16 Fevereiro 2024
O demônio do aquecimento global só pode ser expulso por meio da oração e do jejum. Nesta Quaresma, jejuemos do carbono.
O comentário é do jesuíta estadunidense Thomas J. Reese, ex-editor-chefe da revista America e autor de “O Vaticano por dentro” (Ed. Edusc, 1998). O artigo foi publicado em National Catholic Reporter, 14-02-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A Quaresma é tradicionalmente um tempo de jejum e abstinência, e não há melhor maneira de celebrá-la para um cristão contemporâneo do que fazendo jejum de carbono para salvar o mundo do aquecimento global.
Na Igreja pré-Vaticano II, levávamos a Quaresma muito a sério, com jejum e abstinência obrigatórios. De acordo com as regras do jejum, você não podia comer entre as refeições, e o café da manhã e o almoço somados deviam ser menores do que o que você comeu no jantar. As regras de abstinência proibiam carne às sextas e aos sábados, e a permitiam apenas uma vez por dia nos outros dias. O domingo era uma exceção, quando o jejum e a abstinência não eram obrigatórios.
Teoricamente, violar essas regras era um pecado mortal. Você podia ir para o inferno se quebrasse o jejum ou comesse carne. Mas à medida que a Igreja começou a enfatizar Deus como um Pai amoroso em vez de um juiz punitivo, após o Concílio Vaticano II (1962-1965), era impossível acreditar que Deus iria jogar uma pessoa no inferno por comer carne na sexta-feira.
Em 1966, o Papa Paulo VI recomendou fortemente o jejum e a abstinência, mas já não os exigia sob pena de pecado. Ele também permitiu que as conferências episcopais substituíssem o jejum e a abstinência por outras formas de penitência ou atos de caridade e piedade.
As regras de abstinência anteriores a 1966 aplicavam-se a quase todas as pessoas, mas o jejum era obrigatório apenas para aquelas com idade entre 21 e 59 anos. Meu pai ficou furioso quando as regras mudaram, porque ele tinha acabado de completar 60 anos, então estaria isento de todos os modos. E eu tinha acabado de completar 21 anos e estaria sujeito às regras antigas. Quando completei 21 anos, as regras não se aplicavam mais.
Há centenas de anos, quando as regras estavam em vigor, elas atingiam especialmente os ricos, porque os pobres sempre tinham falta de comida e raramente comiam carne. Em outras palavras, durante a Quaresma, as regras exigiam que os ricos vivessem como os pobres.
Hoje, durante a Quaresma, alguns católicos ainda observam o jejum e a abstinência ou tentam viver um estilo de vida simples. Por exemplo, uma família pode tentar viver com 600 dólares por semana, que é hoje o limiar de pobreza nos Estados Unidos para uma família de quatro pessoas. O dinheiro que poupam é então doado aos pobres. Tais práticas certamente estão no espírito certo.
Outra abordagem seria fazer um jejum de carbono, para reduzir a pegada de carbono.
Hoje, as pessoas no Primeiro Mundo queimam muito mais carbono do que as dos países pobres. Durante a Quaresma, deveríamos tentar reduzir o nosso consumo de carbono ao nível das pessoas pobres. Se não reduzirmos o nosso consumo de carbono, podemos não ir para o inferno, mas os nossos netos viverão em um inferno criado por nós.
O tempo está se esgotando. Os desenvolvimentos tecnológicos são promissores, mas não temos 50 anos para agirmos em conjunto. Os padrões climáticos já estão mudando. Estamos nos aproximando de pontos críticos que poderão derreter permanentemente o gelo na Groenlândia e na Antártida. Os recifes de coral, berçários dos mares, podem morrer. O permafrost na Sibéria poderá derreter e liberar gás metano suficiente para mudar o mundo durante milhares de anos.
As consequências sociais, econômicas e políticas da superação desses pontos de virada serão catastróficas. As cadeias de abastecimento serão permanentemente interrompidas. As nações entrarão em colapso devido a gangues que lutarão por alimentos e outros recursos. A peste, a fome e a guerra eclodirão em todo o mundo. A democracia será substituída pela lei marcial. Os refugiados climáticos serão mortos quando tentarem cruzar as fronteiras.
Diante dessas previsões, o desespero é tentador. Mas, como Jesus disse, alguns demônios não são expulsos exceto pela oração e pelo jejum (Mateus 17,21).
A Quaresma deveria ser um momento de oração e de jejum para travar as mudanças climáticas. É um ato de penitência por aquilo que nós, no mundo rico, fizemos e é uma oração de ajuda para evitar a catástrofe.
Qualquer coisa que fizermos como indivíduos fará alguma diferença? Aos olhos do mundo, não. Aos olhos da fé, devemos ter esperança. Os cristãos devem ter fé para serem fermento, para serem sementes de mostarda. As nossas vidas, por menores que sejam, devem ser testemunhas proféticas no nosso mundo. Seguir a Cristo significa que você não para de tentar, mesmo que pense que irá falhar.
Então, como os cristãos podem jejuar do carbono durante a Quaresma (e economizar dinheiro)?
Primeiro, seja muito tradicional: não coma carne, especialmente carne bovina, durante a Quaresma. O nosso consumo de carne bovina produz enormes quantidades de gases de efeito estufa. Também converte florestas captadoras de carbono em pastagens, especialmente na Amazônia.
Segundo, use o transporte público tanto quanto possível. É verdade que ele demora mais, mas você pode ler seu e-mail, um livro ou rezar enquanto viaja. Evite suas viagens de carro tanto quanto possível. Caminhar também será um bom exercício.
Terceiro, reduza ou elimine o aquecimento ou o ar condicionado. Use blusões grossos e bonés dentro de casa no inverno; ou camisetas, shorts e chinelos no verão. Se possível, reduza o número de banhos que você toma por semana e faça com que sejam curtos.
Quarto, não use a secadora de roupas, especialmente para toalhas, moletons e outros itens de tecidos grossos. Eles podem secar ao ar livre ou dentro de casa e durarão mais. Além disso, evite também usar a máquina de lavar louça.
(Em longo prazo, você deveria eliminar os aparelhos a gás e substituí-los por outros mais eficientes em termos energéticos, como as bombas de calor. E, é claro, votar em candidatos que aprovem programas e regulamentações governamentais para lidar com o aquecimento global.)
Se todos os católicos do país passassem a Quaresma dessa forma, isso teria um efeito e seria um testemunho profético para o restante do mundo. O demônio do aquecimento global só pode ser expulso por meio da oração e do jejum. Nesta Quaresma, jejuemos do carbono.