17 Julho 2023
O vazio dos físicos não é o nada dos filósofos. A física dos últimos anos ensina que na realidade dos experimentos é muito difícil pensar que possa haver um nada absoluto, ou um espaço completamente vazio.
O artigo é do teólogo italiano Marco Staffolani, padre passionista italiano e professor assistente da Pontifícia Universidade Lateranense, em Roma, publicado por Settimana News, 09-07-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O "vazio" sempre criou problemas ao longo da história: a expressão latina horror vacui indicava a posição aristotélica segundo a qual “a natureza evita o vazio” (natura abhorret a vacuo), tanto que, para o mestre de Estagira, todo gás ou líquido tende constantemente a preencher todos os espaços consigo mesmo, evitando assim deixar porções não ocupadas. O pensamento das antigas escolas pitagórica e atomista era, pelo contrário, a favor do vazio: a sua "existência" não só é possível como é um princípio fundamental para que as coisas possam existir separadamente umas das outras, por exemplo, o vazio que permeia os átomos é o que permite o seu movimento.
É somente graças aos experimentos de Torricelli de 1644 que foi possível ver fisicamente o efeito do vazio através do nível de mercúrio em um tubo fechado que dependia da pressão atmosférica. A experiência foi confirmada em 1647 por Blaise Pascal, que demonstrou que a coluna de mercúrio de Torricelli se esvaziava completamente na base se o aparelho fosse, por sua vez, confinado no vácuo, ou seja, isolado da pressão atmosférica.
Hoje a ciência (e a técnica) do vazio encontra importantes aplicações. Desde o simples “embalar a vácuo” alimentos ou objetos para protegê-los de patógenos ou sujidades, até aplicações médicas ou descobertas científicas. Aqui na Terra o máximo que conseguimos realizar, um vazio "quase perfeito", atinge um nível de cerca de 100 partículas por metro cúbico. Acredita-se que um vazio ainda mais extremo exista apenas no espaço intergaláctico, onde um punhado de partículas estaria presente na mesma unidade de medida.
Mas mesmo que fosse possível chegar ao vazio sem partículas, seria um vazio perfeito? Temos certeza de que não há mais nada escondido naquele espaço que idealmente limpamos de tudo? Deixando de lado o imenso número de neutrinos, que atravessam os corpos sólidos sem nenhum problema, e as diversas ondas eletromagnéticas que o bom Faraday nos ensinou a isolar usando a sua "gaiola", nossas máquinas para o vácuo nada podem fazer contra as consequências previstas pelas duas grandes teorias do início do século (quântica e da relatividade) que contradizem a priori essa “perfeição” e que, aliás, além da ausência de matéria, exigiria uma ausência de energia.
A mecânica quântica diz-nos que para cada coisa, mesmo para o espaço (que nos parece vazio), vale o princípio da incerteza, para o qual é possível a criação (praticamente instantânea e espontânea) de pares de partículas conjugadas (denominadas virtuais) que se aniquilam entre si em um tempo muito curto depois de ter sido produzidas pela energia intrínseca do vazio. Esse enxame resultante de partículas e antipartículas parece ser responsável pela energia escura, aquela componente que faz com que o universo se expanda a um ritmo acelerado.
Também sabemos pela teoria da relatividade que o espaço também é permeado por ondas gravitacionais devidas ao deslocamento e colapso de enormes massas em movimento entre si. Já em 2015 o Prêmio Nobel foi atribuído à colaboração LIGO/VIRGO, pela medição de ondas produzidas por buracos negros “de tamanho estelar”. E poucos dias atrás, em 29 de junho, foi anunciado um resultado ainda mais geral, a medição de um "fundo cósmico" de ondas gravitacionais devidas a buracos negros de "tamanho galáctico".
O truque que os cientistas inventaram para detectar a passagem dessa (enorme) quantidade de ondas, que se transformam em um fundo ao se somarem entre si em um lentíssimo "zumbido" cósmico que permeia todo o espaço-tempo, é medir as variações (infinitesimais) de “relógios cósmicos” muito precisos chamadas pulsares, a partir do seu característico sinal de rádio que nos chega de forma recorrente com uma precisão extremamente acurada.
Ao selecionar dezenas dessas estrelas dentro de nossa Via Láctea e a milhares de anos-luz de distância, e avaliar, por meio de uma série de radiotelescópios e dados coletados ao longo de dezenas de anos, as pequenas variações no período de rotação desses pequenos faróis galácticos, os cientistas descobriram a existência de ondas gravitacionais ultralongas geradas, segundo as teorias mais aceitas no momento, por pares de buracos negros supermassivos durante o processo de fusão entre duas galáxias. Esses buracos negros orbitam o centro de galáxias em colisão ou em fusão entre si e, durante sua órbita, a teoria de Einstein prevê que ondas ultralongas sejam emitidas. Tais ondas gravitacionais têm uma frequência muito baixa, comparável ao tempo de rotação de uma galáxia em torno de outra, ou seja, milhões de anos.
O que dizer? A natureza sempre nos revela surpresas, e a visão aristotélica inicial de que não há nada que não contenha algo parece estar voltando à moda. Com toda franqueza, mesmo que conseguíssemos ver com os instrumentos (e às vezes até antes com a teoria) o que é invisível aos nossos olhos, isso, mais do que alimentar uma sensação de domínio e segurança sobre a criação, desperta assombro, tanto para os crentes quanto para os não crentes.
O Autor da natureza parece esconder as futuras descobertas umas dentro das outras, mas parece ter destinado a passagem do tempo e a nossa curiosidade a nunca tocar o fundo do ser com segurança e controle! Contra toda pretensão de uma teoria de tudo, contra toda idolatria das leis da natureza!
O que o futuro nos reserva? Novas sondas (como a JWST) decolam para o espaço para sondar os momentos iniciais do universo, ou para tentar mapear a misteriosa matéria escura (Euclides). Se quisermos classificar esse fascínio da descoberta e essa ligação mágica entre o infinitamente pequeno e o infinitamente grande sob a palavra mistério, devemos, no entanto, voltar à mais clássica das perguntas. De fato, o que se coloca à nossa frente e que exige explicação é, em primeiro lugar, a nossa própria existência: ela também parece plenamente visível e cientificamente sondável, às vezes até transparente e previsível através das novas IAs, mas sabemos que, se investigada em profundidade, pode deixar-nos sem palavras, porque não há coisa ou personagem pelo qual se deixe completamente apreender. Portanto, antes de investigar todo o cosmos, deveríamos nos perguntar se ainda vale o ditado da sabedoria grega: "conhece-te a ti mesmo"?
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O que enche o vazio? Artigo de Marco Staffolani - Instituto Humanitas Unisinos - IHU