos e dormindo nas calçadas de Kinshasa. Logo caiu nas redes de prostituição até conseguir voar para a Turquia com algumas pessoas que conheceu nessa fase. As redes mafiosas as esconderam em uma floresta, onde lhes forneciam comida, até que puderam passar para Moria em um barco inflável: "Passei muito medo", conta Rosário, "e também em Moria, os policiais nos revistavam todos os dias, era como estar em uma prisão". Rosário nunca imaginou ter essa vida na Europa: "Sempre pensei que teria um emprego e uma casa". O sonho dessa mulher é continuar seus estudos em design e costura, que começou em seu país, e ter seu próprio ateliê. No entanto, até agora, Rosário também não recebeu apoio psicológico para superar seus traumas, apenas tranquilizantes e pílulas para dormir, explica.
De acordo com um estudo da Agência de Asilo da União Europeia, em 2022 a Grécia emitiu 6% das 646.000 decisões de asilo em toda a União Europeia. Este número global representa um aumento de um quinto em relação a 2021. No final de 2022, havia 899.000 casos pendentes em toda a União Europeia. Segundo a mesma agência, este número representava o maior número de casos pendentes de decisão desde 2020. A agência admite que esses números resultaram na falta de espaços suficientes para acomodar refugiados aguardando decisão sobre seus pedidos de asilo. Os centros de espera ficaram lotados, incapazes de oferecer condições adequadas de vida, enquanto o número de iniciativas para facilitar a inserção no mercado de trabalho, acesso à educação e cuidados de saúde diminuiu. 2022 foi o ano em que começou a guerra na Ucrânia e foram mobilizados recursos significativos para os refugiados desse país.
Com uma drástica diminuição de recursos e o fim do programa ESTIA da União Europeia, que financiava desde 2015 habitações para famílias refugiadas, a situação se tornou caótica, como afirma Felipe Juárez, peruano e diretor da ONG Help Your Neighbor, que trabalha há 14 anos em Atenas: "Há muitas coisas que o governo poderia fazer e não faz. Há locais fechados ou com menos pessoas do que sua capacidade". Esta organização cozinha três vezes por semana e atende 342 famílias, a maioria refugiadas e muitas delas famílias monoparentais, principalmente da Síria, Afeganistão, Serra Leoa, Camarões e Etiópia. Juárez explica que muitas das famílias que obtêm asilo viveram anos com a esperança de viajar para outros países, as crianças não foram escolarizadas e não aprenderam o idioma local, e quando começaram a cortar ajudas há quatro anos, ficaram em uma situação terrível.
Tanto Ruhi Akhtar quanto Juárez lamentam que suas organizações tenham tido que desmontar programas de ajuda aos refugiados, como apoio médico, psicológico e jurídico. "Mesmo assim, as pessoas continuam morrendo tentando chegar às ilhas e nem sequer é notícia", queixa-se amargamente Felipe Juárez. Se isso acontece agora, o que acontecerá quando entrar em vigor o Pacto de Migração e Asilo da União Europeia? "Tenho medo de pensar nisso", murmura Akhtar.
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Grécia, onde pessoas com estatuto de refugiadas não têm acesso a nenhuma proteção - Instituto Humanitas Unisinos - IHU