28 Março 2024
"O mal é um enigma, preocupa-nos e impede-nos de confiar ingenuamente em Deus, mas será que Deus o quereria?", questiona Elsa Antoniazzi, irmã da congregação das freiras Marcelinas, filósofa pela Universidade Católica de Milão e é membro da Coordenação de Teólogos Italianos, em artigo publicado por Settimana News, 27-03-2024.
Paolo Cattorini, ex-professor de bioética na Universidade de Insubria, conhece bem a reflexão sobre o mal, e talvez mais precisamente a questão que o mal coloca a Deus.
Anteriormente em Cuidando de Deus. Uma ética para resistir ao mal de 2022, o autor fez uma revisão de todas aquelas expressões que se referem às teodiceias percorridas na história do pensamento e da filosofia, para tornar Deus não contraditório aos olhos do ser humano diante da experiência do mal. Cada afirmação é meticulosamente examinada filosófica e teologicamente para mostrar que não, o mal não pode ser justificado. E que se o fizéssemos, Deus perderia as características do Deus cristão.
Na última parte deste texto encontramos páginas intensas sobre viver a experiência do mal diante de Deus, tendo a oração como forma de afirmação e recipiente de todos os sentimentos que vivenciamos diante de Deus, com a consciência do mal, vivendo uma experiência do “mal".
O volume publicado no final de 2023 pelo próprio Paolo Cattorini – La fede, oltre le tenebre. Un epistolario teologico sulla questione del male [Fé, além das trevas. Um epistolar teológico sobre a questão do mal, em tradução livre] (edições SUSIL) – surge, portanto, como a segunda face de um díptico.
Já não a reflexão sobre a justificação de Deus, que deve ser desmascarada pelos horrores filosóficos e teológicos que vem sustentar - os amigos de Jó lideram -, mas uma reflexão direta sobre o mal em relação a Deus, à teologia.
Foto: Divulgação
Colocada desta forma, a expressão parece-nos demasiado vaga. No entanto, o tema é vasto e parece quase um pouco presunçoso pensar em oferecer uma reflexão exaustiva. E talvez seja por isso que o autor optou não só por expor as suas próprias reflexões, mas por partilhá-las fazendo perguntas a muitos interlocutores, filósofos, teólogos, pastores, amigos, até mesmo não-crentes. Em suma, tratados sobre o tema, deixando assim a discussão aberta porque é difícil esgotar os diversos aspectos.
Para cada interlocutor, Cattorini expõe um aspecto do complexo tema a partir da relação do mal com a origem positiva, em referência à filosofia de Pareyson, em dialética com as afirmações de Jüngel, e principalmente com as diferentes questões que o texto bíblico, do Gênesis ao Novo Testamento.
Essa multiplicidade de vozes e essa espécie de fragmentação do buraco negro que é o tema do mal ajuda o leitor porque, justamente, não pode ser encarado de frente; o tema questiona quando a existência remete a uma experiência do mal e assim você pode escolher entre os títulos, sem medo de perder peças.
Porém, se ler abaixo, você terá liberdade para construir um resumo. E é precisamente ao serviço de uma síntese que necessitamos, ainda que conscientes da sua parcialidade, que acreditamos poder encontrar a razão de alguns interlocutores inventados por Cattorini. Diante de passagens importantes, é melhor construir um personagem fictício do que deixar a aparência sem expressão. Na verdade, os temas fundamentais estão reservados a ambos porque são a raiz das questões que expressamos quando nos deparamos com o mal. O autor escreve uma carta ao fictício Brüller sobre «Deus, o mistério do mundo»; e a Dort, a segunda personagem fictícia, escreve uma que intitula: «Fé além da sombra, rejeição da sombra».
A estrutura do texto já sugere, portanto, que não podemos dar uma explicação do mal, assim como Adão e Eva, Jó e finalmente Jesus não deram.
E, ao mesmo tempo, é nesta experiência que somos profundamente desafiados, como é o caso de Paolo Cattorini, que reflete sobre a experiência do mal, sobre a relação entre esta experiência e a de Deus de forma rigorosa, sem esconder a sua própria envolvimento existencial. Na verdade, não falta uma carta para si mesmo, ecoando a expressão da carta. Martini que falou do incrédulo que está em cada um, além da própria fé.
A questão é formulada com precisão porque se trata de dar voz ao fato de que «as trevas são uma opacidade produzida por Deus no seu devir. Deus, de fato, está no caminho de se tornar. E ele se torna, permanecendo quem é” (p. 205; itálico no texto).
Mas é daqui que começa o caminho que não pode silenciar a questão, mas que oferece ao crente o caminho para não silenciá-la. O retorno às Escrituras, onde antes de tudo Deus é dito e é dito, em que descobrimos que “com o tempo ele honra a promessa, descartando diversas possibilidades” (p. 205; itálico no texto).
O crente Paulo assume o desafio do tempo, entregando-se àquilo que a Igreja espera: a ressurreição dos mortos e a vida futura. Mas o compromisso e eu diria que a recomendação é manter a questão em aberto, como primeiro sinal de espera.
E talvez não seja coincidência que as cartas subsequentes perguntem sobre temas relacionados. Depois da carta a e de Luca Mazzinghi sobre a resposta da Sabedoria Bíblica, vêm estas cartas: invocando a transcendência, Manzoni e a providência, a irracionalidade do mal e a positividade da origem.
O mal é um enigma, preocupa-nos e impede-nos de confiar ingenuamente em Deus, mas será que Deus o quereria?
Jó tem sempre razão em tapar a boca com a mão, mas com o texto de Cattorini somos ajudados a silenciar o lamento deprimente e a blasfêmia. Em vez disso, são-nos oferecidas palavras para questionar e palavras para dizer quando, em comparação com Deus, pudermos fazer nossas as palavras de Jó: só te conheci por ouvir dizer, mas agora os meus olhos te viram (Jó 42,5).
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Epistolar teológico sobre a questão do mal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU