28 Mai 2024
“Parece loucura para mim, não sei como se possa pensar em algo assim.” Pouco depois da hora do almoço, Cecilia Strada, cabeça de chapa do Partido Democrático no Noroeste da Itália para as eleições europeias, é uma das primeiras a quebrar o silêncio entre os democratas e a comentar as palavras de Jens Stoltenberg.
A entrevista é de Filippo Femia, publicada por La Stampa, 26-05-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
A Liga falou em “furor belicista”, o M5S projetou cenários de “Terceira Guerra Mundial". Como comenta a proposta do número um da OTAN?
Num momento em que continuamos a contabilizar mortes de civis, todos os esforços deveriam ser concentrados em alcançar uma paz justa para a Ucrânia. Dar a Kiev a possibilidade de atacar no território russo é, em vez disso, o caminho mais rápido para a escalada. É uma loucura contrária aos interesses da paz.
Como se pode obrigar Putin a negociar o fim da guerra?
Nos últimos anos estive envolvida no resgate de migrantes, honestamente não posso ser eu a sugerir a solução. Quem tinha o dever de trabalhar 20 horas por dia para salvar o maior número de civis e garantir a integridade territorial de Kiev fez isso com todos os esforços? Creio que não. O melhor momento para pôr um fim à guerra é agora.
Na reunião do G7 Finanças em Stresa falou-se da utilização de ativos russos congelados para financiar a Ucrânia. O que você acha?
Seria inútil se o dinheiro for usado para comprar armas. Se tivesse sido suficiente o envio de munições e armamentos, a essa altura estaríamos celebrando a paz na Ucrânia e isso seria maravilhoso. Mas neste momento não parece possível derrotar militarmente a Rússia. Repito, é preciso uma negociação para uma paz justa.
Poderá a Europa desempenhar um papel de protagonista nas negociações entre Moscou e Kiev?
Deveríamos primeiro falar a uma só voz em política externa e diplomacia. Fala-se de exército europeu, mas seria apenas uma parte da Defesa: aquela verdadeira começa com a diplomacia. O PD pede, além disso, a criação de corpos civis de paz, que nunca existiram na Europa. E também temos que voltar a falar sobre desarmamento nuclear.
De um teatro de guerra a outro: Gaza. Também ali o caminho para um cessar-fogo parece ser difícil.
Em Gaza os números oficiais falam de 35 mil mortos, mas sei que quando há uma guerra o número deve pelo menos ser triplicado porque há vítimas “em função do conflito”. Muitas pessoas ainda vivas morrerão em breve devido à falta de cuidados médicos e alimentos. Não podemos aceitar isso. É preciso um cessar-fogo imediato e depois uma solução política: não pode ser outra que a dos dois povos e dois Estados, com base nos direitos humanos. Não se pode continuar com o status quo à espera do próximo massacre como o de 7 de outubro ou dos crimes de guerra cometidos contra a população palestina.
Como Gino Strada comentaria o que está acontecendo na Faixa?
Ele diria que a guerra é a mesma merda de sempre, um massacre de civis. Acrescentaria que devemos parar de pensar que a história é uma sequência inevitável de conflitos. Ele gostava de citar Einstein e o seu manifesto assinado com Russell: a guerra, dizia, não pode ser humanizada: só pode ser cancelada.
No passado não poupou críticas ao Partido Democrático, agora concorre com os democratas nas eleições europeias. Quanto o fator Schlein contou?
Foi tudo. Nunca teria podido concorrer com o PD que apoiava os acordos com a Líbia. Sinto que posso percorrer um trecho do caminho junto com o partido que realizou uma mudança de rumo evidente: agora pede canais de acesso seguros e legais para os migrantes e uma missão europeia de busca e socorro.
A questão dos migrantes parece ter ficado de lado na agenda política.
Durante a campanha eleitoral este governo falava em bloqueio naval e os italianos perceberam que era um slogan vazio. Talvez a direita não queira insistir no centro para os migrantes na Albânia, que custou 800 milhões: um roubo dos bolsos dos cidadãos para violar os direitos humanos. Não insistem no tema dos migrantes porque deveriam admitir que apenas fizeram propaganda sem enfrentar seriamente o fenômeno.
O que Cecilia Strada pode trazer para a Europa?
Cheguei à política depois de trinta anos em contato com as pessoas que experimentam as políticas na sua pele. Essas políticas têm um cheiro. Conheço aquele da Europa que constrói muros e deixa as pessoas morrer no mar, é o cheiro do desespero e dos dejetos nos barcos. As normas que melhoram a vida dos trabalhadores, porém, têm o cheiro do pão recém assado. Se eu for eleita, usarei meu nariz como bússola: tentarei sempre me perguntar que cheiro tem uma determinada política uma vez aplicada. Se ainda sentir o cheiro do desespero, isso significará que não é a solução correta.
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“Usar armas da OTAN? Uma loucura, isso vai desencadear uma escalada imediata". Entrevista com Cecilia Strada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU