27 Abril 2024
"O ouro da auréola de Francisco no painel da Porciúncula glorifica o Poverello, apresenta-o, apesar dos estigmas, como um imperador. É um novo modelo de santidade, aquele que será exaltado também nos afrescos da Basílica Inferior de Assis. Em 25 de maio de 1253, o Papa Inocêncio IV consagra o edifício, que está nu e anicônico, e o Mestre de São Francisco faz dele o templo de Francisco, com os afrescos da Basílica Inferior e os vitrais - os primeiros da Itália - naquela Superior. Em meados do século XIII, Assis e, mais em geral, a Úmbria, são canteiros de construção a céu aberto, são encruzilhadas cosmopolitas de artistas, de novas maneiras que desembocarão em Cimabue e Giotto. Como escreve Andrea De Marchi: em 1260, em Assis, assiste-se ao 'nascimento de uma estrela ascendente na noite: o Mestre de São Francisco, ornamentalista e narrador. Depois de Giunta Pisano, antes de Cimabue'. Mas, apesar disso, a grandeza de Cimabue e Giotto depois obscureceram seu papel como precursor na definição dos tipos do século XIII", escreve Maria Luísa Colledani, jornalista italiana, em artigo publicado por Il Sole 24 Ore, 03-03-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Para tentar compreender o fermento e a contribuição da Úmbria do século XIII para a história da arte, podemos partir de um detalhe: o traço vermelho que Giunta Pisano pintou sob a axila do Crucifixo guardado na Porciúncula de Assis e em exibição de 10 de março a 9 de junho na Galeria Nacional da Úmbria para a exposição “O enigma do Mestre de São Francisco. O Stil Novo da Úmbria do século XIII".
Aquela pincelada, quase uma sombra, sutil e refinada, datada por volta de 1236, marca uma mudança na iconografia da Cruz pintada. Cristo com seu rosto solene não é mais triumphans sobre a morte, mas patients, sofredor, como os bizantinos já começavam a retratá-lo. Cristo morreu, em sua carne está concentrada toda a dor do mundo e Giunta codifica o modelo para as Cruzes futuras de Cimabue e Giotto. Essas são as escolhas estilísticas do artista que, nas suas viagens entre Assis, Bolonha e Roma, certamente tinha entrado em contato com as ordens mendicantes, em grande expansão em meados do século XIII. São anos turbulentos: Francisco havia morrido recentemente (1226) e sua singularidade já havia sido compreendida, São Boaventura de Bagnoregio tinha feito reescrever a vida do Poverello, fazendo dele o novo Cristo.
E, como escreve no catálogo uma das curadoras, Veruska Picchiarelli, o painel do Museu da Porciúncula, São Francisco entre dois anjos “em combinação disposta com os vitrais e os afrescos da Basílica de Assis, ajuda a codificar e canonizar a imagem oficial do alter Christus, definida dentro da ordem minoritária a uma distância agora conveniente da morte do santo, com o aval da Igreja de Roma". O painel (1255 aproximadamente), que também é uma relíquia, pois acredita-se que tenha sido pintado na tábua de pinho em que São Francisco foi colocado no momento de sua morte, é obra do Mestre de São Francisco, figura-chave do grupo de Perúgia. O nome do artista não é conhecido, mas justamente a partir dessa obra o historiador da arte Henry Thode em 1895 traçou seu trabalho e as influências subsequentes que os três curadores Veruska Picchiarelli, Andrea De Marchi e Emanuele Zappasodi, entrelaçando fios, sobrepondo afrescos, de Assis a Perugia, conseguiram recuperar em sua plenitude.
O ouro da auréola de Francisco no painel da Porciúncula glorifica o Poverello, apresenta-o, apesar dos estigmas, como um imperador. É um novo modelo de santidade, aquele que será exaltado também nos afrescos da Basílica Inferior de Assis. Em 25 de maio de 1253, o Papa Inocêncio IV consagra o edifício, que está nu e anicônico, e o Mestre de São Francisco faz dele o templo de Francisco, com os afrescos da Basílica Inferior e os vitrais - os primeiros da Itália - naquela Superior. Em meados do século XIII, Assis e, mais em geral, a Úmbria, são canteiros de construção a céu aberto, são encruzilhadas cosmopolitas de artistas, de novas maneiras que desembocarão em Cimabue e Giotto. Como escreve Andrea De Marchi: em 1260, em Assis, assiste-se ao “nascimento de uma estrela ascendente na noite: o Mestre de São Francisco, ornamentalista e narrador. Depois de Giunta Pisano, antes de Cimabue”. Mas, apesar disso, a grandeza de Cimabue e Giotto depois obscureceram seu papel como precursor na definição dos tipos do século XIII.
As pinturas murais da nave da Basílica Inferior mostram cinco Histórias da Paixão de Cristo (à direita) e cinco Histórias de São Francisco (à esquerda), parcialmente perdidas pela abertura, no final Século XIII, das capelas laterais. Mas permanecem o triunfo das cores e a glória dos frisos geométricos vegetais axonométricos nos tímpanos, um dicionário variado e composto de imaginação e habilidades técnicas.
As mesmas que encontramos na têmpera do Dossale da igreja de São Francisco al Prato em Perugia, o segundo assentamento franciscano depois de Assis, reconstruído graças a empréstimos excepcionais da National Gallery de Washington e do Metropolitan de Nova York, ou na Cruz datada de 1272, flamejante de bizantinosmos, de sabor quase selvagem e com o Santo roçando um dos dois pés de Cristo. E para movimentar a cena o Mestre pinta o pé de Francisco na moldura. Há energia e pathos, e um rigor tão essencial que já prefigura Cimabue. No total, na exposição podem ser admiradas sete das nove obras atribuídas com certeza ao Mestre, de uma carreira de cerca de vinte anos, e realiza-se um percurso artístico filologicamente rico entre autores, muitas vezes anônimos, que trabalharam no limiar entre o bizantinismo e a modernidade, também usando pedras preciosas e metais para fazer vibrar o ouro dos mais variados tons. São o Mestre das Cruzes franciscanas, o Mestre de Santa Clara, naquele comovente painel de Santa Clara e histórias de sua vida, que a Basílica de Santa Clara de Assis apresentou de forma absolutamente excepcional, juntamente com a Cruz pintada proveniente de Gualdo Tadino, Mestre do Tríptico Marzolini.
Que fecha a exposição com sua Nossa Senhora com o Menino e histórias de Cristo e da Virgem (1280-1290): é um pintor da Úmbria que, graças à crisografia que inerva os personagens, fala uma linguagem entre Oriente e Ocidente e é certamente fascinado pelo Oriente. Por outro lado, Perugia, Assis e Úmbria naquelas décadas eram realmente internacionais graças à presença dos monges armênios em Perugia, dos templários, dos franciscanos em Jerusalém. Eram internacionais e abertas à arte, como testemunham, entre outras, as igrejas de Santa Clara em Assis e o complexo cisterciense de Santa Juliana em Perúgia. E também a reconstrução cenográfica digital da Basílica Inferior proposta por Federica Corsini, a partir dos relevos de Giorgio Verdiani, Alexia Charalambous e Andrea Pasquali. O Mestre de São Francisco é o Cântico das Criaturas, com uma magnificência eriçada e uma natureza alegre. Quando as luzes da Basílica se apagam, ilumina-se o seu céu estrelado com o tremeluzir das velas refletidas pelos espelhos no centro de cada estrela. Estamos em 2024, mas parece que estamos no século XIII, aquele século da Úmbria que deu tanto futuro à arte subsequente.
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A luz do Mestre de São Francisco. Artigo de Maria Luísa Colledani - Instituto Humanitas Unisinos - IHU