25 Abril 2024
Jessica Pullo, coordenadora da filial argentina do Fashion Revolution, revisita como as reivindicações foram mudando desde que o movimento começou a se expandir, há dez anos. Ao mesmo tempo, a design de moda, formada pela Universidade de Buenos Aires, com amplo conhecimento do cenário da moda sustentável local e regional, reflete sobre as iniciativas e avanços deste lado do globo.
A entrevista é María Eugenia Maurello, publicada por Clarín-Revista Ñ, 21-04-2024. A tradução é do Cepat.
Embora a pergunta inicial tenha sido “quem fabricou a minha roupa”, o que você pode dizer nesse sentido?
Foi um ponto de partida importante para começar a falar sobre as problemáticas ocultas da indústria da moda. No entanto, com o passar do tempo, percebemos que era preciso ir além desta questão, saber como as nossas roupas são feitas e com quais materiais. Isto tem um impacto significativo no meio ambiente e nas pessoas que as produzem e vestem.
O algodão, por exemplo, é uma das fibras têxteis mais utilizadas no mundo, mas requer grande quantidade de água e agrotóxicos. E a produção de poliéster, outra fibra popular, requer petróleo, um recurso não renovável. É importante que os cidadãos estejam conscientes a esse respeito e tomem decisões esclarecidas sobre as roupas que compram.
Podemos reparar, trocar e escolher peças feitas com materiais sustentáveis e de origem ética. Também apoiar as marcas locais que trabalham para reduzir o seu impacto ambiental e ter um impacto social positivo. Mas, acima de tudo, devemos exigir que sejam transparentes em toda a sua cadeia de fornecimento e garantam que os seus trabalhadores, da fibra até a venda, tenham uma vida digna.
Do outro lado do consumo excessivo está a superprodução. A circulação de roupas é uma alternativa ou é uma proposta enganosa para continuar consumindo?
A circulação emerge como alternativa ao consumo excessivo e à superprodução na moda. Ao optar por roupas de segunda mão, desincentiva-se a produção em massa. Esta prática pode reduzir a pegada ambiental e social da indústria. No entanto, não é uma solução única.
Ainda que evitemos a geração de novas roupas, a demanda persiste, perpetuando a produção. A circulação deve ser integrada a uma estratégia mais ampla que inclua a redução do consumo de roupa nova e a promoção da reparação e a reutilização.
Olhando para o local, qual é a sua opinião?
Diferente de outros lugares, aqui, não é comum descartar a roupa, mas, sim, doá-la ou vendê-la de segunda mão. Esta dinâmica contribui para reduzir o impacto negativo da indústria da moda em termos ambientais e sociais. No entanto, a consciência sobre os impactos da circulação de roupas usadas é fundamental. Ao comprar roupa de segunda, é decisivo conhecer a sua origem.
Na Argentina, a importação de roupas usadas do norte global, proveniente do Chile, aumentou, inundando mercados, feiras e lojas. É preciso saber que para evitar que sejam infestadas por pragas e sejam resistentes ao fogo, essas roupas são “higienizadas” com produtos químicos. São substâncias nocivas, como pesticidas, solventes e metais pesados, que podem contaminar a água e o ar e afetar a saúde.
O transporte de roupas usadas importadas gera grandes emissões de gases do efeito estufa, que contribuem para a mudança climática. Deve-se escolher lojas locais e evitar importações em massa para apoiar a economia circular e reduzir o impacto ambiental.
É essencial que esses locais sejam transparentes com os cidadãos sobre a origem dessas roupas, para que sejam consideradas uma alternativa real de moda positiva. Priorizar essas opções é fundamental, já que apoia a economia regional e reduz a procura por roupas importadas.
Em relação ao exposto antes, qual é a principal problemática provocada pela moda?
A indústria da moda gera resíduos, consome recursos naturais e afeta quem a produz e utiliza. As condições de trabalho precárias, os baixos salários e a contribuição para a mudança climática são preocupações fundamentais.
Contudo, nos últimos anos, a atenção na corrida para que a temperatura do planeta não ultrapasse 1,5 grau se fixou na descarbonização e isso também inclui a moda, que enfrenta uma crise crucial: a sua dependência dos combustíveis fósseis.
Até 2030, 75% das roupas serão fabricadas com fibras derivadas destes recursos, contribuindo para a crise climática. Apesar disso, apenas 34% das grandes marcas se comprometeram a descarbonizar suas cadeias de fornecimento.
A falta de ações concretas, como investir na transição verde e apoiar os fornecedores, levanta questões sobre o seu compromisso real. Sem reduzir as fibras sintéticas e sem abordar o financiamento climático para uma transição justa em toda a cadeia de fornecimento, a moda continuará sendo uma contribuinte significativa para a mudança climática.
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“A moda gera resíduos, consome recursos naturais e afeta quem a produz e utiliza”. Entrevista com Jessica Pullo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU