06 Setembro 2023
Teresa Forcades, nascida em Barcelona, é monja beneditina no mosteiro de Monserrat, na Catalunha, teóloga, médica, ativista social, fundadora do movimento político Process constituent na Catalunha.
A entrevista é de Ritanna Armeni, publicada por Donne Chiesa Mondo, setembro-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como você vê a Igreja hoje? Uma igreja “das” margens, isto é, que traz, ou tenta trazer, ao centro de sua atenção aqueles que são rejeitados pelo poder e pela riqueza; ou uma igreja "às" margens, isto é, uma instituição que, pelo menos na parte de mundo europeu e ocidental, não consegue mais incidir com os seus ensinamentos e os seus valores?
Ambas as possibilidades são verdadeiras: a Igreja é “das” margens e está “às” margens. Desde a eleição do Papa Francisco, é evidente que as periferias recebem a sua atenção privilegiada. Seu jeito de falar dos “descartados” ajuda a compreender que a pobreza tem causas estruturais que dependem do sistema capitalista. Pobre não é o mesmo que descartado. Eu diria que “pobre” é uma categoria neutra e que “descartado” implica uma crítica social: descartado por quem, com que critérios, com que propósito? O sistema capitalista reduz o valor do homem a mercadoria e descarta as mercadorias de que não necessita. A Igreja Católica hoje promove a consciência social sobre esse ponto. A carta da Amazônia tem passagens fortes nesse sentido, assim como Fratelli Tutti.
No ano passado tive a oportunidade de participar de um projeto do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral intitulado Fazer teologia das periferias existenciais. Envolveu 40 cidades nos cinco continentes e foram entrevistadas mais de 500 pessoas que habitualmente vivem nas periferias, não com a intenção de escutar o que falta, mas com o objetivo de escutar o que podem contribuir, neste caso para a teologia. Os resultados do projeto estão disponíveis aqui. Em nível local, é evidente que organizações como a Caritas Diocesana, Manos Unidas, Serviço Jesuíta aos Refugiados e muitas outras estão cada vez mais ativos e presentes.
Paralelamente, também é verdade que na Europa o catolicismo passou de ser sociologicamente dominante para ser uma minoria e, na prática, claramente marginal. A maioria dos europeus não é católica e a maioria dos que são católicos vive a pertença à Igreja como algo marginal em sua vida, como uma realidade que não afeta muito as suas decisões, tanto em nível moral (relações sexuais fora do casamento, contracepção, casamento entre pessoas do mesmo sexo, divórcio) tanto em nível socioeconômico (que atividades ou trabalhos realizar ou sustentar). O catolicismo está em crescimento na África e na Ásia, mas em ambos os continentes é quantitativamente marginal. Não o é do ponto de vista qualitativo, pois representa uma ligação importante com a Europa e a cultura ocidental.
O que deveria fazer a Igreja para aproximar os excluídos da terra do centro, para torná-los protagonistas da vida do mundo e da fé? Acredita que o pontificado de Francisco tenha ido nessa direção?
Apoiar e, se necessário, promover os homens e mulheres da Igreja que atuam nas periferias, dar prioridade aos interesses dos marginalizados e dar voz às suas preocupações e necessidades, representá-los nas organizações internacionais. Sim, acredito que o Papa Francisco esteja trabalhando nessa direção e que o esteja fazendo de maneira aberta, ou seja, não para promover a instituição eclesial, mas com o objetivo de realmente ajudar os descartados.
Vamos falar da Igreja “às margens”: em grandes países europeus se vive uma crise profunda, estou pensando na França e na Alemanha. Quais são as razões? Onde estão as responsabilidades?
Por um lado, o medo da mudança e da modernidade, a dissociação entre o magistério e a prática dos católicos em matéria de moral sexual, o sexismo eclesial, a homofobia, o escândalo dos abusos sexuais; pelo outro, o clericalismo e a falta de conservação da visão sacramental do mundo que lhe confere beleza e mistério. Além disso, penso que o principal problema da Igreja Católica seja a perda do profetismo: a conivência com os poderes mundanos, o fato de não ter se oposto tanto ao fascismo como ao comunismo, o fato de não ter apoiado a luta pela justiça social na América Latina ou a luta pela igualdade das mulheres ou a luta dos trabalhadores por um tratamento digno. Muitas pessoas na Igreja apoiaram essas causas até doarem a vida, mas não a maioria, nem a grande maioria dos hierarcas da Igreja. A responsabilidade é de todos os católicos que não o fizeram, cada um no seu lugar. Como diz São Paulo, cada um deve fazer o bem como o entende. Nós o fazemos?
Se falamos de margens não podemos ignorar a exclusão feminina na Igreja. Não penso apenas no sacerdócio - embora seja um problema que aparece em várias partes do mundo - mas na presença e influência das mulheres. Algo mudou? E o que podem fazer as mulheres da Igreja hoje para superar as muitas formas de exclusão e discriminação a que estão sujeitas?
A mudança mais evidente e positiva está acontecendo no governo da Igreja, na Cúria: pela primeira vez há mulheres em posições de poder mesmo acima dos bispos. A reforma da cúria de março de 2022 dá uma base jurídica a essas posições, até então exercidas na sombra, e reconhece pela primeira vez na história a capacidade das mulheres de exercer o governo central da Igreja.
O exercício do governo local já era reconhecido na Igreja primitiva e também naquela medieval (por exemplo, as abadessas mitradas tinham jurisdição eclesiástica sobre os territórios pertencentes à sua abadia, que podiam ser bastante extensos). Também aprecio o fato que o documento de trabalho (instrumentum laboris) publicado para o Sínodo inclui o tema da ordenação das mulheres ao diaconato. E também considero positivo para as mulheres em geral, que o Sínodo leve em consideração a suspensão do celibato obrigatório.
Você é religiosa e conhece o grande processo de renovação que investiu nestes anos o mundo religioso feminino. Acredita que tenha sido suficientemente reconhecido? Acredita que ainda hoje se possa falar de saída das religiosas da marginalidade que lhes é atribuída?
Não acredito que se possa dizer que, em geral, o mundo religioso feminino tenha se tornado mais visível. Pelo contrário, visto que nas grandes capitais estão desaparecendo as grandes escolas católicas femininas.
Nessas escolas as freiras educavam as filhas da elite e em muitos casos também desempenhavam um interessante trabalho social. Também os grandes mosteiros femininos de tradição milenar estão desaparecendo. Na Europa e nos Estados Unidos, as religiosas são menos (muito menos!) e menos influentes.
Além dessa realidade geral, há religiosas que se distinguem como teólogas (por exemplo Elisabeth Johnson e Margaret Farley, nos Estados Unidos), guias espirituais (Joan Chittister, também nos EUA) ou porta-vozes dos direitos das mulheres e da reforma da Igreja (Philippa Rath, na Alemanha) e também é verdade que a consciência de si das religiosas mudou. Para além das figuras singulares, é verdade que as religiosas estão mais conscientes das dinâmicas de poder intra e extraeclesiais, mais consciente do escândalo do sexismo e do clericalismo, menos dispostas a promovê-lo, apoiá-lo ou tolerá-lo.
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Do lado dos descartados. Entrevista com Teresa Forcades - Instituto Humanitas Unisinos - IHU