Teresa Forcades: “A Igreja é queer porque Deus não nos coloca em categorias diferentes”

Foto: Rod Long | Unsplash

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12 Março 2024

Teresa Forcades é conhecida mundialmente como a “freira queer” que não tem medo de tomar partido por uma Igreja mais inclusiva, uma Igreja aberta a todos e, em particular, àqueles que rejeitam rótulos e por isso são marginalizados. A Igreja queer, explica, “é aquela para a qual todos somos convidados: Deus, de fato, não nos coloca em uma categoria, mas reconhece que cada um de nós é único”.

A reportagem é de Federica Tourn, publicada por Jesus, março-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.

Freira de clausura, teóloga, médica, feminista, não é por acaso que a encontramos na primeira fila dos direitos das pessoas LGBTQ+: “Não há lugar para a discriminação sexual no Evangelho”, ressalta. “Vamos pensar em Lucas 7 e na história do centurião, que traz seu servo doente ‘a quem muito estimava’ a Jesus para curá-lo. É impensável um oficial militar das forças de ocupação procure pessoalmente um personagem marginal para implorar pela vida de um servo: talvez poderia ser interpretado como uma relação afetiva entre dois homens? “Os chamados ‘diferentes’ não são um problema, mas uma bênção para a Igreja e para a sociedade, porque nos ajudam a compreender que as pessoas não podem ser padronizadas”, afirma Irmã Teresa com decisão, “e Deus sabe disso. Quero que se abra um espaço onde cada pessoa possa ser responsável e criativa, portanto fora dos esquemas pré-estabelecidos”, escreve a religiosa em seu livro mais traduzido, Siamo tutti diversi!, onde explica que cada um de nós é fluido, capaz de transformação e que precisamente essa peregrinação existencial é a nossa riqueza.

A Irmã Teresa cresceu em uma família ateia, mas ainda assim é batizada e recebe a primeira comunhão.

A irmã Teresa Forcades. (Foto: Wikimedia Commons)

“Naquela ocasião o padre me pediu para rezar o Pai-Nosso, mas eu não sabia as palavras da oração: eu era totalmente ignorante”, recorda hoje. “A minha consciência da fé começou durante a adolescência, quando li o Evangelho pela primeira vez. Naquele momento fiquei indignada. Eu me perguntava: como pude perder quinze anos sem conhecer Jesus?”

Assim começa a estudar Eclesiologia e compreende que o Concílio Vaticano II abriu as portas para uma nova visão da Igreja. Naquele momento, Teresa nem pensava em ser freira. Ela estudava medicina, sonhava com uma família numerosa: “Sentia um forte instinto maternal, queria nove filhos”, lembra.

Mas Deus tem outro projeto para ela. Formada em medicina, Teresa estudou para a especialização e procurou um lugar tranquilo para se preparar para um exame: um amigo sugeriu o mosteiro beneditino de Montserrat, perto de Barcelona. Teresa planeja ficar por um mês, mas, em vez disso, vai ficar por lá a vida inteira. “Senti um chamado forte”, lembra hoje. “Foi como se apaixonar: senti uma tensão interior tão forte que revirou todos os meus planos”.

No mosteiro ela se surpreende ao encontrar uma comunidade religiosa progressista: “Eu colocava à prova as minhas futuras coirmãs falando sobre AIDS e homossexualidade - eram os anos 1990, Papa João Paulo II era muito rígido com os gays - e elas me faziam perguntas sobre o sofrimento dessas pessoas, mostrando-se imediatamente capazes de ver o ser humano além da diferença sexual”.

E hoje, a Igreja do Papa Francisco é uma Igreja queer? “É, mas poderia ser mais”, responde direta Irmã Teresa. “Ainda há muito a fazer”, explica, “mas mesmo os católicos ultraconservadores entenderam que não há como voltar atrás porque algo mudou na frente da inclusão”. Pensa no Papa quem diz “quem sou eu para julgar?”, referindo-se às pessoas homossexuais, pensa na Fiducia Supplicans, que traz uma abertura para as bênçãos aos casais homossexuais.

“É claro que nem todos na Igreja universal estão felizes com esses passos à frente, mas por outro lado não é fácil fazer uma omelete sem quebrar os ovos”, comenta sorrindo. E depois volta novamente sobre a cura do servo do centurião: “’Não sou digno’, diz o centurião, como todos dizemos no momento da Eucaristia: gosto de pensar, então, que aquelas palavras de uma pessoa homossexual estão nos lábios de todos no momento em que tomam a hóstia consagrada”.

Francisco, porém, não parece ter a mesma sensibilidade em relação às mulheres. “Ele não é Papa feminista”, argumenta a freira beneditina, “ainda acredita que as mulheres na Igreja devem ser apenas um suporte para os homens e teologicamente não está aberto à sua ordenação. É verdade, no entanto, que nomeou mulheres para cargos de poder na Cúria Romana”, acrescenta. “Vamos pensar em Emilce Cuda, secretária da Pontifícia Comissão para a América Latina, na Irmã Nathalie Becquart, subsecretária do Sínodo dos Bispos, ou na Irmã Alessandra Smerilli, secretária do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral”.

Portanto, algo irreversível foi posto em movimento, mas é necessário que as mulheres tomem mais consciência de si e evitem toda forma de “servidão voluntária”, como a define Forcades citando Étienne de La Boétie. “Se todas as mulheres da Igreja estivessem decididas a fazer ouvir a sua própria voz”, conclui, “a mudança que queremos aconteceria em vinte e quatro horas”.

Freira beneditina, feminista e ativista política, Teresa Forcades especializou-se em Medicina Interna em Buffalo, Nova York e fez mestrado em Teologia na Harvard University. Juntamente com o economista Arcadi Oliveres, em 2012 fundou o Procés Constituent, um movimento político anticapitalista a favor da independência da Catalunha.

Autora de diversos livros traduzidos ao redor do mundo, é conhecida por seus posicionamentos inconformistas e pela defesa dos direitos das pessoas LGBTQ+. Vive no mosteiro de Montserrat, perto de Barcelona.

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