05 Fevereiro 2024
A religiosa permaneceu na sua escola com 650 deslocados. Quando a Internet funciona, ela se conecta com o Papa. A área está em escombros. O exército gostaria que eles saíssem de lá: "O que eles estão nos pedindo é uma loucura".
“Falta tudo, não sobrou nada, nem água potável. Se a trégua não chegar até domingo, as pessoas começarão a morrer de fome e doenças”. A Irmã Nabila Saleh contou ao Papa, com quem se conecta quando pode nos raros momentos em que a conexão funciona, mesmo que sempre de forma instável. Há mais de cem dias relata ao Pontífice como estão as 650 pessoas deslocadas abrigadas e encurraladas nas ruínas da “Rosary Sister School” no norte de Gaza.
A reportagem é de Nello Scavo, publicada por Avvenire, 01-02-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
As ajudas que chegam do sul não são suficientes. Antes do conflito, 500 caminhões entravam em Gaza por dia. Ontem, depois de dias de boicotes violentos por parte de extremistas israelitas, deixaram passar 100. Mas do sul. E na região norte da Faixa as estradas são campos minados, barrado por edifícios em ruínas, bombardeios e combates.
A assistência humanitária no Norte é uma miragem, mas o exército israelense continua a insistir para que também os 630 refugiados entre os escombros da escola católica, percorram a pé os 30 quilômetros mais perigosos do mundo. “A guerra é uma loucura e o que nos pedem para fazer é uma loucura”, diz Irmã Nabila, que conseguimos contatar por poucos minutos por dia, às vezes à noite, entre frases interrompidas, explosões ao longe, e ela que não se impacienta e quer passar informações.
Porque a Irmã Nabila Saleh, diretora de uma escola que tinha mais de 1.200 alunos, a maioria deles muçulmanos, não pode ceder ao medo e assustar ainda mais as famílias que recorrem a ela para não perderem todo resto de esperança. De Jerusalém dizem ter prestado atenção especial às estruturas religiosas. “Era a escola mais bonita de Gaza, todos nos diziam isso", recorda Irmã Nabila com aquele orgulho que vem de anos de sacrifícios, de doações, de projetos a realizar.
Todos os dias, centenas de alunos, suas famílias, os centros de estudo, a biblioteca mais equipada, as salas de aula mais confortáveis, os espaços comuns mais arrumados. A beleza como cuidado e como promessa: “Vai demorar pelo menos dez anos para voltar a ser como era antes”, a religiosa admite com desânimo. Será mais fácil demolir primeiro, arrasar tudo, completando a obra dos bombardeios. E depois começar do zero. Porque há pouco para salvar e nada para recuperar.
Nas comunicações oficiais das autoridades israelenses é feita uma referência genérica à "paróquia de Gaza", onde no dia 17 de dezembro duas catequistas foram mortas por franco-atiradores do exército ocupante.
Mas, a menos de 3 quilômetros, ainda na cidade de Gaza, fica a escola das Irmãs do Rosário, construída num terreno doado pelo então presidente palestino Arafat, em sinal de gratidão depois de ter enviado sua filha a estudar nas freiras. A contabilização oficial das mortes, portanto, omite a maioria das outras mortes em locais da comunidade cristã. Os bombardeios deliberados contra o Instituto nos primeiros dias da guerra causaram 25 vítimas e numerosos feridos.
“Temos pessoas entre nós que ainda têm estilhaços no corpo. Cuidamos delas o melhor que podemos – conta a Irmã Nabila – mas as ambulâncias não podem vir, os hospitais foram destruídos e não sabemos para onde levá-las." Há poucos dias, foram lançados por um avião israelense no que era a praça da escola e agora não passa de um monte de entulho e sucata, alguns lotes de medicamentos para tratamento de emergência.
Mas por que atacar tão brutalmente um lugar onde, por admissão dos próprios líderes israelenses, nunca houve qualquer vestígio de extremismo nem de infiltrações do Hamas? É possível que mesmo as freiras com o hábito de Madre Teresa de Calcutá e aquelas do Verbo Encarnado sejam um perigo para a segurança de Israel?
“Quando perguntamos o porquê – explica a Irmã Nabila -, nos disseram que fora do nosso perímetro havia um posto militar do Hamas". As imagens mostram como as explosões que destruíram os edifícios nem sempre foram um “efeito colateral”. As crateras na praça, as paredes destruídas pela artilharia, o enxame de estilhaços que destruiu os quadros eletrônicos, as mesas dos professores, as carteiras escolares, não vinham de longe.
Sempre que a extensão desproporcional dos danos é contestada, as Forças de Defesa de Israel respondem que tanto os combatentes do Hamas como as "infraestruturas terroristas" estão sendo alvo. Ontem a BBC divulgou uma análise de dados de satélite que mostra a real extensão da destruição. O estudo BBC Verify sugere que entre 144 mil e 175 mil edifícios em toda a Faixa foram danificados ou destruídos: entre 50% e 61% das construções. Somente perto da fronteira egípcia, os campos para deslocados cobrem aproximadamente 3,5 quilômetros quadrados, o equivalente a quase 500 campos de futebol.
A verdade foi escrita por um soldado israelense durante uma das incursões no instituto religioso, em busca de jihadistas que nunca pisaram lá. Saíram de mãos vazias.
Depois chegaram mais bombas. Primeiro, porém, um dos soldados pegou no chão um marcador escuro, do tipo usado para escrever nos quadros. Ele queria deixar a sua mensagem em inglês, numa parede junto à porta de entrada do complexo escolar: “Hamas is responsible. You pay the price!” A guerra de Gaza explicada em sete palavras: “O Hamas é responsável. Paguem as consequências!”
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Irmã Nabila: “Se a trégua não chegar, aqui começaremos a morrer de fome” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU