“Não podemos confiar ao medo a gestão das nossas universidades; e infelizmente isso é mais frequente do que se imagina. A tentação de fechar-se atrás dos muros, numa bolha social segura, evitando riscos ou desafios culturais, dando as costas à complexidade da realidade pode parecer o caminho mais confiável. Isso é mera ilusão! O medo devora a alma. Nunca cerque a universidade com muros de medo. Não permitam que uma Universidade Católica se limite a replicar os muros típicos das sociedades em que vivemos: os da desigualdade, da desumanização, da intolerância e da indiferença, de muitos modelos que visam fortalecer o individualismo e não investem na fraternidade”, afirmou o Papa Francisco ao receber a Delegação da Federação Internacional das Universidades Católicas (FIUC), por ocasião da celebração do centenário da sua fundação.
O discurso é publicado por Vatican News, 19-01-2024.
Segundo Francisco, “não é a confessionalidade que confere identidade (às universidades católicas): é um aspecto, mas não o único; talvez seja esse humanismo claro, esse humanismo que nos faz compreender que o homem tem valores e que devem ser respeitados: isto é talvez o que há de mais belo e de maior nas vossas universidades”.
“É essencial – insiste o Papa - que as Universidades Católicas sejam protagonistas na construção da cultura de paz, nas suas múltiplas dimensões a serem abordadas de forma interdisciplinar”.
Tenho um longo discurso para ler, mas estou respirando com dificuldade; você vê, ainda esse frio que não vai embora! Tomo a liberdade de entregar-lhe o texto para leitura. E obrigado, muito obrigado.
Obrigado: gostaria de agradecer-vos por este encontro, pelo bem que fazem as universidades, as nossas universidades católicas: semear a ciência, a Palavra de Deus e o verdadeiro humanismo. Muito obrigado.
E não vos canseis de seguir em frente: sempre em frente, com a bela missão das universidades católicas. Não é a confessionalidade que lhes confere identidade: é um aspecto, mas não o único; talvez seja esse humanismo claro, esse humanismo que nos faz compreender que o homem tem valores e que devem ser respeitados: isto é talvez o que há de mais belo e de maior nas vossas universidades. Muito obrigado.
É-me grato associar-me à celebração do centenário da Federação Internacional das Universidades Católicas (F.I.U.C.). Cem anos de progresso é motivo de tanta gratidão! Saúdo e agradeço ao Cardeal José Tolentino de Mendonça e ao Professor Gil, Presidente da Federação.
Foi Pio XI que abençoou a primeira associação de dezoito Universidades Católicas em 1924. E um decreto, muito posterior, da então Congregação dos Seminários e das Universidade dos Estudos refere – cito – que “se associem com intenção de os reitores das mesmas, (...) com maior frequência, tratem juntos os temas (...) que devem ser promovidos comumente a favor do seu altíssimo fim” (29 de junho de 1948). Vinte e cinco anos depois, o venerável Pio XII instituiu a Federação das Universidades Católicas.
Destas “raízes” emergem dois aspectos que gostaria de destacar: o primeiro é a exortação ao trabalho on-line. Hoje existem quase duas mil Universidades Católicas no mundo. Imaginemos o potencial que poderia desenvolver uma colaboração mais eficaz e operacional, fortalecendo o sistema universitário católico. Num tempo de grande fragmentação, devemos ter a audácia de ir contra a corrente, globalizante, da esperança, da unidade e da harmonia, em vez da indiferença, das polarizações e dos conflitos.
O segundo aspecto é o fato de a Federação – como escreveu Pio XII – ter sido constituída “depois da mais terrível guerra”, como instrumento que contribui “para a conciliação e formação da paz e da caridade entre os homens” (Carta Apostólica Catholicas studiorum Universitates, 27 de julho de 1949). Infelizmente, ainda celebramos este centenário num cenário de guerra, a terceira guerra mundial em pedaços. É portanto essencial que as Universidades Católicas sejam protagonistas na construção da cultura de paz, nas suas múltiplas dimensões a serem abordadas de forma interdisciplinar.
Na carta magna das Universidades Católicas, a Constituição Apostólica Ex Corde Ecclesiae, São João Paulo II começa com a afirmação bastante surpreendente de que a Universidade Católica nasceu “do coração da Igreja” (n. 1). Talvez tivesse sido mais previsível para ele dizer que isso brota da inteligência cristã. Mas o Pontífice dá prioridade ao coração: ex corde Ecclesiae. Com efeito, a Universidade Católica, sendo "um dos melhores instrumentos que a Igreja oferece à nossa época" (ibid., 10), só pode ser expressão daquele amor que anima cada ação da Igreja, isto é, o amor de Deus para a pessoa humana.
Num tempo em que a educação se torna infelizmente um negócio e grandes fundos econômicos sem rosto investem nas escolas e nas universidades como fazem na bolsa de valores, as instituições da Igreja devem demonstrar que têm uma natureza diferente e movem-se segundo uma outra lógica. Um projeto educacional não se baseia apenas em um programa perfeito, em um conjunto eficiente de ferramentas ou em uma boa gestão empresarial. Na universidade deve pulsar uma paixão maior, deve haver uma busca comum da verdade, um horizonte de sentido, e tudo vivido numa comunidade de conhecimento onde a generosidade do amor, por assim dizer, possa ser sentida em primeira mão.
A filósofa Hannah Arendt, que estudou a fundo o conceito de amor em Santo Agostinho, sublinha que aquele grande mestre descreveu o amor com a palavra appetitus, entendida como inclinação, desejo, tensão para. É por isso que eu digo: não percam o apetite! Mantenham a intensidade do primeiro amor! Que as Universidades Católicas não substituam o desejo pelo funcionalismo ou pela burocracia. Não basta atribuir títulos acadêmicos: é preciso despertar e salvaguardar em cada pessoa o desejo de ser. Não basta modelar carreiras competitivas: é preciso promover a descoberta de vocações fecundas, inspirar percursos de vida autênticos e integrar o contributo de todos na dinâmica criativa da comunidade. Certamente precisamos pensar na inteligência artificial, mas também na inteligência espiritual, sem a qual o homem permanece um estranho para si mesmo. A universidade é um recurso demasiado importante para viver apenas “em sintonia com os tempos” e adiar a responsabilidade que representam as grandes necessidades humanas e os sonhos dos jovens.
Gosto de lembrar um conto de fadas contado pelo escritor Franz Kafka, falecido há cem anos. O protagonista é um ratinho que tem medo da vastidão do mundo e busca uma proteção confortável entre duas paredes, uma à direita e outra à esquerda. A certa altura, porém, ele percebe que as paredes começam a se aproximar e corre o risco de ser esmagado. Então ele começa a correr, mas, no final, vê uma ratoeira esperando por ele. É então que ele ouve o conselho do gato que lhe diz: “Basta mudar de direção”. Desesperado, ele escuta o gato, que o come.
Não podemos confiar ao medo a gestão das nossas universidades; e infelizmente isso é mais frequente do que se imagina. A tentação de fechar-se atrás dos muros, numa bolha social segura, evitando riscos ou desafios culturais, dando as costas à complexidade da realidade pode parecer o caminho mais confiável. Isso é mera ilusão! O medo devora a alma. Nunca cerque a universidade com muros de medo. Não permitam que uma Universidade Católica se limite a replicar os muros típicos das sociedades em que vivemos: os da desigualdade, da desumanização, da intolerância e da indiferença, de muitos modelos que visam fortalecer o individualismo e não investem na fraternidade.
Uma universidade que se protege dentro dos muros do medo pode atingir um patamar prestigiado, reconhecido e apreciado, ocupando os primeiros lugares nos rankings de produção acadêmica. Mas, como disse o pensador Miguel de Unamuno, “conhecimento pelo conhecimento: isto é desumano”. Devemos sempre nos perguntar: para que serve a nossa ciência? Qual o potencial transformador do conhecimento que produzimos? De que e de quem estamos ao serviço? A neutralidade é uma ilusão. Uma Universidade Católica deve fazer escolhas, escolhas que reflitam o Evangelho. Ele deve se posicionar e demonstrá-lo com suas ações, de forma clara; “sujar as mãos” evangelicamente na transformação do mundo e no serviço à pessoa humana.
Perante uma assembleia tão qualificada, composta por Grão-Chanceleres, Reitores e outras autoridades acadêmicas, quero agradecer tudo o que as Universidades Católicas já estão fazendo. Quanto comprometimento e inovação, quanta inteligência e estudo vocês colocam naquela que é a tripla missão da universidade: ensinar, pesquisar e retribuir à comunidade!
Sim, eu realmente quero lhes agradecer. Mas também quero lhes pedir ajuda. Sim, peço-lhes que ajudem a Igreja, neste momento histórico, a iluminar as aspirações humanas mais profundas com as razões da inteligência e as "razões da esperança" (cf. 1 Pd 3,15); ajudar a Igreja a conduzir diálogos sem medo sobre as principais questões contemporâneas. Ajudem-nos a traduzir culturalmente, numa linguagem aberta às novas gerações e aos novos tempos, a riqueza da inspiração cristã; identificar as novas fronteiras do pensamento, da ciência e da tecnologia e habitá-las com equilíbrio e sabedoria. Ajudem-nos a construir alianças intergeracionais e interculturais no cuidado da nossa casa comum, numa visão de ecologia integral, que dê uma resposta eficaz ao grito da terra e ao grito dos pobres.
Queridos amigos da FIUC, em muitas capelas das vossas universidades existe uma imagem da Madonna Sedes Sapientiae. Convido-lhes a olhar para ela com ternura e manter o olhar fixo nela. Qual é o segredo da Senhora da Sabedoria? É trazer Jesus, que é a Sabedoria de Deus e nos oferece os critérios para construir toda sabedoria. Fixem o seu olhar no coração de Maria; que ela lhes acompanhe, suas comunidades acadêmicas e seus projetos. Eu lhes abençoo do fundo do meu coração. E por favor não se esqueçam de orar por mim.