07 Fevereiro 2022
Sandálias, botas de chuva e roupas descartáveis de esqui se juntam nas dunas do deserto chileno do Atacama. À medida que a produção de roupas aumenta em todo o mundo os cemitérios da indústria da moda estão se multiplicando, chegando até as regiões mais remotas. Mais um desastre ecológico que se soma ao legado da chamada moda rápida, o fast fashion. Acompanhemos esse desastre.
A reportagem é publicada pelo portal Mondialisation, 05-02-2022. A tradução é de Cesar Sanson.
Localizado entre o Oceano Pacífico Sul e a zona vulcânica central dos Andes, o Deserto do Atacama é uma das regiões mais secas do planeta. À paisagem das dunas de areia, associadas à irrupção de montanhas, 39.000 toneladas de restos têxteis de todos os tipos são adicionadas a cada ano a esse panorama.
E há uma razão. Diante da quantidade exponencial de roupas fabricadas no mundo, o Chile, especializado no comércio de roupas de segunda mão, se vê sobrecarregado de tecidos usados: calças, suéteres, botas de chuva e até roupas descartáveis de esqui se acumulam lixões, como o do Alto Hospicio, na província de Iquique.
A cada ano, mais de 59.000 toneladas de roupas chegam ao porto de Iquique a 1.800 km ao norte de Santiago. Nesta zona comercial franca, os fardos de têxteis passam por uma triagem antes de serem revendidos em lojas de usados no país ou exportados para outros países da América Latina.
Essa cadeia produtiva vêm assistindo a um crescimento exponencial. “Desde o século 20, o vestuário tem sido cada vez mais visto como descartável e a indústria tornou-se altamente globalizada, com roupas muitas vezes projetadas em um país, fabricadas em outro e vendidas em todo o mundo em um ritmo cada vez maior”, destaca a Fundação MacArthur em num estudo intitulado "A nova economia têxtil: redesenhando o futuro da moda".
Essa tendência se acentuou ainda mais nos últimos 15 anos com uma demanda cada vez maior por têxteis de uma classe média crescente com renda cada vez mais alta. Soma-se a isso o surgimento do fenômeno fast fashion, levando a uma duplicação da produção no mesmo período, observa um relatório da ONU.
Com cada vez mais desembarques vindos da Europa, Ásia ou América do Norte, o porto chileno rapidamente se viu congestionado e incapaz de administrar tamanha produção têxtil.
Das 59.000 toneladas de roupas desembarcadas, apenas 20.000 delas circulam efetivamente no continente. Como resultado, quase 40.000 toneladas anuais de roupas não vendidas e indesejadas são eventualmente transportadas para o deserto mais seco do mundo, onde as dunas de areia são literalmente cobertas com camadas e mais camadas de tecidos descartados.
As consequências nefastas dessa economia desenfreada e imprudente são inúmeras. Se as tragédias humanas que pontuam o processo de fabricação de nossas roupas – exploração de crianças, condições de trabalho deploráveis, danos à saúde dos trabalhadores devido ao manuseio desprotegido de produtos químicos tóxicos – são cada vez mais denunciadas na mídia, o custo ambiental do setor têxtil é geralmente menos destacada, e sobretudo no que diz respeito ao seu fim de vida.
As externalidades ambientais negativas dessa produção são inúmeras. A ONU estima que a indústria da moda seja responsável por 8% das emissões globais de gases de efeito estufa. “Quando pensamos em indústrias que têm um efeito prejudicial ao meio ambiente, a construção, a energia, o transporte e até a produção de alimentos podem vir à mente. Mas a indústria da moda é amplamente considerada a segunda indústria mais poluente do mundo”, destaca a organização internacional em seu relatório sobre o assunto.
Na ponta dessa cadeia produtiva se tem o enorme consumo de água necessário para o fabrico de têxteis. Para produzir jeans, por exemplo, são necessários cerca de 8.000 litros de água, a mesma quantidade necessária em média para hidratar uma pessoa por sete anos.
Segundo o relatório da ONU, cerca de meio milhão de toneladas de microfibras também acabam nos oceanos todos os anos através de nossas máquinas de lavar de nossas camisetas favoritas, o equivalente a 3 milhões de barris de petróleo. No geral, a indústria da moda é responsável por aproximadamente 20% das águas residuais em todo o mundo.
Os métodos de reciclagem ainda são ineficientes, apenas 1% dos materiais usados na fabricação de roupas são usados para fazer novas, segundo a Ellen MacArthur Foundation.
No total, portanto, pouco menos de dois terços de toda a produção mundial acaba em aterros ou incineradores, estima a McKinsey. Além disso, uma parte considerável deles é composta por tecidos sintéticos com compostos altamente tóxicos. Quer sejam enterrados no subsolo ou deixados ao ar livre como no deserto do Alto Iquique, sua decomposição química, que pode levar décadas, inevitavelmente polui o ar e as águas subterrâneas próximas.
É urgente inverter essa tendência. Para isso, “as marcas e fabricantes de moda devem assumir suas responsabilidades em transformar a indústria têxtil em um sistema que respeite os limites da terra e as necessidades e preocupações de seus clientes ”, alerta o Greenpeace em sua campanha contra o fast fashion.
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Deserto do Atacama: O novo cemitério do fast fashion - Instituto Humanitas Unisinos - IHU