16 Março 2024
"O jornalismo quando apeado por interesses restritos, de grupos poderosos, trilha o descaminho da responsabilidade social ao qual este ofício está vinculado. O comércio da informação e as respectivas premiações dos 'informantes celebridades' apresenta diversos danos, por vezes irreparáveis ou que irão exigir longo processo para a reparação acontecer", escreve Ivânia Vieira, jornalista, professora da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), doutora em Processos Socioculturais da Amazônia, articulista no jornal A Crítica de Manaus, cofundadora do Fórum de Mulheres Afroameríndias e Caribenhas e do Movimento de Mulheres Solidárias do Amazonas (Musas).
O ex-primeiro-ministro de Portugal José Sócrates ao citar um tipo de “combinação” entre operações do Ministério Público e a imprensa põe em pauta algumas questões fundamentais à cidadania mundial: a necessidade de avaliação permanente e criteriosa da instituição Ministério Público notadamente a partir da Constituição de 1988, no caso brasileiro, e nos demais países. Como a independência do MP em relação aos demais poderes instituídos é manejada e quais resultados produz? Com quais interesses firma alianças? O jornalismo é outro ponto.
José Sócrates, acusado de corrupção passiva na “Operação Marquês”, instaurada em 2014, ficou preso preventivamente por nove meses. Em entrevista ao canal Brasil 247, no dia 12 de março, o ex-primeiro-ministro classificou de “comércio da informação” na relação MP x mídia, acompanhado de atos de premiação a determinados juízes. Sócrates não falava do Brasil e sim da operação portuguesa, embora determinados aspectos na atuação de determinados juízes haja semelhanças.
Sérgio Moro virou celebridade de primeira linha. A mídia o tornou “super juiz” e disputava uma fala ou um sinal do homem poderoso como um trunfo para o jornalismo. O apoio gigantesco ao magistrado dado pela imprensa e pelo meio virtual, na adesivação massiva pró-Moro, como moda da hora, foram utilizados pelo magistrado para promoção pessoal ao mesmo tempo em que inflava o ódio ao Partido dos Trabalhadores e ao presidente Lula, como um dos ingredientes da Operação Lava Jato.
Os dias seguintes das ações de Moro e do seu grupo estão sendo contados em tempo curto da história. A escrita principal é de autoria do ex-juiz, ex-ministro e senador sob ameaça de perda do mandato. A toga está suja e caiu manchada pela conduta de Moro. Entre as contribuições dadas ao país pelo então juiz e por parte expressiva da mídia tem o nome de governo Bolsonaro e toda a truculência desse período recente. Conhecer os efeitos dessa combinação levará mais tempo e exige mais estudos para que os brasileiros possam perceber o tamanho do mal produzido.
A mídia igualmente deve ser avaliada e o resultado dessa avaliação devolvido à sociedade. O jornalismo quando apeado por interesses restritos, de grupos poderosos, trilha o descaminho da responsabilidade social ao qual este ofício está vinculado. O comércio da informação e as respectivas premiações dos “informantes celebridades” apresenta diversos danos, por vezes irreparáveis ou que irão exigir longo processo para a reparação acontecer.
Quando juízes e a mídia aderem a condutas inadequadas, ilegais, combinadas, demarcadas por interesses escusos, é a democracia que está sendo golpeada e pode ser submetida a estado de inanição. O Brasil viveu, mais recentemente, tentativas de enclausurar a democracia e abraçar o fascismo, implantar as regras da direita radical. As raízes desse movimento estão se estendendo e revelam o plano com seus braços acionados nas casas legislativas, nos templos e igrejas, em escolas e comunidades universitárias, nas associações e conselhos de representação de algumas categorias profissionais, nas instituições públicas e em segmentos empresariais.
A asfixia da democracia tem participação ativa da mídia e de parte do Ministério Público. A sociedade tem o desafio de retomar e difundir as obrigações do Ministério Público e da mídia. E organizar-se cada vez mais para avaliá-los, um recurso que oferece diagnóstico e indica o tratamento. Isso se for a cura do mal o que se busca.
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Mídia e Ministério Público, efeitos de uma aliança. Artigo de Ivânia Vieira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU