13 Abril 2024
"Questionar o que existia antes do Big Bang é uma questão inevitável e muito legítima, a tal ponto que a ciência não parou de explorar possíveis respostas. Mas não é uma tarefa fácil. Nós nem sequer entendemos completamente a suposta origem do universo", escreve Emilio José García Gómez-Caro, chefe da Unidade de Cultura Científica do Instituto de Astrofísica, em Andaluzia, em artigo publicado por El Diário, 12-04-2024.
Por causa do meu trabalho, costumo dar palestras sobre astrofísica, especialmente para crianças em idade escolar. Uma das questões que surge sempre no fim da conferência é precisamente esta: o que aconteceu antes do Big Bang (as outras são “para onde se expande o universo?” e “o que acontece se cairmos num buraco negro?”).
Durante muito tempo respondi da mesma forma: “Qual o sentido de perguntar sobre um período anterior à origem do tempo? Não existe tempo 'antes' do zero. Isso seria como perguntar sobre sua existência antes de você nascer!” Até que, certa ocasião, uma menina começou a listar detalhadamente tudo o que havia acontecido entre seu pai e sua mãe “antes” de ela “existir”. Eu a parei a tempo.
A experiência cotidiana nos mostra que cada acontecimento é consequência de uma causa anterior. Nada surge espontaneamente. Por que nosso universo deveria ser diferente? Questionar o que existia antes do Big Bang é uma questão inevitável e muito legítima, a tal ponto que a ciência não parou de explorar possíveis respostas. Mas não é uma tarefa fácil. Nem mesmo entendemos completamente a suposta origem do universo.
Na verdade, antes de abordar esta questão, deveríamos começar por definir o que queremos dizer com Big Bang.
O termo Big Bang foi enunciado pela primeira vez, e com alguma ironia, pelo brilhante físico Fred Hoyle para expressar o seu desacordo com “aquelas teorias que sugeriam que toda a matéria foi criada numa grande explosão num instante”.
Sem querer, Hoyle cunhou um conceito que, do ponto de vista do marketing científico, todos conhecem hoje. Porém, esse termo gera uma imagem errônea: a do nosso universo nascendo como resultado de uma grande explosão.
Na realidade, este modelo cosmológico – solidamente baseado na teoria da relatividade geral e em extraordinárias evidências observacionais – mostra-nos que o universo que podemos observar nem sempre foi o mesmo, mas evoluiu ao longo do tempo.
Se projetássemos o filme do cosmos de trás para frente e viajássemos ao passado, algo surpreendente aconteceria: a distância entre dois pontos quaisquer no espaço seria cada vez menor, até atingir um estado em que o universo seria extraordinariamente denso e quente.
Se continuássemos a voltar no tempo, poderia chegar um momento em que todo o cosmos estivesse concentrado num único ponto? Não podemos saber. Pouco antes de chegar a esse momento, as leis da relatividade geral perdem a validade, enlouquecem. Isso é o que chamamos de singularidade.
Tradicionalmente, este instante é chamado de Big Bang. Mas longe de ser um big bang, representa um limite à nossa compreensão atual das leis do universo. Para entender o que aconteceu naqueles momentos iniciais, precisaríamos de uma teoria física mais completa que a atual. É como se o projetor de cinema quebrasse pouco antes de chegar ao início.
Não só não sabemos o que aconteceu antes do Big Bang, mas é até difícil para nós compreender o que aconteceu num pequeno instante imediatamente depois.
O curioso é que, justamente nesses cenários extremos, onde nossas teorias “quebram”, é que surge um verdadeiro laboratório de ideias para explorar novas teorias físicas. Na última década, foram propostas inúmeras tentativas para criar um quadro teórico que explicasse naturalmente o que aconteceu antes do que chamamos de Big Bang.
Por exemplo, físicos renomados como Roger Penrose ou Abhay Ashtekar desenvolveram teorias nas quais o nosso Big Bang poderia ter sido o resultado de um “rebote” de um universo anterior que entrou em colapso e deu origem ao nosso.
Em outros modelos, o Big Bang é produzido pela colisão de entidades fundamentais chamadas branas. E, para alguns, o nosso universo é como uma bolha em expansão contida dentro de outro universo que se expande desde sempre.
A física quântica atual permite até a existência prévia de um “falso” vácuo cujas flutuações de energia podem ser amplificadas, gerando uma paisagem de multiversos em que muitos universos nascem e morrem. O nosso seria simplesmente mais um.
Algo mais lacônico foi o famoso Stephen Hawking, que em uma de suas últimas entrevistas argumentou que “por mais difícil que seja imaginar, talvez simplesmente não tenha havido tempo antes do Big Bang”.
Todas estas teorias, embora muito especulativas, não são meros passatempos de físicos teóricos entediados. Eles poderiam conter a chave, a centelha de criatividade, que leva ao desenvolvimento de uma teoria mais completa que englobe os nossos modelos atuais.
No entanto, a maioria destas alternativas contém um “pequeno” problema: sugerem que qualquer vestígio de um universo anterior é completamente apagado após o Big Bang, deixando-nos sem esperança de encontrar alguma evidência do que possa ter existido antes.
Portanto, se você me perguntar novamente sobre o que aconteceu antes do Big Bang, talvez eu deva responder que não sabemos e talvez nunca saberemos. Talvez então um(a) estudante levante a mão e me explique em detalhes o que aconteceu antes de nosso universo existir.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O que existia antes do Big Bang? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU