25 Mai 2024
“É uma perspectiva metodologicamente muito importante e interessante para uma pessoa que pensa. É preciso encarná-la. E isso significa fazer julgamentos que podem ser dramaticamente perigosos". Sobre o Ocidente, sobre a guerra, sobre a indiferença de parte do mundo cultural e das elites. Diante das quais a Igreja deve “insurgir-se” e ser, como também o mundo intelectual laico que pensa, um “sinal de contradição”. Para Massimo Cacciari, professor emérito de Estética da Universidade de Veneza e intelectual muito presente no debate político e intelectual italiano, há muito tempo em diálogo com os principais expoentes da Igreja, como o Cardeal Carlo Maria Martini desde a época da “Cátedra dos não crentes”, pedimos para interagir com as palavras do presidente da CEI, Cardeal Matteo Zuppi, sobre o diálogo entre a cultura católica e a laica. E ao mesmo tempo um balanço sobre o debate aberto por D. Pierangelo Sequeri e Roberto Righetto.
A entrevista é de Gianni Santamaria, publicado por Avvenire, 22-05-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
"O pensamento é pensamento quando é sinal de contradição e a Igreja é Igreja quando é sinal de contradição - afirma o filósofo. Como a mensagem evangélica que não conduz ao um irenismo e um pacifismo abstratos. Se a Igreja se coloca assim em relação à opinião comum e à tendência dos tempos, às ideologias do mundo, sempre terá alguma relação, talvez polêmica, com o pensamento laico e também com o ateu. Porque existe um ateísmo da total indiferença e há ateus que creem".
Há semanas que nestas páginas nos questionamos como dar um novo impulso à cultura católica. Como você vê a questão?
Não se trata de seguir “ismos” – “a” cultura católica, “a” cultura laica – porque na cultura católica existem posições diferentes, sem falar daquela laica onde até surgem instâncias antitéticas. E não se trata tanto de relançar, mas de questionar-se sobre quais temas, problemas e perspectivas é possível hoje um diálogo realmente fecundo entre cultura católica – ou seja, entre as posições que parecem emergir neste pontificado – e aqueles setores da cultura, da filosofia, da ciência política europeia ocidental que mostram consciência das crises históricas que estamos atravessando.
De fato, o discurso do cardeal atinge o ápice de uma análise do individualismo, da pobreza, da situação geopolítica.
Essas são questões, basta pensar na pobreza, que haurem recursos de um patrimônio antigo, mas são ditadas pelas contingências, pelos gargalos do presente. Estamos numa situação geopolítica que leva a repensar inteiras histórias, tradições, visões de mundo. Estamos num ponto de virada histórico que poderia muito bem expressar-se numa catástrofe.
Zuppi aponta o contato com o mundo cultural como essencial para a compreensão da sociedade secularizada de hoje. Qual é o principal obstáculo?
O problema é o de uma Europa, de um Ocidente, como terra de missão. É o grande drama que a Igreja atravessa. Mas, ao mesmo tempo, como poderíamos desistir da Europa ou do Ocidente?
Cristandade ou Europa, dizia Novalis...
Mas esse “ou” é um ponto de interrogação do tamanho de uma casa. Para Novalis, a história europeia era em grande parte passada, dizia respeito à Idade Média.
Uma época em que fé e cultura caminhavam juntas. O cardeal recorda que não só a Igreja precisa de cultura, mas para esta também serve o ponto de vista cristão. Qual é hoje a atitude predominante?
A Igreja não se depara mais com um ateísmo militante, mas com uma indiferença radical. Não está mais diante de um Nietzsche que diz “Deus está morto”, mas de quem diz “que me importa Deus”. É um salto louco. Mas mesmo para um não crente, digamos assim, essa é uma grande questão, na medida em que tem uma consciência filosófica no verdadeiro sentido do termo, que é a atitude para transcender, não se ver como uma ilha separada, um simples ego. O não crente que pensa não acreditará em uma entidade que o transcende, mas deve acreditar no caráter transcendente da sua própria consciência. É a pergunta sobre a transcendência que foi aquietada. Então é perfeitamente legítimo de um lado e do outro, reconhecer-se numa condição de absoluta miséria, pobreza e solidão. Na qual, em primeiro lugar, os poderes são indiferentes àquela pergunta e apenas jogam, mal e mal, na defesa de seu próprio interesse.
Quais são as consequências?
Estão diante dos olhos de todos. A Europa está totalmente secularizada. Silenciou toda pergunta crítica sobre o seu futuro e destino. Não tem ideia de si mesma, só se move no plano da total imanência mercantil. Essa situação de crise repercute, como sempre acontece, sobre os mais fracos. Nesse ponto fica claro que a Igreja deve se insurgir. Assim encontra ao seu lado um pensamento leigo radicalmente crítico. Só que ambos não são ouvidos.
Numa passagem o cardeal fala de diálogo crítico com as elites e a cultura de massa dominante, em outro de estilos de vida e éticos dominantes. Qual é essa cultura dominante?
Em sentido antropológico é a que eu citei. Depois, há as elites que estão divididas e alinhadas grudadas no existente. Acreditam que a única maneira de defender o Ocidente é aquela a que estamos assistindo na Palestina e na Ucrânia. Depois, há aqueles que têm posições críticas que, por vezes, estão muito próximas daquelas que hoje a Igreja – se é toda, não sei – expressa. Enfim, o pensamento é pensamento quando é sinal de contradição e a Igreja é Igreja quando é sinal de contradição. Como a mensagem evangélica que não conduz ao um irenismo e um pacifismo abstratos. Se a Igreja se coloca assim em relação à opinião comum e à tendência dos tempos, às ideologias do mundo, sempre terá alguma relação, talvez polêmica, com o pensamento laico e também com o ateu. Porque existe um ateísmo da total indiferença e há ateus que creem.
Você falou sobre "insurgir-se". Zuppi convida a Igreja a uma “militância” e a uma criatividade cultural, caso contrário falha "culpadamente" em cumprir a missão de atualizar a mensagem cristã.
É uma perspectiva metodologicamente muito importante e interessante para uma pessoa que pensa.
É preciso encarná-la. E isso significa proferir juízos que podem ser dramaticamente perigosos.
O que é esse Ocidente? Como é governado? Onde quer ir? Sobre essas guerras não se deve dizer apenas que são ruins, Napoleão também dizia isso. Mas é preciso entender se estamos com Napoleão ou com Wellington. Percebo a extrema dificuldade. Basta olhar para as reações ao que disseram o Papa e outros na Igreja. O Ocidente é velho, foi hegemônico e ainda pretende sê-lo. Não é uma boa notícia, porque faço questão de ser ocidental e não quero acabar nem putinista, nem russo, nem chinês e nem muçulmano. Mas o Ocidente acredita que estar na defensiva é a melhor arma, mas é uma ideia de destino, de destino que pode salvá-lo. Caso contrário, assistiremos não o seu ocaso, mas à sua catástrofe.
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“Se for um sinal de contradição, a Igreja terá ao seu lado leigos pensantes”. Entrevista com Massimo Cacciari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU