Redução das APPs no RS: manifestação do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos - Comitesinos sobre a aprovação e sanção do PL n. 151/2023 em Lei n. 16.111/2024
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"A Lei n. 16.111/2024 representa uma ameaça séria aos nossos recursos naturais e à conservação ambiental ao propor alterações no Código Estadual do Meio Ambiente, visando permitir intervenções em Áreas de Preservação Permanente (APPs) para a construção de barragens de irrigação – em desacordo direto com a Lei de Proteção à Vegetação Nativa ou chamado Código Florestal Brasileiro (Lei n. 12.651/12), a Lei da Mata Atlântica (Lei n. 11.428/2006) e a seu Decreto n. 6.660/2008", afirma o Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio do Sinos – Comitesinos em nota de 18-04-2024.
Eis a nota.
O Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio do Sinos – Comitesinos, como o Parlamento das Águas e entidades que discutem e deliberam a respeito da gestão dos recursos hídricos, sendo defensores do meio ambiente, repudia veementemente a sanção do Projeto de Lei 151/20231, de autoria do deputado estadual Delegado Zucco, aprovação, por uma margem significativa, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, em 12 de março, e sancionada pelo Governador Eduardo Leite, em 09 de abril, em Lei n. 16.111/2024, alterando a Lei n. 15.434/2020, que institui o Código Estadual do Meio Ambiente. Tal decisão representa um grave atentado aos princípios de preservação ambiental e coloca em risco as áreas de preservação permanente em nosso Estado. Assim, considerando que:
a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, em seu Art. 171, instituiu o “Sistema Estadual de Recursos Hídricos” adotando “as bacias hidrográficas como unidades básicas de planejamento e gestão”.
a Lei Estadual n. 10.350/944, que criou o Sistema Estadual de Recursos Hídricos (SERH) e a Política Estadual de Recursos Hídricos (PERH) passou a considerá-los “na unidade do ciclo hidrológico, compreendendo as fases aérea, superficial e subterrânea, e tendo a bacia hidrográfica como unidade básica de intervenção”.
a PERH objetiva “promover a harmonização entre os múltiplos e competitivos usos dos recursos hídricos e sua limitada e aleatória disponibilidade temporal e espacial, de modo a combater os efeitos adversos das enchentes e estiagens, e da erosão do solo” e “impedir a degradação e promover a melhoria de qualidade e o aumento da capacidade de suprimento dos corpos de água, superficiais e subterrâneos”.
a PERH tem entre seus princípios regentes a gestão hídrica “no quadro do ordenamento territorial, visando à compatibilização do desenvolvimento econômico e social com a proteção do meio ambiente” e “o estabelecimento de instâncias de participação dos indivíduos e das comunidades afetadas” pela água.
a PERH possui, entre suas diretrizes específicas, a descentralização das ações do Estado por “regiões e bacias hidrográficas”, a “participação comunitária através da criação de Comitês de Gerenciamento de Bacias Hidrográficas” e a articulação do SERH com demais sistemas estaduais, como “de planejamento territorial, meio ambiente, saneamento básico, agricultura e energia”.
o Plano da Bacia Sinos preconiza a preservação das nascentes e da vegetação ciliar para garantir a produção de água e consequente disponibilidade hídrica.
as APPs são fundamentais para a manutenção das margens do Rio dos Sinos e da morfologia fluvial, evitando-se processo de assoreamento da calha principal do Rio, assim como de seus afluentes.
as APPs funcionam como filtros e barreiras à poluição hídrica, especialmente aquela de origem no escoamento superficial, contribuindo para a atenuação de cargas da bacia.
as APPs do entorno de corpos hídricos são redutos de biodiversidade terrestre, corredores biológicos e fornecem materiais e alimento para a biota aquática residente na calha do Rio dos Sinos e de seus afluentes.
a cobertura vegetal é essencial para a manutenção do ciclo hidrológico na bacia, por meio de processos de evapotranspiração, da retenção de água no solo, da diminuição do impacto do escoamento superficial e para a maior permanência de água na bacia.
no novo cenário de mudanças climáticas no RS, caracterizado por eventos climáticos extremos, com tendência a alternância entre estiagens e grandes concentrações de chuvas em curtos períodos, vivemos momento em que o Rio Grande do Sul já tem sido duramente afetado, não apenas em termos materiais e econômicos, mas inclusive com dezenas de perdas de vidas humanas.
seja essencial em tal cenário adotar políticas públicas que promovam a conservação e a gestão sustentável de nossos recursos hídricos, e não medidas que contribuam para sua destruição, fazendo-se ainda mais estratégico o papel da preservação das nascentes e da vegetação protetiva de seu entorno, delimitado em APPs, não apenas para a manutenção do equilíbrio hídrico, mas também para a redução de vulnerabilidades a riscos a vidas humanas em situações extremas.
a manutenção dos aspectos quali-quantitativos da água na bacia do Rio dos Sinos e, também, a prevenção a riscos a vidas humanas têm relação direta com a manutenção da sua cobertura vegetal, sobretudo em Áreas de Preservação Permanente (APPs) no entorno de recursos hídricos.
os impactos negativos naquelas APPs por definição como de proteção de nascentes e/ou de vegetação ciliar – por gerarem efeitos deletérios sobre os recursos hídricos da respectiva bacia hidrográfica – não poderem ser tecnicamente considerados como de impacto unicamente local, devendo assim ser tratados no contexto da gestão hídrica a luz de seu arcabouço legal e institucional.
a Lei n. 16.111/2024 representa uma ameaça séria aos nossos recursos naturais e à conservação ambiental ao propor alterações no Código Estadual do Meio Ambiente, visando permitir intervenções em Áreas de Preservação Permanente (APPs) para a construção de barragens de irrigação – em desacordo direto com a Lei de Proteção à Vegetação Nativa ou chamado Código Florestal Brasileiro (Lei n. 12.651/125), a Lei da Mata Atlântica (Lei n. 11.428/20066) e a seu Decreto n. 6.660/20087.
a Lei n. 16.111/2024 passa a classificar – como excepcionalidades ao caráter de permanência das APPs – enquanto de “interesse social as áreas destinadas ao plantio irrigado” e “demais obras, planos, atividades ou projetos definidos em resolução do Conselho Estadual do Meio Ambiente”, bem como de “utilidade pública as obras de infraestrutura de irrigação” - incluindo-se “barramentos ou represamentos de cursos d’água”.
tais atividades, ao não constarem como excepcionalidades previstas na Legislação Federal – seja enquanto “utilidade pública”, seja como de “interesse social” – constituem-se clara afronta ao caráter de permanência das APPs nela previsto para todas as demais situações, em que assim, portanto, são vedadas.
a Lei n. 16.111/2024, ao desrespeitar normas gerais estabelecidas pela União, invadindo sua competência, fere o princípio da competência legislativa concorrente (vertical entre os entes da federação) prevista no Art. 24, VI da Constituição Federal de 1988.
a previsão de complementação à legislação federal para atender a interesses regionais não permite que um Estado amplie possibilidades de licenciamento ambiental em APPs quando extrapolando os limites definidos em legislação nacional em rol de atividades possíveis de intervenção, mas tão somente crie normas suplementares, dentro de tais delimitações gerais.
possíveis conflitos oriundos de desdobramentos práticos de tal desatenção, pela Lei 16.111/2024, ao princípio da competência legislativa concorrente, por exemplo em situações de licenciamento ambiental de atividades nela inclusas como de interesse social ou de utilidade pública em bacias hidrográficas de rios de domínio da União, que não interferem apenas nos recursos hídricos do Rio Grade do Sul.
a Lei n. 16.111/2024 também desconsidera o princípio legal, na gestão hídrica, da participação dos indivíduos e das comunidades afetadas via instâncias participativas e suas diretrizes de descentralização por regiões e bacias hidrográficas através de seus respectivos comitês de gerenciamento, afetando frontalmente assim os objetivos e instrumentos de harmonização entre os múltiplos usos dos recursos hídricos ao promover sua competição e gestão privada.
a Lei n. 16.111/2024, ao desconsiderar a adoção das bacias hidrográficas como unidades básicas de planejamento e gestão dos recursos hídricos, também fere a hierarquia da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul.
os barramentos, quando cheios, não possuem qualquer capacidade de retenção hídrica adicional, não apresentando a função de amortecimento de escoamento de águas de chuvas torrenciais e de enxurradas apresentada pela vegetação em APP do entorno dos corpos hídricos – potencialmente assim agravando os riscos a vidas humanas à jusante nessas situações.
os riscos adicionais de rompimento de tais barragens, cujo potencial de multiplicação numérica conferido pela Lei 16.111/2024 é inversamente proporcional a capacidade de fiscalização pelos órgãos de Estado.
o potencial de alteração da qualidade da água dos corpos hídricos barrados, entre outros por acumulação de sedimentos, variações nas correntes, aporte de nutrientes, iluminação e na temperatura da água, com riscos de eutrofização ou mesmo eventual Floração de Algas Nocivas (FAN).
quaisquer alterações legislativas que prevejam redução de Áreas de Preservação Permanente com função protetiva de recursos hídricos deveriam, minimamente, com base no Princípio da Motivação do Ato Administrativo, aportarem fundamentação técnica que afastasse os riscos de prejuízos ambientais e as vidas humanas delas decorrentes.
tal aporte de fundamentação técnica, não ocorrido, deveria incluir projeções do montante de redução de áreas de APPs que seriam perdidas com a implementação de tal regramento e os respectivos resultados hidrológicos sobre os corpos hídricos advindos de tais supressões e barramentos, com vistas ao atendimento do Princípio da Vedação do Retrocesso Ambiental e a Prevenção de Riscos a Vidas Humanas.
a ausência de tais estudos prévios e os potenciais impactos negativos sobre a qualidade e quantidade dos recursos hídricos na bacia Sinos advindos de tais intervenções constituem situação totalmente nova, necessitando ser incorporada no respectivo Plano de Bacia Hidrográfica com vistas ao estabelecimento de critérios adicionais e revisão de prioridades para a outorga de direitos de uso de recursos hídricos relacionados a barramentos.
por isso nosso entendimento, juntamente com técnicos da área ambiental, de que tais alterações são altamente prejudiciais, contraproducentes e desconsideram os princípios básicos de proteção ambiental, tendo o potencial, a médio prazo, de agravar ainda mais a escassez de água e riscos a vidas humanas que já enfrentamos em nosso Estado e na bacia Sinos.
tais alterações legislativas deveriam ter parecer prévio dos respectivos Comitês de Bacia Hidrográficas – que, conforme já exposto, é a quem legalmente cabe o planejamento e gestão do “uso dos recursos hídricos”, da “proteção dos recursos hídricos” e da “proteção contra os recursos hídricos em eventos extremos”.
no “Grupo de Trabalho Políticas Públicas de Reservação de Águas” (criado para debater soluções para as dificuldades enfrentadas com a falta de água decorrente da estiagem no Estado, coordenado pelo Ministério Público do RS, e que contou com participação da Assembleia Legislativa, entidades representativas da produção rural e convite a Secretarias da Agricultura, do Meio Ambiente e IBAMA), com documento de interpretação da legislação concluído em 14 de abril de 20225, não foram convidados para integrá-lo os Comitês de Bacia nem seu Fórum Gaúcho.
é fator de preocupação adicional o fato da Lei 16.111/2024 não conter disposições compensatórias adequadas para reduzir os danos ambientais decorrentes da remoção de vegetação nativa em Áreas de Preservação Permanente (APPs).
a falta de um plano eficaz de recuperação ambiental, conforme delineado pelo Programa de Regularização Ambiental (PRA), ser uma falha séria e inaceitável em uma lei que deveria ter como prioridade a conservação e a recuperação de nossos ecossistemas.
o compromisso do Comitesinos com a proteção do meio ambiente e a promoção do desenvolvimento sustentável permanece inabalável, de modo que continuaremos a trabalhar incansavelmente para garantir que políticas e legislações adequadas sejam implementadas para proteger nossa terra e nossos recursos hídricos.
A Diretoria do Comitesinos, com o aval de sua plenária, vem, com grande preocupação, se dirigir ao Governo do Estado, à Assembleia Legislativa, ao Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul e ao Conselho de Recursos Hídricos do Rio Grande do Sul pois as consequências da alteração desta lei são extremamente prejudiciais, podendo agravar ainda mais a escassez de água e os riscos a vidas humanas em nosso Estado. Barragens construídas nessas áreas não só comprometem a preservação ambiental, mas também aumentam os perigos de enchentes e desastres naturais, colocando em risco a segurança e o bem-estar da população.
Diante disso, exigimos que a Lei n. 16.111/2024 seja revista imediatamente, quiçá revogada, em respeito à legislação ambiental nacional, aos princípios de sustentabilidade e à proteção de nossos recursos naturais para as gerações futuras. Instamos o Governo do Estado, a Assembleia Legislativa e o Ministério Público a agirem em defesa do meio ambiente e dos interesses da população gaúcha, que sejam tomadas providencias quanto a inconstitucionalidade desta lei em relação à Constituição Estadual que define o Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
Chamamos também a sociedade civil e as organizações ambientais a se unirem nesta luta contra essa iniciativa danosa. É nosso dever preservar e defender nosso patrimônio ambiental comum, garantindo um futuro sustentável para todos.
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Redução das APPs no RS: manifestação do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos - Comitesinos sobre a aprovação e sanção do PL n. 151/2023 em Lei n. 16.111/2024 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU
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