04 Agosto 2023
Professor do Departamento de Botânica da UFRGS e coordenador-geral do InGá fala sobre as concessões de parques e o impacto ambiental de intervenções em áreas verdes.
A entrevista é de Luís Gomes, publicada por Sul21, 03-08-2023.
O episódio desta semana do De Poa, podcast do Sul21 em parceria com a Cubo Play, recebe Paulo Brack, professor do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador-geral do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá). Brack conversa com Luís Eduardo Gomes sobre as concessões da gestão de parques em Porto Alegre e o impacto ambiental que intervenções nas áreas verdes da cidade podem causar.
Ao longo da conversa, o professor questiona o modelo de concessão que está sendo proposto para os parques Harmonia, Redenção e Marinha do Brasil, destacando que eles trazem um impacto ambiental que não está sendo considerado ou reconhecido pela Prefeitura. “Pô, fazer uma concessão pra uma atividade que você vai cortar um terço das árvores, qual é o sentido que tem nisso? E aí o secretário municipal do Meio Ambiente, o Germano Bremm, que é um dos, digamos, promotores dessas concessões junto com o prefeito Sebastião Melo, dizendo: ‘não, mas as árvores ali, algumas delas estavam doentes’, ‘estavam com risco de queda’, ‘45% das ‘árvores são exóticas’, ‘aquilo ali foi um aterro’. Tentaram fazer uma desqualificação da área. Isso que nos deixa mais indignados. E aí a gente vai buscar as informações, vamos buscar todo um histórico que já ocorreu há muitos anos”, afirma.
O De Poa, parceria do Sul21 com a Cubo Play, é um programa de entrevistas sobre temas que envolvem ou se relacionam com a cidade de Porto Alegre. Todas as quintas-feiras, conversamos com personagens ilustres ou que desenvolvem trabalhos importantes para a cidade. Semanalmente disponível nas plataformas da Cubo Play e do Sul21.
Temos visto discussões sobre o Parque Harmonia, sobre a Redenção, sobre o Marinha, então eu queria começar falando contigo sobre um assunto que, dentro dessa questão dos parques, foi um pouco mais discutido nas últimas semanas, que foi a situação do Parque Harmonia. A gente tem ali um empreendimento da concessionária GAM3 Parks saindo do papel, vai virar quase um parque temático, e a gente teve uma polêmica em relação à questão do corte de árvores. Como é que tu tem visto a situação no Parque Harmonia?
Nós já tínhamos a notícia há muito tempo do que viria, mas a gente não tinha se debruçado sobre esse assunto. Eu também faço parte do Conselho Municipal do Meio Ambiente, o Comam, e nós temos uma série de assuntos lá relativos à proteção, principalmente no que se refere à biodiversidade de Porto Alegre, e outros assuntos também, questão de resíduos. A perda dos espaços dos parques, as áreas verdes, ela tá realmente [em discussão]. Com a Redenção, ano passado, também foi uma mobilização bem importante que se realizou, pela tentativa do governo municipal de adiantar algumas concessões, até com um estacionamento subterrâneo, ali houve até uma reação muito forte da população, uma mobilização com mais de 3 mil pessoas. E aqui no Harmonia, a gente se envolveu mais recentemente.
No dia 30 de junho, o pessoal chamou: ‘olha, Brack, tá acontecendo e tal’. Eu fui na área e fiquei realmente impactado, chocado até, pela forma com que a intervenção dessas empresas é drástica, no sentido de retirada da vegetação. O Parque Harmonia é um parque com 17,5 hectares, o que representa a metade do Parque da Redenção. Ele era composto principalmente por áreas verdes para, digamos assim, trazer um pouco da cultura campeira. Cancha reta, também tínhamos rodeios e uma série [de outras atividades]. E até o Acampamento Farroupilha, como um evento que ocorre todos os anos, mas que, de certa maneira, ele se constrói durante um mês, um mês e meio, depois tudo volta a manter vegetação.
É reversível.
Sim. Aí você tem ali uma avifauna bastante rica. E nós verificamos ali uma devastação muito grande. Solicitamos que uma pessoa fizesse imagens de drone e elas vieram à tona, trouxeram toda aquela imagem chocante do que eles decaparam de vegetação. E aí depois nós fomos aprofundando em relação à vegetação e 435 árvores tinham sido solicitadas pela GAM3 para serem suprimidas, isso corresponde a um terço da arborização do parque. Aí eu me pergunto: pô, fazer uma concessão pra uma atividade que você vai cortar um terço das árvores, qual é o sentido que tem nisso? E aí o secretário municipal do Meio Ambiente, o Germano Bremm, que é um dos, digamos, promotores dessas concessões junto com o prefeito Sebastião Melo, dizendo: ‘não, mas as árvores ali, algumas delas estavam doentes’, ‘estavam com risco de queda’, ‘45% das ‘árvores são exóticas’, ‘aquilo ali foi um aterro’. Tentaram fazer uma desqualificação da área. Isso que nos deixa mais indignados. E aí a gente vai buscar as informações, vamos buscar todo um histórico que já ocorreu há muitos anos.
Em 1994, 95, já houve uma tentativa de um parque de eventos ali naquela área. Houve de parte do Movimento de Justiça e Direitos Humanos um pedido de mandato de segurança que foi acatado pela justiça federal, no sentido de que, se houvesse uma mudança do panorama de um parque que foi criado em 81 — já faz mais de 40 anos –, para transformar num parque de eventos, teria que se fazer um estudo de impacto ambiental, um estudo bem abrangente. E aí, naquela época, não houve a continuidade desse projeto. Ao longo do tempo, inclusive lá por 2000 e 2001, houve o Acampamento da Juventude, o Fórum Social Mundial. Então, aquele foi um espaço nobre de participação em muitos eventos do Fórum Social Mundial, em que se montava ali pequenos acampamentos, lonas, etc., e vinha a gente de todas as partes do mundo. Ali era um espaço de convivência, de integração latino-americana com várias partes.
Aquele foi um espaço que tem um histórico de mobilização da sociedade e também de uma paisagem natural, que está sendo agora transformado drasticamente em um parque de diversões, de certa forma, com roda gigante, com a ocupação intensiva por construções, por lojas, por restaurantes, por mega eventos. Então, se perdeu muito aquele aspecto de uma área de convivência com a natureza, de contemplar a natureza, ver a avifauna. ver flores. ver árvores e tal, para simplesmente se tornar um local de consumo e aí, sim, entra o esquema das concessões de 30 a 35 anos. Essas empresas vão querer é lucrar, já começaram com grande estacionamento, derrubando vegetação, destruindo tudo para fazer um mega estacionamento, e aí vão destruindo o que existia ali.
E aí nós descobrimos também que existia levantamentos de avifauna, aves e pássaros em geral, em oito parques urbanos de Porto Alegre, em que o Harmonia estava no ranking de primeiro lugar entre os parques em número de espécies de aves. Oitenta e cinco espécies de aves, tem mais do que o Marinha do Brasil, mais que a Redenção, mais que o Moinhos de Vento. Pela proximidade do Guaíba, tem várias aves aquáticas que visitavam aquela área, até porque existiam áreas ali mais de banhadinhos, áreas úmidas também. Maçaricos, biguás, garças, até colhereiro, que é uma ave super rara, isso tudo também seria motivo para se fazer um passeio, levar as escolas para observar de binóculo o comportamento de animais como esses. Mas isso tudo não faz parte do modelo que se quer hoje para a cidade, um modelo de consumo, de construções, que vai favorecer grandes empreiteiras.
Esse argumento que a Prefeitura deu, foi um argumento que o secretário Germano tem dado para a imprensa da questão de que grande parte das árvores, 45% como o senhor falou, não eram nativam e vai ser feito um replantio dessas árvores. O senhor acha que faz sentido tirar as árvores exóticas e colocar árvores nativas? Considerando, claro, que a promessa será cumprida.
É totalmente descabido esse comentário. Vamos imaginar aqui, pegamos a Rua Gonçalo de Carvalho que é uma rua considerada uma das mais lindas do mundo. Ela tem, nos dois lados, uma cortina, um corredor de tipuanas, que é uma árvore que não é daqui, seria uma árvore exótica. A tipuana está presente no Marinha do Brasil, em outros parques ela também faz parte. Ela dá sombra, ela tem o seu serviço ecossistêmico, ela dá abrigo para aves, está capturando CO2. Então, essas árvores, mesmo exóticas, na área urbana têm uma função essencial. Então, não tem sentido nenhum, até porque, do ponto de vista cultural e histórico, nós já temos um apego também às árvores exóticas da cidade. Esse argumento é um argumento meramente com a intencionalidade de desqualificar aquela área. E eu vou dizer mais, aquelas mudas que vão ser plantadas, elas vão levar 40 anos para chegar no porte de uma tipuana que tinha 15 metros de altura, já tinha o seu serviço ecossistêmico de filtrar a poluição, de ajudar o microclima local. Nós temos que verificar o seguinte, as áreas verdes na cidade têm temperaturas mais baixas, em geral, em relação às áreas mais urbanas com concreto, no verão principalmente. Então, a arborização da cidade atua também como estabilizador climático, tudo tem que ser considerado.
A gente viu na questão da concessão do Parque da Redenção que um dos argumentos usados em um evento privado, mas que estava sendo gravado, era de que o parque não tinha uso. Isso também se vê na questão do Harmonia, de que ele era pouco usado, que era usado só em setembro no Acampamento Farroupilha. Nesta questão do uso, qual é a importância dos parques, do ponto de vista ambiental, para a cidade?
Bom, eu já tinha iniciado aqui pela explanação em relação à questão microclimática. Essas áreas com a arborização vão atenuar a alteração do clima local. Então, em geral, a temperatura é menos alta no verão onde tem arborização. A arborização vai ajudar também como filtro de poluentes. A poluição sonora, existe um amortecimento em relação a isso. E o sequestro de carbono, entre outras tantas características importantes. E o verde também, para nós, ele faz parte da cultura. Eu diria o seguinte, mesmo que não seja usado diretamente, indiretamente essas áreas verdes vão contribuir como amortecimento de toda a área construída na cidade. Quando você tem a chuva, na área impermeabilizada, ela escoa rapidamente para os bueiros, podendo dar pequenos alagamentos na cidade, essas árvores vão amortecer. E, além disso, essas árvores vão abrigar espécies de flora e fauna. No caso das aves, com a agricultura moderna, que vem avançando e destruindo os habitats de flora, fauna e vamos pegar mais as aves, com o uso de agrotóxicos, as nossas áreas verdes estão sendo refúgio para essas aves que perderam o seu espaço ou que têm envenenamento. Então, também tem que ser considerado isso, que essas são áreas de refúgio para uma fauna que está sofrendo. E elas têm um histórico muito grande ali. Nós temos ali tartarugas que colocam seus ovos, nós temos gambás, temos preás, temos morcegos noturnos que comem frutas, nós temos uma fauna que foi totalmente desconsiderada nesse projeto. Então, existe uma ilegalidade flagrante, no sentido de que só se contabilizou, o que não é pouco, o número de árvores que ia ser cortado e o que vai ser plantado, como se houvesse, automaticamente, numericamente, ‘ah, nós cortamos 400 e poucas, vamos plantar 1.900, olha o ganho que vai ter, e vão ser nativas’. Mas elas vão levar tanto tempo para crescer… e vamos pensar assim, as árvores hoje plantadas em compensação não têm controle. A Smamus não sabe. Por exemplo, aquilo que foi cortado lá no Gasômetro há 10 anos, que houve uma grande polêmica por corte de tipuanas, mais de 115 árvores foram cortados para ampliar a avenida. A gurizada, na época, fez um acampamento contra o corte das árvores e tal, aí o prefeito Fortunati depois disse: ‘nós vamos fazer um plantio compensatório’. Onde é que plantaram parte dessas árvores que estavam previstas para plantio de compensação? Sessenta delas ali no Parque Harmonia, e mais algumas dezenas, ou mais de uma centena, na orla, onde tem o trecho três da orla. E aí eu pergunto para os técnicos da Smamus hoje: onde estão aquelas mudas que foram plantadas? Até foi um evento com a foto do Fortunati plantando as árvores lá no Parque Harmonia. Ninguém sabe. Aí eles dizem: ‘nós vamos plantar tantas’. Mas, daqui a 10 anos, onde é que estão essas mudas? Aí se construiu mais alguma coisa e não se sabe onde é que ficaram. Não existe um controle. Então, existe muito discurso de falta de uso, mas essas áreas têm uma função ecológica, econômica, o que a gente chama de serviços ecossistêmicos, muito grande.
Professor, sobre a questão da Redenção, a gente tem uma discussão semelhante. Ainda não avançamos para a concessão, foi discutida no ano passado uma proposta de concessão do Parque da Redenção, se eu não me engano, por 30 anos também, em que o principal retorno da concessionária se daria por meio do estacionamento subterrâneo. A Prefeitura foi derrotada na opinião pública, de certa forma, pelo menos naquele momento, na ideia de construir o estacionamento subterrâneo. Está sendo replanejado, repensado, quando a gente pergunta para a Prefeitura, isso voltou para as esferas internas e está sendo rediscutido. Imagina-se que, se o prefeito Sebastião Melo ganhar a reeleição, vai aparecer no segundo mandato dele. Não vai sair tão cedo a questão da concessão na Redação. Porém, tem avançado várias pequenas coisas na Redenção. Foi construído o Refúgio do Lago, foi colocado um container, recentemente, da Guarda Municipal, tem acontecido uma série de eventos. Isso, de alguma maneira, lhe preocupa do ponto de vista ambiental? Como é que o senhor vê a questão da Redenção que, como o senhor disse, tem uma importância para o micro clima numa área central da cidade, uma das áreas mais densamente habitadas da cidade, que tem na Redenção o seu ‘pulmão verde’.
Deveria existir um regramento para o uso dessas áreas. A gente até já tinha comentado em outra entrevista que seria um plano diretor [dos parques], alguma coisa assim, mas que ficasse marcado como regras que não podem ser modificadas a bel prazer do governo. Nós estamos lidando com patrimônio público de Estado, da população, da sociedade e com um histórico. No caso da Redenção, um histórico aí de um século e meio, quase dois séculos, em que até o nome Redenção tem a ver com a libertação dos escravos. Ali também já houve habitações dos quilombolas, enfim. Essa área ela tem até tombamento municipal. Inclusive, agora, o Coletivo Preserva Redenção encaminhou uma solicitação para o Iphan-RS (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) para que esse patrimônio seja também considerado a nível federal. E aí não é qualquer governo que vai fazer as modificações que quer fazer.
Infelizmente, o que a gente viu? Houve, digamos assim, um freio a essa tentativa de fazer a concessão do Parque da Redenção, mas vai na sequência, sim. A prefeitura está estudando, está pagando milhões de reais para consultorias privadas. Podendo utilizar esse recurso para melhorar o problema de segurança ou, enfim, melhoria dos acessos internos. Isso tudo está sendo gasto para fazer as concessões, que vão beneficiar os setores que, no final das contas, muitas vezes acabam sendo os financiadores de campanha dos próprios agentes públicos. Infelizmente, não existe um controle maior que deveria existir, uma inibição de que os os agentes públicos pudessem receber financiamentos privados. Esse financiamento ele não é mais CNPJ, mas é CPF dos mesmos donos das empresas. A gente viu aqui recentemente aí até uma reportagem que mais de 700 mil reais de financiamento na última eleição para o prefeito, o Sebastião Melo, veio das empresas incorporadoras de construção civil. Várias delas através dos donos, das pessoas representantes dessas empresas. Então, não é de graça que isso sai.
E o que aconteceu ali no Refúgio do Lago também, que foi uma coisa emblemática da forma enviesada com que vem se tratando esse espaço público. Ali existia um orquidário, ele foi demolido em 2018. As orquídeas que foram levadas lá pro viveiro Municipal, 95% ou quase todas elas morreram por falta de cuidado da Prefeitura. Ali existiam orquídeas raras, ameaçadas de extinção, era um local nobre para as pessoas conhecerem a importância das orquídeas. Se tirou isso, se fez um local de consumo gastronômico, de bebidas e tal. E essa é a lógica, você vai parcelando. Se você não consegue fazer a concessão total, você vai desmembrando essas concessões em puxadinhos. Um puxadinho aqui do Refúgio, outro puxadinho ali de uma outra construção, agora um container. E assim aquele patrimônio que foi tombado pelo município vai sendo, aos poucos, alvo de interesses privados e vai se perdendo áreas verdes. Isso é ruim para todos nós da cidade.
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“Novas mudas levarão 40 anos para chegar ao porte das cortadas no Harmonia”. Entrevista com Paulo Brack - Instituto Humanitas Unisinos - IHU