25 Março 2024
A reportagem é publicada por Religión Digital, 23-03-2024.
O Darién, esta selva inóspita localizada entre a Colômbia e o Panamá, testemunha a cada ano o fluxo migratório que atravessa o continente desde a Venezuela, Colômbia, Panamá, Costa Rica, continuando até o México para alcançar o objetivo final, EUA e Canadá.
De acordo com a Defensoria del Pueblo da Colômbia, em 2023 mais de 520.000 pessoas cruzaram este território em direção ao Panamá, com um aumento de 110% em relação ao ano anterior, incluindo 406.905 adultos e 113.180 menores de idade. Em 2024 até agora, este fluxo continuou aumentando, situação que agravaria ainda mais a crise.
Em resposta a esta complexa situação migratória, os bispos da Colômbia, Panamá e Costa Rica, juntamente com agentes pastorais, reuniram-se de 19 a 22 de março na Cidade do Panamá, convocados pelo Dicastério para o Serviço ao Desenvolvimento Humano Integral, para "analisar, refletir e assumir compromissos pastorais diante da complexa situação migratória", e depois, na quarta-feira, 20, dirigiram-se ao Vicariato Apostólico do Darién.
Os bispos fronteiriços acompanharam essa zona, membros do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral da Santa Sé, organizador do encontro, o representante do Observatório Sociopastoral de Mobilidade Humana da Mesoamérica e do Caribe, assim como diretores de pastoral social, membros da Pastoral de Mobilidade Humana e da Rede Eclesial Latino-americana e Caribenha de Migração, Deslocamento, Refúgio e Tráfico de Pessoas (Red Clamor).
Eles visitaram um abrigo na comunidade de Lajas Blancas, para dialogar com migrantes e oferecer uma celebração da Eucaristia presidida pelo Cardeal Luis José Rueda Aparicio, Arcebispo de Bogotá e presidente da Conferência Episcopal da Colômbia. Neste abrigo, os migrantes chegam através de canoas pelo Rio Chucunaque.
Os bispos e agentes pastorais são o rosto de uma Igreja mãe que caminha com seus filhos e filhas. Os bispos e agentes pastorais são como "Verônica, que com carinho oferece alívio e esperança no Via Crucis da migração", e "o rosto de uma Igreja mãe, que caminha com seus filhos e filhas", afirmou o Papa Francisco em sua mensagem aos migrantes da quinta-feira passada. Sua mensagem foi lida pelo Núncio Apostólico, Monsenhor Dagoberto Campos Salas, na visita que os bispos fizeram ao abrigo de migrantes.
O Santo Padre encorajou os migrantes a não esquecerem sua dignidade, a não terem medo de olhar nos olhos dos outros porque não são descartáveis, mas sim fazem parte da família humana e da família dos filhos de Deus.
"Apenas Deus sabe o que temos sofrido" foi a frase que brotou entre soluços de um homem de cerca de 40 anos, ao descer da embarcação e abraçar um dos sacerdotes que estavam à margem do rio; enquanto em outro momento se ouviu a voz de uma menina perguntando à mãe, com inocência e anseio: "já chegamos aos Estados Unidos".
Dor, tristeza, desamparo se misturam com a esperança dos migrantes no acampamento de Lajas Blancas, que se veem "forçados a abandonar sua terra, a enfrentar os riscos e as tribulações de um caminho duro, ao não encontrarem outra saída", disse o Papa Francisco, em sua mensagem aos bispos e agentes pastorais, depois de agradecer-lhes seu compromisso com os irmãos e irmãs que representam "a carne sofredora de Cristo".
Foto: Vatican News
O arcebispo do Panamá, José Domingo Ulloa Mendieta, também pediu aos migrantes que "não permitam que lhes roubem a esperança nem que lhes impeçam de continuar sonhando", ao mesmo tempo em que manifestou sua gratidão "a este povo nobre do Vicariato Apostólico de Darién que, com muito esforço, trabalha estendendo a mão".
Os bispos e agentes pastorais também tiveram um espaço para orar junto aos migrantes, para fortalecê-los na fé e na esperança em Jesus Cristo, que não deixa de ouvir aqueles que clamam por justiça e misericórdia. Outra parada feita pelos bispos e agentes pastorais foi na estação temporária de recepção de migrantes irregulares em San Vicente, Metetí, no Darién, recentemente afetado por um incêndio que atingiu vários módulos. Lá, foram entregues kits de higiene pessoal aos migrantes.
Nesta sexta-feira, como conclusão do encontro, os bispos realizaram uma coletiva de imprensa onde o arcebispo do Panamá, Monsenhor José Domingo Ulloa Mendieta, leu uma declaração conjunta na qual os prelados expressaram a necessidade de "levantar a voz ao reconhecer uma crescente crise humanitária" na região. Os bispos denunciaram que a selva do Darién se tornou um "bloqueio de humanidade", devido às "condições de vulnerabilidade e morte para homens, mulheres, jovens, crianças e meninas". "O número de pessoas que perecem é incalculável, já que muitos dos corpos das vítimas não são resgatados", alertaram os prelados.
Eles também afirmaram que, em sua jornada, os migrantes "são vítimas de estruturas e grupos criminosos", que "fazem do desespero de nossos irmãos o seu negócio e profanam a dignidade".
Os bispos constataram ainda como a migração forçada afeta milhões de pessoas, "mas especialmente os mais vulneráveis". E confirmaram que a migração, "cada vez mais, tem rosto de mulher e criança".
As razões pelas quais os migrantes deixam suas terras são a "necessidade de sobrevivência, reunificação familiar e causas estruturais como a pobreza, desigualdade, efeitos das mudanças climáticas e perseguição política e social".
Um bispo dando sua bênção e conforto a um migrante (Foto: Vatican Media)
Os bispos desses três países chegaram ao acampamento de Lajas Blancas, localizado a cerca de cinco horas da Cidade do Panamá, por via terrestre. Lajas Blancas é a segunda parada que os migrantes fazem após sobreviverem à passagem pelo temido Tapón del Darién. Estando lá, eles aguardam para conseguir 60 dólares para pagar por um lugar em um ônibus que os leve até a fronteira com a Costa Rica e assim continuarem sua jornada para o Norte.
Neste acampamento, os representantes da Igreja dialogaram, oraram e abençoaram alguns dos migrantes. Além disso, levaram uma mensagem especial do Papa Francisco. Nela, o Santo Padre expressa sua proximidade e pede que "não esqueçam de sua dignidade humana, que não tenham medo de olhar nos olhos porque não são descartáveis, mas também fazem parte da família humana e da família dos filhos de Deus".
Um sinal de solidariedade durante a visita dos bispos e agentes pastorais foi a doação de três mil kits de higiene pessoal: 600 para crianças; 1100 para mulheres e 1300 para homens, considerando a média de dois mil a dois mil e quinhentos migrantes que chegam por dia nesses locais de recepção.
D. Ulloa Mendieta entrega kit de higiene (Foto: Vatican Media)
O padre Leonidas Moreno, administrador diocesano de Apartadó, jurisdição que está diretamente relacionada a essa realidade na Colômbia, expressou aos meios de comunicação que nessa região encontrou o mesmo rosto de dor que tem visto repetidamente em Necoclí, Turbo e cidades vizinhas. Mais uma vez, constatou a dureza de saber que há aqueles que se aproveitam da situação dos migrantes para fazer negócios de todos os tipos. O sacerdote descreve essa realidade como uma tragédia e os migrantes como seres humanos que precisam ser atendidos e acolhidos.
É comum que a zona seja visitada por agentes pastorais, e nessa visita, a primeira para muitos dos prelados presentes, os bispos viram a difícil realidade que centenas de migrantes enfrentam diariamente em sua passagem pelo corredor que conecta os três países e que, desde 2015, é palco de uma crise humanitária de grandes proporções.
Haiti, Equador, Chile, Cuba, Nepal, Bangladesh, Paquistão, China e, claro, Venezuela, são apenas alguns dos lugares de onde vêm homens, mulheres e crianças em busca de melhores condições de vida, um sonho que às vezes é obscurecido pela dor e até pela morte. Um dos aspectos que mais preocupa é o considerável aumento no número de menores que transitam por essa região, muitas vezes sozinhos.
É uma realidade confrontadora e dolorosa, mas que também impulsiona a Igreja a continuar trabalhando de maneira conjunta e ativa sob essa missão. Essa foi a indicação do padre Rafael Castillo Torres, diretor do Secretariado Nacional de Pastoral Social- Cáritas colombiana.
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A Igreja, com o sofrimento dos migrantes no Darién: "É um bloqueio de humanidade" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU