04 Junho 2024
Quanto mais a Rússia bombardeia a Ucrânia, mais o Ocidente questiona as "linhas vermelhas" vigentes. As propostas vão de ataques em território russo e envio de instrutores até a criação de uma zona de exclusão aérea.
A reportagem é de Roman Goncharenko, publicada por Deutsche Welle, 03-04-2024.
É como se um dique tivesse se rompido: durante visita oficial à Alemanha, em 28 de maio o presidente da França, Emmanuel Macron, propôs que se permitisse aos ucranianos se defenderem empregando armas ocidentais contra alvos militares em território russo. O chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, não o contradisse, comentando que tal decisão estaria conforme com o direito internacional.
Antes, não só o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, mas também representantes do governo britânico, polonês e dos países bálticos haviam também cogitado essa mudança de rumo. Até então, os Estados Unidos e a Alemanha eram contra, alegando temor de provocar uma escalada na guerra na Ucrânia. Esse tabu agora caiu.
No início de junho, o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, intensificou sua campanha junto às capitais europeias para que caia esse tabu. Seu país se encontra numa posição bem mais fraca do que antes, também porque há meses os EUA não lhe fornecem armamentos.
No nordeste da Ucrânia, perto da fronteira russa, a Rússia lança bombas e mísseis contra a segunda maior cidade do país, Kharkiv. Em alguns pontos, o exército inimigo conseguiu conquistar território e, segundo fontes ucranianas, possivelmente se prepara para uma ofensiva ainda maior.
Até agora, Kiev só tem contra-atacado com suas próprias armas os alvos em território russo internacionalmente reconhecido. Essa restrição não vigora para os territórios ocupados pela Rússia na península da Crimeia e no leste, onde está permitida também a utilização de armas de origem ocidental.
Segundo Jahara Matisek, tenente-coronel da Força Aérea americana e professor do US Naval War College, se não usar armas do Ocidente contra posições russas, a Ucrânia não conseguirá defender cidades próximas à fronteira, como Kharkiv. Ele alerta: permitir à Rússia um "porto seguro em seu próprio território" é "má estratégia militar".
Outros tabus também estão sendo postos em xeque. Agora já parece concebível a presença na Ucrânia de militares de alguns Estados-membros da Otan. O comandante supremo das Forças Armadas ucranianas, Oleksandr Syrskyi, revelou nas redes sociais ter assinado documentos relativos à presença de instrutores militares franceses em seu país.
Estes poderão chegar "em breve" para inspecionar os centros de treinamento, no que Syrskyi classifica como "um projeto ambicioso". Ele espera que outros aliados vão aderir à iniciativa. Por sua vez, Macron anunciou que na primeira semana de junho apresentará um plano para o envio de instrutores de treinamento.
Segundo o especialista francês em política externa Nicolas Tenzer, "a França possivelmente está disposta a fazer isso, tão rápido quanto possível", e os locais devem ser Lviv ou Kiev. A Polônia e os países bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia) tampouco descartam o envio de pessoal de treinamento ao país sob ataque russo.
Como avaliou o The New York Times num artigo de meados de maio, essa forma de ajuda possibilitaria a Kiev treinar e enviar mais rapidamente para o front os soldados recém-mobilizados e urgentemente necessários. Aparentemente, a restrição mais importante é que os aliados não se envolvam em combates diretos com a Rússia, segundo o jornal.
Entretanto essa sugestão encontra críticos nos meios militares, que acusam Macron e seus apoiadores de terem exposto as linhas demarcatórias europeias. Matisek se mantém convicto de que "se poderia, sem problemas, enviar alguns milhares de soldados ocidentais para Lviv, como parte de uma missão de treinamento": afinal, a União Europeia já mantém uma iniciativa do gênero, e poderia facilmente transferi-la para a Ucrânia.
O oficial americano vai mais longe, com uma sugestão que não está sendo considerada na discussão política: que os países ocidentais estacionem tropas ao longo da fronteira e no interior da Ucrânia, até a margem do rio Dnipro.
"Acho que isso emitiria a [presidente russo Vladimir] Putin um sinal bem claro de que o Ocidente não vai mais tolerar novas conquistas territoriais na Ucrânia. Se os europeus fizessem isso, ficariam liberadas até 20 brigadas ucranianas para mobilização mais perto da frente de combate." Contudo, a medida implicará também "mais defesa aérea" para proteger os soldados europeus acrescenta Matisek.
Na Alemanha, alguns políticos e especialistas são a favor de que países-membros da Otan na região passem a abater drones e mísseis russos a partir de seus próprios territórios. Concretamente, com armamentos estacionados em países como a Polônia, se criaria no oeste ucraniano uma zona de exclusão aérea de 70 quilômetros, país adentro.
O chefe de governo Scholz segue contra qualquer participação militar direta da Otan no conflito. Em contrapartida, há semanas ele pressiona pelo fornecimento de mais sistemas de defesa aérea à Ucrânia, como os dois enviados recentemente pela Alemanha, um Patriot e um Iris-T.
Jahara Matisek diz compreender a moderação da Alemanha perante a Rússia, por motivos históricos. No entanto, considera aceitável o risco de uma escalada: se a mobilização ocidental se limitasse ao abate de mísseis e drones russos apenas sobre a Ucrânia – não no território da Rússia ou de seus aliados como Belarus – seria "praticamente uma missão humanitária", argumenta.
Para muitos observadores do Ocidente, contudo, seria especialmente difícil manter uma zona de exclusão aérea restrita. Até o momento, nenhum chefe de Estado da Organização do Tratado do Atlântico Norte abraçou a ideia.
Os invasores ameaçam: soldados ocidentais na Ucrânia se tornarão alvos de suas ofensivas. Além disso, alegam que a possibilidade de aliados ocidentais enviarem seus militares ao país sob invasão e permitirem contraofensivas com suas armas em território russo, seria justamente o motivo por que a Rússia vem realizando exercícios envolvendo armas nucleares táticas.
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Soldados do Ocidente na Ucrânia: cai um tabu? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU