24 Abril 2024
"Se conseguir ver, perceberá que sua maior contribuição em matéria internacional foi enfraquecer e esvaziar o papel secular da competente diplomacia brasileira. Aliás, hoje, ex-competente", escreve Lúcio Flávio Pinto, jornalista e sociólogo, em artigo publicado por Amazônia Real, 18-04-2024.
Em 2009, no início da reunião do G20, em Londres, o então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, disse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva era o “político mais popular da Terra”. Era “o cara!”. A exaltação aconteceu no último ano do segundo mandato de Lula. Não houve muito tempo para aproveitar o entusiasmo do primeiro presidente negro americano da América racista (no Brasil, país de miscigenação, ainda não houve nenhum).
Parece que Lula, no seu terceiro mandato, decidiu capitalizar esse patrimônio, avalizado por Obama, para se tornar personalidade mundial e, quem sabe, conseguir um Prêmio Nobel de Paz como interlocutor e intermediário do agravado conflito entre palestinos e israelenses, deflagrado pelo ataque do Hamas. Em 75 dias do primeiro ano ele visitou 24 países, entre Estados Unidos, Europa, Ásia e África.
Os tropeços nos pronunciamentos de improviso e nas entrevistas coletivas, a aura do destino manifesto de grandeza de Lula começou a dar a impressão de que a nova roupa brilhante do político brasileiro se desfazia, ameaçando desnudá-lo, como na fábula de Hans Christian Andersen. O pior é que, à falta dos dividendos, que Lula esperava conseguir nas praças internacionais, se somou o desgaste interno, com a sensível perda de popularidade, o calcanhar de Aquiles do líder popular.
O presidente foi à cata da recuperação armado com o seu carisma e simpatia, e improvisando, com apelação ao sagrado da massa e atendendo ao antiintelectualismo do próprio Lula. Talvez consiga fazer a curva da aprovação voltar a subir, a um alto custo financeiro e econômico. Sob ameaça maior está o conceito internacional do presidente. Não mais no mundo inteiro, no qual as grandes questões, agora na pauta das grandes potências, o marginalizaram, mas no continente.
Lula engoliu cobras e lagartos, vestiu saia justa, calçou sapatos de salto alto com pedrinha dentro, e outros inconvenientes e vexames, tentando ser o árbitro do principal conflito em curso na América do Sul. Aparentemente, o duelo, ameaçando descambar para uma guerra aberta, é entre a territorialista Venezuela e a ex-colônia inglesa. Retirada do sono subdesenvolvido pela descoberta e exploração de novas fontes de petróleo em seu litoral, com a participação de empresas estrangeiras.
O presidente Nicolás Maduro jogou fora as cartas de amor trocadas com Lula, ignorou os compromissos assumidos publicamente e retomou as iniciativas que não deixam dúvida sobre o seu propósito, de incorporar à Venezuela o Essequibo, a região mais rica em terra que tem a Guiana. Pode servir tanto à farsa eleitoral que ele montou para conquistar mais um mandato como para compensar as péssimas condições devida que firam sete milhões de venezuelanos emigrarem em uma população que era, até então de 28,3 milhões de habitantes, o maior êxodo continental.
O cenário desse conflito não é mais apenas regional, em cujo tabuleiro a diplomacia brasileira fundada pelo Barão do Rio Branco pontificou, garantindo a pacífica delimitação das fronteiras brasileiras. Na retaguarda já se posicionam as três maiores potências: Estados Unidos, Rússia e China. Todas três possuem objetivos geopolíticos em consolidação e interesses comerciais, econômicos e financeiros concretizados.
Os EUA deram, ontem (17), o passo mais largo para assumir uma posição pública, algo parecido à atitude de 60 anos atrás, com Cuba, ao decidir retomar o bloqueio à comercialização de petróleo pela Venezuela, detentora dos maiores depósitos mundiais, o que a distingue, dando-lhe maior poder, da Cuba açucareira.
No entanto, atrasada em tecnologia e capital em relação à neófita Guiana, que as grandes empresas petrolíferas estão dispostas a apoiar para enfrentar o vizinho cobiçoso, mas em situação delicada. Esse tensionamento deve se estender a outros países, principalmente à Colômbia, onde Lula esteve, exatamente ontem. Se conseguir ver, perceberá que sua maior contribuição em matéria internacional foi enfraquecer e esvaziar o papel secular da competente diplomacia brasileira. Aliás, hoje, ex-competente.
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O risco da diplomacia de Lula. Artigo de Lúcio Flávio Pinto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU