22 Junho 2024
A recente visita de Vladimir Putin a Pequim foi praticamente um reflexo da visita de Mao Zedong a Moscou há 75 anos, quando Stalin desprezou seu convidado. Há poucas razões para pensar que a relação bilateral será mais resistente desta vez.
O artigo é de Nina L. Khrushcheva, decana da New School em Nova York e membro sênior do World Policy Institute, onde dirige o Projeto Russo, publicado por Nueva Sociedad, em junho de 2024.
Em dezembro de 1949, Mao Tsé-Tung viajou para Moscou para se reunir com Josef Stalin. O líder da nova República Popular da China, que havia sido criada apenas alguns meses antes, estava ansioso para se encontrar com seu colega líder do proletariado mundial para celebrar tanto a vitória do comunismo na China quanto o 71º aniversário do premier soviético. Mas, para Stalin, Mao não era um igual. Os tempos haviam mudado.
Na perspectiva do líder russo, Mao seria útil para expandir o comunismo na Ásia. Assim, em fevereiro de 1950, os dois líderes assinaram o Tratado Sino-Soviético de Amizade, Aliança e Assistência Mútua. Mas Mao queria mais que isso. Buscava garantias de segurança contra os Estados Unidos e um apoio militar direto da União Soviética. No entanto, Stalin mostrou cautela. Em sua opinião, Mao não só estava abaixo dele – o via como um vizinho necessitado com delírios de grandeza – como também o considerava um fardo. Stalin temia que relações mais estreitas com a República Popular da China pudessem colocar em perigo os sucessos da União Soviética na Ásia e levar a uma intervenção americana.
Hoje, é o presidente chinês Xi Jinping que olha com superioridade para seu homólogo russo, Vladimir Putin. De fato, a visita de Estado feita por Putin no início de maio passado – sua primeira viagem ao exterior desde que foi investido para um quinto mandato – foi praticamente um reflexo do encontro entre Stalin e Mao há 75 anos. Xi recebeu Putin na praça de Tiananmen em uma cerimônia com toda a pompa. Quando a caravana de Putin parou em frente ao Grande Salão do Povo, uma descarga de artilharia estrondosa foi disparada. A orquestra do Exército Popular de Libertação tocou não apenas o hino russo, mas também a melodia de "Noites de Moscou", muito apreciada pelos idosos chineses. A multidão aclamou.
A visita não poupou simbolismos nem propaganda. Além de comemorar os 75 anos de relações diplomáticas entre as duas nações, o evento marcou o início dos "Anos Culturais China-Rússia", durante os quais 230 eventos "culturais e artísticos" serão realizados em dezenas de cidades dos dois países. Ostentando esses laços interpessoais, Putin declarou que os russos e os chineses são "irmãos para sempre" – em referência a uma canção composta para a visita de Mao a Moscou – e afirmou que isso se tornou uma espécie de slogan na Rússia.
Até mesmo os propagandistas do Kremlin consideraram essa afirmação exagerada. De fato, a canção foi ridicularizada por muito tempo na Rússia devido às repetidas interrupções nas relações sino-russas, começando com a ruptura sino-soviética. Alguns afirmam que meu bisavô Nikita Khrushchev foi responsável pela destruição das relações bilaterais devido ao seu ajuste de contas com Stalin em 1956. Mas Stalin nunca foi um aliado leal da China. Em uma oportunidade, Khrushchev lembrou que, em 1951, quando a Guerra da Coreia havia chegado a um impasse, o ditador soviético ridicularizou Mao, chamando-o de guerrilheiro sem talento.
Em todo caso, Putin não esteve em Pequim apenas pelo espetáculo. Desde que lançou sua invasão em grande escala na Ucrânia há dois anos – e o Ocidente respondeu com sanções sem precedentes – a Rússia se tornou muito dependente da China. Assim, quando Putin aterrissou em Pequim, sua mão já estava praticamente estendida.
Mas Xi, como Stalin há 75 anos, tem suas reservas. Sim, a Rússia tem sua utilidade. Como Xi apontou na recente cúpula, ele considera a relação bilateral como um "fator para manter a estabilidade estratégica global e a democratização das relações internacionais". Isso ajuda a explicar por que, como apontou Putin, os dois países criaram uma "carteira importante" de 80 megaprojetos de investimento. No entanto, a disposição da China de fazer sacrifícios pela Rússia tem limites claros.
Comecemos pela economia. Nos últimos meses, Xi se reuniu com vários líderes ocidentais, incluindo o chanceler alemão Olaf Scholz, o presidente francês Emmanuel Macron e o secretário de Estado americano Antony Blinken. Todos eles transmitiram a mesma mensagem: se a China continuar fornecendo materiais e tecnologias de "uso duplo" que possam reforçar o esforço de guerra da Rússia, suas empresas enfrentarão sanções secundárias.
Xi fez todos os esforços para se mostrar impassível. Mas provavelmente não é coincidência que as exportações chinesas para a Rússia tenham diminuído, com uma redução de 14% em março. Além disso, desde o início deste ano, a China tem reduzido de forma constante as entregas diretas de maquinário, equipamentos (incluindo os elétricos), peças mecânicas e acessórios para a Rússia. Dado que a China é a maior fonte de importações da Rússia – no ano passado representou cerca de 45% do total – isso constitui um motivo de grande preocupação no Kremlin.
Além disso, a China está avançando lentamente no projeto do gasoduto Power of Siberia 2 para transportar gás russo para a China. Sabendo que tem a vantagem, Xi espera que a Rússia cubra todo o custo da construção do gasoduto, avaliado em bilhões de dólares, enquanto à China continuarão a ser concedidos grandes descontos na energia. Este ano, a China pagou apenas 300 dólares por 1.000 metros cúbicos de gás bombeados através do gasoduto Power of Siberia 1. Europa e Turquia tiveram que desembolsar mais de 500 dólares a cada 1.000 metros cúbicos. Os avanços no oleoduto Power of Siberia 2 são tão importantes para Putin que ele levou consigo a Pequim o vice-primeiro-ministro russo, Aleksander Novak, responsável pelos assuntos energéticos. No entanto, após a reunião, Novak não pôde oferecer mais que uma vaga segurança de que um contrato seria assinado "em um futuro próximo".
A tentativa de Putin de formar uma aliança militar completa com obrigações mútuas de defesa ao estilo de Mao também parece ter fracassado. Embora a China tenha realizado exercícios militares conjuntos com a Rússia, a República Popular da China está tentando se posicionar como defensora de uma "cooperação benéfica para todos", distanciando-se da "mentalidade da Guerra Fria" de dividir o mundo em blocos opostos. Por que Xi colocaria em perigo sua posição como uma espécie de ligação entre a Rússia e o Ocidente?
A Xi não interessam disputas, pelo menos não abertamente, e a agenda de Putin não inclui mais que disputas. Dado os interesses marcadamente divergentes dos dois chefes de Estado, surge a pergunta se as relações sino-russas estão mais uma vez condenadas ao fracasso ou se, como "verdadeiros irmãos", China e Rússia poderiam permanecer para sempre inseparavelmente unidas.
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China e Rússia: uma fraternidade frágil. Artigo de Nina L. Khrushcheva - Instituto Humanitas Unisinos - IHU